terça-feira, 27 de setembro de 2011

¨Antes só que mal acompanhada¨

Existe um “consenso” que todos querem ter um companheiro e com ele formar uma família. Principalmente entre mulheres.

Pessoalmente, sou um exemplo vivo dele. Sempre estive acompanhada, portanto, tudo que estiver escrito neste texto sobre “não estar com um companheiro” é fruto das observações que faço, no meu cotidiano, sobre os surpreendentes caminhos que o mundo está percorrendo.

Convivo com mulheres de várias faixas etárias e de todas as classes sociais. Como sou comunicativa e atenta para onde sinalizam, tenho percebido uma mudança nos conteúdos do “querer estar com alguém”. Percebo, em grande parte, das que estão acompanhadas, uma enorme insatisfação e nas que não têm um namorado ou marido, uma crescente preocupação com a própria capacitação profissional e sua inserção no mercado de trabalho. É evidente o desejo de que a profissionalização seja uma fonte de prazer e realização pessoal, antes de qualquer anseio de relacionar-se, de forma estável, com alguém. Esta nova realidade favorece a emancipação financeira, que permite e facilita este movimento de “desgrudar-se” da figura masculina.

Outros fatores, como a quebra de tabus que engessam costumes, a ruptura de regras que os desvirtuam e fazem da mulher uma refém da imagem que projeta nos vários ambientes onde interage - família, amigos, trabalho, espaços de lazer, entre outros, resultaram no recrudescimento do nível de exigência feminino.

Até a maternidade, instinto atávico, cultuado ao longo dos tempos pela esmagadora maioria das sociedades, tem sido postergado enquanto a mulher não cumpra algumas missões que ache importantes e um filho poderia impedir. Não raro, somente depois dos trinta anos acha-se preparada para ser mãe.

Hoje, ela exige muito mais daquele que venha a ser seu companheiro. Não mais que assuma o papel de provedor, pagando suas despesas e dos filhos. Segundo levantamentos recentes do IBGE, o percentual de mulheres, chefes de família, vem aumentando a cada censo, ocupando espaços em áreas, antes monopólio masculino.

Mais segura da sua autonomia, deseja companheiros que as acompanhem nas suas reflexões existenciais, no refinamento cultural, que demonstrem interesse pelas suas atividades, já que as consideram relevantes e importantes socialmente e que tenham um nível de aspiração compatível com o dela.

Atualmente, para aceitar alguém para relacionar-se há que haver uma sintonia, que facilite e torne a união algo que some, que acrescente, facilitando o crescimento do casal e que não exija muitos sacrifícios e renúncias. Sabemos o quanto é difícil e pessoal encontrar uma situação que seja tão confortável quanto igualitária. Por mais que ainda sofra absurdos preconceitos, hoje a mulher sabe que possui os mesmos direitos do homem, independente do reconhecimento do que deles as diferem.

Ouso dizer que, diferentemente do homem, aceita mais serenamente as tais “diferenças” e, do ponto de vista biológico, é isto que a atrai os sexos. Quanto ao homem, esta “diferença” o incomoda a ponto de criar conflitos e inviabilizar relacionamentos.

No momento em que as relações homoafetivas estão legalmente aceitas e a sociedade mobiliza-se para torná-las cada vez mais naturais, não vejo porque obrigar-nos a conviver com o que há de diverso entre os gêneros, já que conquistamos a liberdade de conviver com iguais.

Mas, o ser humano busca o desafio. A diversidade ao tempo que o incomoda, instiga a curiosidade pelos mistérios da vida. Embora nem todas tenham coragem ou condições objetivas para assumir suas verdadeiras vontades, torna-se mais fácil perpetuar milênios de opressão sobre quem se acha e é visto como frágil, numa sociedade que condicionou-se a só valorizar o que é conquistado com sacrifícios e sofrimentos, o que questiono veementemente: rimar amor com dor.

Não estou pregando a acomodação e a falta de comprometimento emocional na busca do objetivo de “estar com”. Mas, por que não buscarmos o que é fácil? Por que não procuramos percorrer caminhos mais amenos para a satisfação e o prazer? Reivindico a leveza.

Com a dissociação entre sexo e amor hoje, tenho chance de conhecer mulheres jovens e maduras, bonitas ou não, bem sucedidas profissionalmente ou que ainda lutam por isto, que dizem sentirem-se felizes com aventuras esporádicas e encontros casuais, contanto que sua paz e autonomia cotidianas sejam asseguradas. Assim como reconheço que haverá sempre as que dariam a vida por um marido, por uma mesa repleta de filhos, como sempre existirão as insatisfeitas e frustradas, que mantém relacionamentos doentios onde se submetem a toda espécie de humilhações que, não raro, culminam com agressões físicas, psicológicas, até a morte.

Há que se buscar o equilíbrio, não capitulando nas primeiras dificuldades nem insistindo se elas teimam em persistir.

Esta nova mulher tem deixado o homem de “orelha em pé” já que sempre foi o arauto da liberdade, especialmente a sexual. Como nada neste mundo é estático, os tempos também transformaram a compreensão da existência e do papel do afeto no bem estar masculino, libertando-o do peso de sempre ser forte, ainda que se sinta frágil, de ser pragmático quando precisa render-se à subjetividade, ser simplório quando sua condição humana faz dele um ser complexo.

Portanto, é hora de reflexões e coragem para considerar possibilidades de mudanças. Mulheres e homens precisam de afeto, carinho e referências. Não é à toa que consultórios psiquiátricos estão lotados de seres deprimidos e atormentados.

Aviso aos “navegantes”: as mulheres, sem generalizações, principalmente as mais amadurecidas e libertas de idealizações “românticas", de tanto desencantos, tentativas e erros, estão em franco processo de transformação e com comportamentos, cada vez mais evidentes, que sozinhas vão “muito bem, obrigada”.

ALICE ROSSINI

sábado, 10 de setembro de 2011

AMADURECIMENTO

É invisível, porém doloroso, o penetrar da flecha. Mas pior ainda se faz a tentativa abrupta de retirar a flecha há tanto tempo em mim alojada. O puxão fora forte, levara consigo a flecha irmã, mas não o bastante para retirar a minha. Sozinha eu meu peito e incapaz de respirar sem a existência mútua de sua gêmea, só lhe resta o apodrecimento. Fenômeno que iguala até mesmo a mais impecável das princesas a um indigente qualquer. Da mesma forma que doces finos entram pela boca para se verem fétidos numa latrina suja.

Mas a decomposição não degenera a flecha, antes tão viva, sozinha. Esta atrai outros males para terminar o sujo serviço, que vão se espalhando pelo corpo e deteriorando o que sobrou de meu espírito. O que antes fora uma paixão louca e inconseqüente, fulminante e despretensiosa, é reduzida a um resquício de dignidade engolido pela mágoa. Soterrado pela vontade de que tudo não passe de um sonho, entregue ao desejo de que a ilusão não caia em desilusão.

O punho soca o chão, segurando entre os dedos o pingente que guarda tantas recordações. A pele se desprende do corpo habitado por uma alma em desequilibro. Cada pancada de arrependimento no solo duro reverbera sobre receptáculo de um coração despedaçado. Embora a vontade seja de destruir o tal pingente, os dedos estão fechados. O impacto é absorvido pela pele, que já fora prova viva de uma alma harmônica, mas que agora desaba sobre si própria a cada soco.
Transpassada pelas agulhas do sofrimento, a alma se encolhe. Procura entre os cantos do ser um refúgio, mal sabendo que encontra-se em um espaço circular. Não há para onde fugir, não há lugar que consiga esconder um espírito de tamanha extravagância. Só lhe resta a dor de cada corte, de cada perfurada, de cada ferida exposta ao mundo.
Humilhada. Sem nada que lhe dê o mínimo de esperança de um solavanco. Negada a qualquer mínima crença numa nova oportunidade. Lançada em um ciclo vicioso de dor e auto-tortura.

Lágrimas escorrem desgovernadas pelo rosto. Encharcando a cara, fazendo tropeçarem soluços, diluindo tudo de bom que a vida um dia ofertou num solvente capaz de corroer as mais finas alegrias. Em contrapartida, o fluído realça a dor, engrandece as mágoas e rejuvenesce antigos traumas. Faz arder como chama viva tudo o que um dia foi chamado de passado.

Lavada interminantemente por sucessivos prantos, uma nova retina se forma. Treinada para abstrair o menor sinal de alegria. Preparada para filtrar qualquer indício de hipocrisia, adestrada para ver nos outros interesses efêmeros. Incapaz de distinguir qualquer outra cor do cinza. Adaptada para um mundo de um sofrimento agourento que o destino prepara para o meu pobre ser.

Só me resta aquele pranto interminável e impensado, violento demais para ser freado e cego demais para não atropelar qualquer sentimento antagônico que ouse florescer. Um rolo compressor que reduz a fragmentos bidimensionais um sentimento que, se tivesse oportunidade de se desenvolver, seria impossível de se mensurar por medições tão lineares quanto as humanas. E de igual complexidade é seu executor.

Óh, como é duro o amadurecimento.


RAFAEL NEVES = Estudante 17 anos