quarta-feira, 6 de março de 2013

A POÇA D´ÁGUA



O dia amanheceu chuvoso. Nenhuma surpresa. Já estava previsto e, desde a noite anterior, os cobertores me pareceram mais aconchegantes. Acho que só saiu de casa quem não podia evitar, e foram muitos. Eu, entre eles. O médico estava marcado há um mês e não perderia a consulta nem que “chovesse canivete”.

Na volta para casa, ruas alagadas, resultantes da combinação de muita chuva e um serviço de drenagem deficiente. Trânsito caótico. Sem coragem de enfrentar a água que jorrava dos bueiros, obriguei-me a parar quase na saída de um posto de gasolina, junto a uma Loja de Conveniências.
Nenhum livro ou revista para passar o tempo, que tédio! Até o CD de Marisa Monte não tornava a situação menos desconfortável. Agoniada, abri a janela e fiquei olhando os outros carros parados na avenida, satisfeita pelo bom senso de ter procurado abrigo num lugar seguro.

Casualmente, olho para baixo e vejo uma enorme poça de água aninhada no buraco que a chuva, provavelmente, escorrida do telhado, erodiu ao longo do tempo. O cenário em que estava envolvida não acenava com a previsão de libertar-me. Aquela poça não sei por que, prendia minha atenção, mas alforriava meus pensamentos, desacorrentando-lhes e emprestando-lhes asas.

Senti por aquela água cativa, um estranho sentimento de piedade embora parecesse protegida pela depressão do terreno. Imobilizada e aprisionada, a espera de pernilongos, moscas, ratos, insetos peçonhentos, papéis imprestáveis e outros lixos de rua fossem, provavelmente, com ela, viver a impostura daquela situação, aparentemente cômoda. À medida que o tempo ia passando ela tornava-se mais turva e fétida. Quem a via, a evitava. Estava só e o lixo, com a ajuda da chuva, continuava alimentando-a. E o terreno que sofrera a pressão de tantas chuvas, o peso de cada pessoa, de cada carro que passava como seria antes de ceder à força das águas? Provavelmente plano. Mas, certamente, frágil e permeável. Seria tão resistente quanto tudo que o pressionou? Que luta! A verdade é que sucumbiu, deixando-se invadir.

Entretanto, sua única salvação seria drená-la, livrando-a de tanto peso, ser dispersa por uma força demolidora, deixando-a ao relento, sem a falsa acolhida daquela depressão. Em compensação, livrar-se-ia de todo, de ser sufocada pelas coisas ruins que a acompanhavam, até que, a próxima chuva reunisse suas moléculas em forma de outra poça, no vai e vem dos fatos da vida, evidentemente grandes e pequenos, mas de sutil significância.

Deixando-se esmagar por algo mais forte e sólido, voltaria a ser chuva, fenômeno natural, proveniente da evaporação ou do efeito estufa, como queiram.

ALICE ROSSINI