Todo mundo tem um sonho que começa com um desejo. Não estou falando dos sonhos sonhados enquanto dormimos, embora eles possam refletir tanto nossos anseios, como nossas aversões. Freud já estudou, exaustivamente, este assunto e não pretendo adentrá-lo pelo viés da ciência. Primeiro porque foge à minha proposta, segundo por ser um capítulo muito complexo da psicanálise, sobre o qual me considero totalmente despreparada para qualquer comentario, por mais casual que o faça.
Refiro-me aos sonhos que também costumamos chamar de devaneios, fantasias, vontades que escondemos por motivos varios. Por não podermos realizá-los, por dependerem de outrem, por considerarmos proibidos, enfim, são muitas as razões que encontramos para nos boicotar, ficar na "mesmice" de todos os dias, por considerá-los perigosos, inconvenientes ou, até, por nos desconsiderar.
Muito poucas pessoas têm a coragem de expor seus sonhos mais íntimos. Na maioria das vezes tendem a revelar sonhos altruístas, de caráter social e humanitário. Há os que assim sonham, mas estes são facilmente identificáveis. Na cartilha do politicamente correto é egoísmo ter sonhos pessoais e se os tivermos, têm que ter um caráter divino, grandioso, compartilhado. Nada individual, nada carnal, nada profano, nada excludente.
Outro dia perguntei a alguém, com muitos sonhos, fantasias ou desejos já realizados, saudável, estável financeiramente, livre para fazer o que quer e, se não o faz, deve pesar prós e contras desta "satisfação" e conclui que a renúncia lhe fará mais "feliz" e a resposta à minha casual pergunta, pasmem, foi “esperar a morte chegar”. Fiquei chocada! Na minha percepção esta criatura se revelou egoísta e insaciável, demonstrando sua mais rasteira humanidade para quem a vida foi tão generosa, se sentir tão insatisfeita à ponto de, ainda muito jovem, já tão amarga. Ressalvo que conceitos de realização, plenitude, e felicidade são individuais. Cada pessoa os encara ao seu modo.
Faço uma diferença, muito pessoal, entre sonhos e fantasias. Não semântica, claro, mas de conteúdo. Os sonhos transcendem a realidade e são infinitos. Já as fantasias, são quase todas factíveis, limitadas tanto na profundidade quanto nas expectativas que geram e na satisfação que produzem. Acredito que estejam alguns degraus abaixo dos que acolhem os sonhos, esperando que sejam promovidas para o realizável, que levam qualquer alguém a sentir-se pleno, sem espaços vazios, por dentro e sem a sensação de viver no vácuo, por fora.
Fantasias, além de, na sua maioria realizáveis, podem ser alcançadas já que, muitas possuem um preço. Podem ser a de possuir um objeto, conhecer um lugar, eróticas ou românticas. Tanto sonhos como fantasias, a depender das respectivas dimensões, temos que lutar muito para alcançá-los ou, são impossíveis mesmo e tanto faz realizá-los ou não, o importante é que existam. Teem a nobre função de alimentarem nossas almas de esperança, de serem importantes pilares que sustentam nosso existir e até a responsabilidade de nos proteger da realidade que abominamos.
Entretanto, existem pessoas que temem sonhar por não saberem que uma das características dos sonhos pode ser a de nunca se realizarem. Há os que sonham sonhos tão inalcançaveis, justamente para que nunca se tornem realidade e percam a magia do impossível, do inacessível, de perderem o privilégio de possuir uma causa. Outras, por pobreza de espírito e mesquinhez nas projeções para o futuro, começam a sonhar com o rasteiro, com os prazeres imediatos, com o que nada contribui para seu crescimento pessoal ou entendimento do sentido da vida que é a simplicidade de viver cada minuto como se estivessem vivendo uma vida inteira.
Por não se desprenderem das míopes medidas do julgamento alheio ou do cotidiano, só sentem o obvio e só enxergam o que veem. E para sonhar temos que enxergar além do que vemos. O sonho pode residir tanto no comum quanto no inusitado.
Sonhar é necessário, mas é difícil. Para sonhar é preciso sofrer, chorar, sorrir, cantar, gritar, silenciar. Mergulhar e afogar-se em todos os lagos que deem significados ao fato de estar vivo. Por isto, a amarga resposta do meu “entrevistado” é, provavelmente, por estar refém das coisas pequenas, não sabendo que no pouco pode estar tudo e no tudo pode morar o vazio. Mal sabe que existem os que só sonham sonhos irrealizáveis e, nem por isto, deixam de manter conexão com a realidade e, só a possibilidade de sonhar podem torná-las menos tristes ou até felizes. Transferem, então, seus sonhos para outros, por saberem que até seus desejos tem que passar por crivos, censuras e viabilidades.
Estas sim, estão tão cansadas que só "esperam a morte chegar". E morrer é perfeitamente normal de factível
ALICE ROSSINI