domingo, 26 de abril de 2009

"BODAS" EM SEVILHA

Confesso que senti alguma dificuldade em escrever este texto.

Foram várias as razões. A primeira foi tentar despir dos meus sentimentos maternos e da minha forma de lidar com as emoções toda a carga de dramaticidade e todo o peso que representa para uma mãe apartar-se do seu filho.

A segunda, porque gostaria que este texto refletisse todo meu sentimento de felicidade e realização de vê-lo dando prosseguimento à sua vida e unindo-se, pelo amor, a uma mulher, com a qual cultivo uma relação afetuosa e cúmplice.

Finalmente, porque o casamento foi realizado em Sevilha, cidade cujos costumes e cultura, são completamente diferentes dos nossos, já tão contaminados pelo “american way of life.”

Há, e permanecerá por algum tempo, uma cortina de fumaça que impedirá que encontre os elos que unem minha emoção ao evento, que ocorreu completamente fora das nossas previsões, excedendo as nossas expectativas quanto a beleza, a elegância, e as circunstâncias surreais que protagonizamos.

Um casamento realizado no Brasil com chuva, tornaria tudo muito complicado e as noivas ficam mais nervosas do que naturalmente “têm” o direito de estar.
Justamente, dia 18, data do casamento, choveu. Uma chuva fina e persistente. Chuva que a principio entristeceu o dia, mas, descobri mais tarde, fazia parte dos “efeitos especiais” que a vida, sem previsão e sem lógica, às vezes se incumbe de produzir.

Por falta de um carro próprio, expusemos aos olhares de transeuntes, alguns curiosos outros indiferentes, “rigor” de nossos trajes, situação inusitada e jamais imaginada pelos nossos costumes cheios de restrições. Finalmente, conseguimos um táxi que nos transportou até a igreja.
Tudo vivido em plena claridade das 19 horas, pois que, no outro hemisfério, a noite só cobre o dia com seu manto escuro depois das 21.

A Iglezia de San Idelfonso, esculpida em mármore “rojo” foi poupada de flores para que a simplicidade e a força de sua beleza nos brindassem e fincassem raízes em nossas memórias.

Mãos dadas com meu filho, simbolicamente, o entreguei à sua mulher, linda e vestida de branco, para juntos iniciarem um dos mais antigos e eternos rituais da existência.

Sentados diante do altar, participamos da cerimônia simples e singela, cuja solenidade foi quebrada pela voz infantil, do primeiro “produto” gerado e parido por um dos seus amigos de infância, todos presentes. O nome da voz é Diego, figurinha fascinante e sapeca, cuja missão de fazer chegar às alianças os noivos, foi linda e desajeitadamente cumprida, com a ajuda do papai Ivan. Dieguinho negou-se a subir as escadas até o altar, mas, as alianças subiram.
Não imagino que relação foi feita na sua cabecinha infantil, que imprimiu ao evento um toque de baianidade, gritando algumas vezes, “Bahêea minha pôa..!” Felizmente, o padre é espanhol e, ainda que falasse nosso idioma, jamais entenderia o sentido da frase...! .

Embalados pela Ave Maria de Gounaud saímos da igreja, em cortejo sob a fina chuva que persistia, sorrindo da cena que protagonizávamos, pois nenhuma alternativa faria mais sentido, seguimos até o espaço onde aconteceu uma linda celebração, que meu coração de mãe e minhas fantasias de mulher jamais sonharam.

O estilo gótico do lugar, onde uma fonte iluminada por velas e pórticos mouros nos recepcionou, formava, com todos os outros elementos, um cenário onírico.

Poesia de avô lida pelo emocionadíssimo padrasto, histórias da infância relatadas por amigos eternos, dançarinas flamencas, flores que flutuavam em vasos translúcidos, velas incansáveis, a clarear o ambiente, muita alegria que nos fizeram, mais tarde, depois de muita bebida, ensaiar o flamenco com sotaque de “axé”, foram alguns dos elementos visíveis que se aliaram, magicamente, ao carinho entre os que lá estavam e à saudade dos que cá ficaram.

Enquanto funcionários eficientes e ágeis tentavam devolver a ordem e a quietude ao ambiente, insistíamos em permanecer na porta do buffet, brincando alegremente com todos os sevilhanos que passavam pela estreita “calle” que, gentilmente, nos devolviam com a mesma alegria, nossas brincadeiras. Em Sevilha, casamento é motivo de muita festa, muita comida e muita bebida.

Os noivos, é claro, foram andando até o hotel!

Foi assim, exótica, bela e muito alegre, a “Boda” do meu filho.

Entretanto, o momento por mim “temido” não foi em Alhambra, cenário indescritível. Não foi na “Iglezia roja”. Nem na imponência da Giralda. Foi na Plaza di España que comecei a ter a sensação de estar empurrando meu passarinho do ninho, para vôo solo. Foi naquele lugar, quando o abracei e lhes desejei, a ele e sua mulher, uma boa viagem, que percebi que, daqui para frente, “su vida es su vida”

Juntos, cada um a sua maneira, começaremos um novo ciclo em nossas existências.

Eu, embalada pela sensação do dever cumprido e aconchegada na normalidade com que a vida continua fluindo. Daqui em diante, a conviver com o vácuo da sua ausência, com a falta das chaves na fechadura, com seu lugar vazio à mesa do meu cotidiano.

Ele, uma vida a ser escrita, muito a construir, muito a aprender, muito a desejar e espero como eu, muito a agradecer.

Certamente, tudo que lhe foi ensinado servirá para enfrentar as inevitáveis tempestades sem sonegar-lhe a certeza da bonança.

Seguirá meu filho, sua estrada. Que me devolva tanta saudade eternizando-me com crianças saudáveis e de olhos grandes e curiosos, que um dia ele foi.


ALICE ROSSINI

quarta-feira, 22 de abril de 2009

CUIDADO COM O VIZINHO

FERNANDO RODRIGUES

No inicio do Século XX, uma rebelião bolchevista deflagrou o que se chamou mais tarde de Revolução Comunista, baseada e apoiada por teorias de intelectuais de origem duvidosa. Essas pessoas instituiram uma verdadeira "caça as bruxas", ou melhor, aos ricos, apoderados e tambem aos remediados de então. Assim, os revolucionarios Leninistas impuseram um regime político e de governo a todas as Repúblicas e Protetorados da vizinhança geográfica.

Foi criada a extinta – Graças a Deus – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Hoje, as novas gerações a confundem com a atual Russia, mas esta era apenas uma das Repúblicas mencionadas no nome. Algumas delas foram invadidas e forçadas a participar dessa União a custa de invasões, assassinatos em massa e privaçao de alimentos, combustivel e demais bens basicos à sobrevivencia.

Não quero entrar em detalhes elementares sobre o trauma, que foi, estabelecer esse processo político. Tambem não cabe a mim lembrar, aos que sabem e aclarar aos que não sabem, como foi a vida na União Soviética até o seu término. Eu, por exemplo, sou um dos apátridas involuntários, a quem sua terra natal foi violentada sob a chancela, influência e poder da dita União.

Ja acabou, se desmembrou e aos seus heróis, o Diabo que os carregue no quinto dos infernos. Ah! Sim, não sou simpatizante do comunismo mesmo. Se voce o é, nao siga lendo este texto.

Mas, para que serve esta introdução, relembrando os medos que a sociedade livre sofreu durante anos por causa dessa Ditadura de Estado a que chamavam de comunismo?

Enquanto escrevo estas linhas, e longe de mim ter o talento da Alice, esse mal ronda a nossa porta, aqui pertinho, na Venezuela.

A mim, me estupefacta e surpreende, a parcialidade com que o nosso Governo compartilha, aberta e incondicionalmente, com o mais novo de todos os ditadores. Ele mesmo, o Sr. Hugo Chávez.

Espanta-me que o Sr. Presidente da República Federativa do Brasil seja tão amigo de uma pessoa que tem subido no poder nao só do seu país mas, exerce influência em toda a America Latina, a custa de falcatruas e armadilhas políticas, censura a imprensa e utilização do Poder Judiciario comandado por ele para derrubar, prender e caçar seus adversarios. Esse e um método que, acho, nunca foi utilizado por Lula para chegar ao poder ou consolidá-lo. Como podem duas pessoas tão diferentes no respeito aos principios democráticos, serem amigos de fé, irmãos e camaradas? Como pode Lula se referir a Venezuela como uma sociedade democrática?

O Sr. Chávez conseguiu passar uma lei aprovada em plebiscito, que outorga a qualquer cidadão venezuelano o direito de se candidatar ao mesmo cargo público quantas vezes queira. Feito isto, o mesmo Sr. Chávez tem perseguido implacavelmente a seus mais temidos adversarios.
Para que esse plebiscito terminasse a seu favor, o Governo venezuelano gastou mais de 4 bilhões de dólares da Companhia Estatal de Petroleos Venezuelana em comicios, bocas de urna, transporte de eleitores e alimentação.

O venezuelano utiliza a prática de fotocopiar documentos para salvaguardar os originais e evitar que seus pertences sejam vendidos indevidamente, em caso de roubos ou apropriações indevidas. Aliás, nós brasilerios tambem temos, ou tinhamos, essa "maniazinha".
Para deflagrar uma total abstenção de votos da oposição, dois dias antes desse plebiscito, os deputados leais a Chávez, 99% da Assembleia Nacional, votaram, em segredo, uma lei que proibe o uso de fotocopias de todo e qualquer documento de legalização e o uso de todo e qualquer veiculo rodoviario. A lei foi aprovada sem que ninguem soubesse dela e publicada no Diario Oficial na sexta-feira que antecedeu a votação do plebiscito. No mesmo dia o projeto foi aprovado.

Resultado, todos os veículos que portavam eleitores da oposição eram barrados em inúmeras blitzs que se montaram em todo o territorio venezuelano, em nome da Seguranca Nacional. Foi assim que o nível de abstenção chegou a 5 milhões de votantes. Todos simpáticos a oposição... Todos os veiculos apreendidos foram liberados às 18 horas do dia da votação e nunca mais receberam nenhuma notificação a respeito. Muito conveniente. O Sr. Chávez ganhou o plebiscito com uma diferenca de 2.3 milhões de votos.

Há 4 semanas atraz, o Sr. Chávez chamou Barack Obama de "negrinho burro". A semana passada disse que Barack era uma pessoa inteligente e preparada. Será que foi porque alguem, na reunião em Trinidad, explicou ao Sr. Chávez o principio da reciprocidade diplomática? Será que, depois de tanta "roubo-nacionalização" na Venezuela aos bens americanos e outros, o Sr. Chávez se deu conta de que Barack tambem pode nacionalizar a Citgo, que e propriedade da Venezuela?

Recentemente, em um dos famosos discursos "fidelianos" na TV, o Sr. Chávez atacava uma multinacional do ramo de limpeza por causa de um disturbio gerado por infiltrados cubanos – profissionais neste tipo de coisa – entre os funcionarios da empresa. Quando tudo se esclareceu, os mesmos, apesar de denuncias comprovadas, foram libertados e as acusações retiradas como condição para que a empresa em questão seguisse trabalhando.

Em seu ataque com linguagem de baixíssimo calão, já que ele acha que para ser revolucionario tem que ser ordinario e grosseiro, o comandante dizia que a referida empresa nao fazia a minima falta e que ele podia importar da Coreia do Norte e de Cuba os mesmos produtos por preços infinitamente mais baratos. Quando se referia às tolhas higiênicas femininas, ele disse que isso era o que menos fazia falta. Deu o exemplo de sua amada avozinha, que toda a vida utilizou toalhas feitas de retalhos de roupa velha, as quais lavava com abnegação e carinho e que morreu aos sessenta e tantos anos com uma saude de ferro.
Por falar em coisas femininas, ele ja proibiu o uso de biquinis fio-dental em todo o territorio nacional, salvo para as mulheres turistas não venezuelanas...não é piada não!

Este e o nível cultural que tem o novo líder comunista que está, abertamente, influenciando a todos os povos da America Latina.

O comandante iniciou uma autêntica caçada para eliminar todo aquele que de uma forma ou de outra, possa ser adversario politico e possa de alguma maneira mobilizar a atenção, não só interna, mas tambem, externa, contra o atual regime. Está inventando crimes, atos inconstitucionais e outras alavancas, para poder eliminar todos os adversarios politicos. Chega a tal ponto sua gula pelo poder total, que mandou um projecto de lei ao Congresso para autorizar a fusão de dois estados agregando o estado Miranda ao estado de Guarico. Em Guarico o governador e chavista, em Miranda e da oposição…que tal?

Aonde está o perigo para nós brasileiros?

Para começar, o caso do gás da Bolivia e arbitrado por ele. Seria interessante que o contrato renovado entre o Brasil e a Bolivia fosse revisado para conhecermos a verdadeira dimensão da ingerência de terceiros em uma área tão estratégica para o Brasil.
No caso de Itaipu, é clara a influência do comandante sobre o novo governo paraguaio, para exigir uma fábula de dinheiro por uma energia gerada por uma barragem que foi paga por nós, brasileiros, com muito suor, inflação e sofrimento.

Por último, deveriamos pedir a nossos representantes, que se investigasse a fundo, não só a influência do comandante no MST, bem como, a proveniência de armas de guerra em grupos armados ilegais que proliferam em nosso pais, pricipalmente, nos estados amazônicos.

Amigos, nao podemos permitir que um ressagado social, com compexos de superioridade, um enfermo psíquico de fácil diagnóstico, siga influenciando a torto e a direita a nossa já conturbada America Latina. Estou começando a ver meus filhos planificarem a vinda dos filhos deles. Quero e sonho que os rebentos que por ai venham, tenham opções de escolha e possam lutar por suas vidas, buscando oportunidades em perfeita harmonia e com a LIBERDADE a que temos direito, todos nós

O perigo está aí, só não vê quem nao quer.


domingo, 19 de abril de 2009

A IRÔNICA “VERDADE” DE MAX


Este texto foi escrito no dia 12 de abril em Lisboa. Como o tema é relevante e atemporal, não importa o quanto caduco esteja o assunto que o motivou.


Há quem diga que o Big Brother é o que há de pior na televisão. Dizem também que os índices de audiência foram os mais baixos dos últimos tempos. A verdade é que todos falam mal e isto é um sintoma de “audiência negativa”. Acho que acabei de inventar este termo agora. Na linguagem de pesquisa televisiva deve ser “índice de rejeição”, sei lá...

Pessoalmente, me interesso pela participação de Pedro Bial que, além de emprestar sua dignidade de poeta e jornalista ao “reality show”, dá densidade aos participantes, analisando aspectos de suas atuações. Enfatiza pontos positivos, como comportamento ético, costumes minimamente civilizados e, obviamente, critica-os na forma de exprimirem-se, na ignorância ou na “sapiência” demonstrados, no “jogo sujo” quando o fazem mesmo em nome do “jogo” e nas suas incoerências, quando se deixam flagrar. Tudo isto sem deixar de incentivá-los a não abrir mão da sua condição de seres humanos, portanto, falíveis.

Analisa-os, mandando ao publico “recados” que só não absorve quem é impermeável. Suas falas nos paredões, para mim, são imperdíveis!

Este Big Brother reformulou sua formatação e inovou num aspecto de atual relevância, colocando entre os candidatos, duas pessoas com mais de 60 anos. Tanto o representante masculino quanto o feminino corresponderam às expectativas do publico; ele agiu tal qual um lobo e ela tal qual uma avó.

Não foram poucos os impropérios proferidos contra a emissora, vinda de “críticos”, por tê-los posto ali, como se suas presenças “esclarecesse” o tão propalado preconceito com relação a programas do gênero, que incentivam o erotismo, buscam “talentos” somente entre os belos e fomentam intrigas entre os participantes, como se o ajuntamento de pessoas de origens diversas, fatalmente não extrapolasse os limites do previsível. Tudo isto é verdade, mas, não é só isto.

A aversão à participação dos idosos foi mais forte que a “aversão” ao programa e isto é mais um sintoma de uma sociedade excludente!
Quando se quer e se pode, consegue-se diagnosticar quais os valores vigentes no país, em qualquer oportunidade. E este é um dos papéis da televisão, acho eu.

O que motivou este texto foi, mais uma vez, o preconceito por mim percebido, no caso, dirigido à amizade entre Max e Flávio. Na minha percepção o que houve foi uma identificação de perfis psicológicos, valores e comportamento ético e limpo dos dois participantes. Mas a homofobia, doença com IBOPE elevadíssimo no universo poluído dos preconceitos, foi mais rápida. Logo foram estigmatizados. No inconsciente coletivo, dois homens não podem experimentar, um pelo outro, sentimento que fuja à superficialidade das relações entre as pessoas.

Não importam depoimentos dos que lá estiveram que o confinamento exacerba emoções e fragiliza as pessoas. Não importa que as partes justifiquem não se deixarem levar por jogos de sedução (o que elevaria os índices de audiência), por já terem compromissos nas suas vidas fora daquelas paredes. Nada importa, se frustrar o “voyeur” que se esconde em cada um de nós.

A verdade é que, até quem “não” assiste ao programa desnuda-se tanto quanto quem dele participa. A interatividade, também questionada, encarrega-se de fazer um link entre os dois comportamentos.

Mas Max deu a resposta merecida, o que legitimou ter levado o prêmio milionário para casa. Perguntado por um repórter sobre um possível namoro com Flávio, a reposta, além de irônica, foi inteligente e a única possível; “ainda bem que vocês descobriram que sou gay, daqui a um mês vamos nos casar”.

Tenho dito.

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 6 de abril de 2009

RETROCESSO


A brilhante jornalista Mirian Leitão desviou o foco da sua especialidade – Economia – para fazer um balanço sangrento do mês de março, quando “comemoramos” o Dia Internacional da Mulher. Seu brilhante texto comenta e oferece dados de um verdadeiro “serial killer” que vitimou mulheres, de todas as idades, em todo o Planeta.

“Mas, se é fácil discutir políticas públicas para vencer o poderoso inimigo da desigualdade, é paralisante o tema dessa vasta violência praticada em todos os países, em todas as culturas, em tantas casas contra meninas e mulheres que não conseguem se defender”

O que mais me chamou atenção num parágrafo do texto transcrito acima foi o termo “paralisante”. Esta palavra me deu a dimensão da tragédia existencial em que vivemos mulheres e homens.

O que é relatado pela imprensa, o que é denunciado nas delegacias e em todo o mundo, para mim, é apenas a ponta de um iceberg. Gélido como é da sua natureza, mas, manchado, não só de sangue como também com as nódoas da angústia, do medo, das pressões, das torturas psicológicas e, principalmente, do silêncio das vítimas.

O que me preocupa nos sofrimentos infligidos às mulheres, são os que se abrigam na sombra do seu cotidiano. É o que acontece nos bastidores, entre as quatro paredes dos seus mundos, colocando-as como reféns de sua própria vergonha, da sua covardia, do seu comodismo, dos seus medos, das suas impossibilidades econômicas, da sua maternidade ou do percurso da sua história através dos tempos.

Sabemos que muitas de nós sofrem porque quer (?!). Está bem, somos neuróticas e dependentes e quando instruídas e informadas, talvez também oportunistas. Se nos deixamos oprimir isto agrava o quadro e perpetua o sintoma, pois, independente do nível sóciocultural, permitimos a opressão. Temos uma lei específica que nos protege - viva Maria da Penha! - mas, não raro, voltamos às delegacias e, ainda marcadas pela violência recente, retiramos queixas e retrocedemos para nosso calvário.

Outro aspecto tão importante quanto grave é a natureza camaleônica da violência ao camuflar-se de formas sutis, sub-reptícias, muitas vezes mascaradas de cuidados, conforto, “segurança”, chantagens emocionais, modelos estereotipados de família e conceitos equivocados de felicidade.

É uma luta desigual e paralisante, como tão bem adjetivou a Mirian Leitão, porque e principalmente, o inimigo infiltra-se entre vitimas e algozes. Está impregnado em nossa cultura, seja ela de que origem for. Sempre haverá um atalho que nos vitime.

Incorporamos o estigma de que desconhecemos nossos próprios desejos, como se fossem monopólio do universo feminino, as indefinições, as buscas de interesses e os sentidos de existir, a subjetividade. É neste pilar preconceituoso e equivocado, que os homens ancoram argumentos que tornam distantes qualquer previsão de entendimento e abissal a profundidade das nossas diferenças.

No mundo atual, onde o que é diferente não é tolerado, a “lei do mais forte” que no mundo dos animais irracionais é usado em pró da sobrevivência, nós racionais, usamos para destruir-nos.

A violência contra a mulher, da mesma forma que atravessou os séculos, com igual fúria, invadiu os primeiros dias de abril que continuaram igualmente sangrentos e “esquizofrênicos”

O pior de tudo é que, independente da dramaticidade da estatística agravar-se a cada dia, perdemos todos. Não acredito, salvo raros casos de psicopatia comprovada, pois quem domina, tortura, mata, pressiona, chantageia, encarcera, desrespeita, seja feliz, saudável ou acredite seja esta a melhor forma de viver.

Há alguma coisa errada com a saúde mental da humanidade. Não! Esta conclusão nem é obvia nem é um clichê! Viemos ao mundo para ser felizes, independente da consciência da inevitabilidade do sofrimento. Temos ainda a nosso favor, o desejo atávico de perpetuar-nos. Por que insistimos em retroceder? Por que não nos aliarmos em vez de nos exilarmos uns dos outros? Tanto homens quanto mulheres vivem presos a modelos que os emparedam e os aprisionam nas suas próprias infelicidades. Quanto mais nos fragilizamos mais embrutecemos quem nos fragiliza. Ser rude, irracional e solitário não é próprio da condição política do homem.

Nem pretendo ser conclusiva, muito menos, tenho respostas para as perguntas que me ocorreram fazer neste momento. Minha única e humilde intenção é, como a Mirian Leitão, considerar-me derrotada. Ela, por se ver obrigada a deixar de falar do assunto que transita com brilhantismo para constatar a triste realidade das companheiras de gênero e eu, na difícil, espinhosa e pretensiosa missão, de aliar-me a seu grito de horror.

p.s. a cônica de Mirian Leitão que motivou este texto, intitula-se Derrotas de Março


ALICE ROSSINI

quinta-feira, 2 de abril de 2009

AS TRES ÁRVORES



Sempre que passo pela Avenida Juracy Magalhães, antes de visualizar o Hospital Aliança, do outro lado, deparo-me com a exuberância da vida em forma de três maravilhosas árvores – amendoeiras – que, de tão grandes e vigorosas, certamente centenárias.

Prefiro acreditar que quem projetou a avenida deva ter se curvado à beleza dos seus caules, preservando-as. Trigêmeas esculturas, que a natureza teve o capricho e o esmero de resguardar as semelhanças das formas, cuidadosamente retorcidas por suas talentosas mãos.

Quem projetou o Hospital, cenário da dor, portal da morte e palco da cura, jamais imaginaria que haveria um ângulo de visão, que dura pouquíssimos e valiosos segundos, em que os dois, as três arvores e o Hospital desenhariam juntos a parábola da Vida: nascimento, amadurecimento e morte.

O fato é que, sempre que passo por aquela avenida, fico expectante. Sentir a vitalidade que aquelas três formas emanam, sem deixar de perceber o Hospital. Vida e Morte em luta constante, um jogo sem prazos definidos, cujas misteriosas regras ninguem tem a verdadeira versão.

Vida e Morte, uma curvando-se diante da outra na eterna dança da existência.

Certamente, todos que estão de um lado ou de outro, ou experimentando o ser ou temendo o não ser, não têm tempo para pensar que uma condição é a necessidade da outra. A proximidade do Hospital daquelas manifestações exuberantes de vida, raramente será registrada através da dicotomia em que estão inseridas. Ali continuarão, indiferentes ao tempo e a eterna vontade humana de domá-lo.

Quem sabe, sejam tres, as vocações das trigêmeas esculturas; lembrar-nos que a vida existe simplesmente para ser vivida. Por ser finita e imprevisível, naturalmente transforma-se: tranformando-se, nos dá a certeza do eterno Retorno.

ALICE ROSSINI


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