domingo, 17 de outubro de 2010

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Ao assistir o filme “Nosso Lar” a maior lição que consegui extrair dele foi que o conceito de orar é muito mais amplo do que consegue imaginar nossa humana concepção. Orar é mais que entoar mantras ou repetir palavras. Orar é sentir e fazer o bem. É ser útil e compassivo. É ser generoso e democratizar nossas melhores energias.

Quantas vezes observamos em cultos religiosos que as pessoas só estão presentes fisicamente e que suas mentes, indomáveis, vagam perdidas no turbilhão de infinitos pensamentos. Os rituais parecem-me, então, vazios de sentidos.

No filme, fiel à doutrina espírita, toda a vocação humana é evolutiva. Cada qual no seu ritmo, sem cobranças nem julgamentos, já que inexorável. E o sentido da evolução só ecoa positivamente se objetivar o bem estar do outro, seja este “outro” quem for.

Simultânea à exibição do filme, a humanidade teve a rara chance de observar uma das mais longas vigílias impregnadas de uma religiosidade comovente e contagiante. Trinta e três mineiros ficaram soterrados a 700 metros de profundidade e muitos seres humanos transcenderam suas inteligências e as motivações de suas existências colocando-as a serviço daquelas desafortunadas criaturas, submersas nas profundezas da Terra.

Utilizando tecnologias conhecidas, recém descobertas e sua infinita capacidade de superação, conseguiram unir o saber ao improviso e construíram, não por acaso, uma cápsula chamada Fênix, a mitológica ave que renasce das cinzas, que fez vários vôos às avessas, descendo às entranhas do planeta em busca dos trinta e tres seres humanos. Resgatou, dentro do seu ventre salvador, todos eles.

Se toda e qualquer vida vale à pena, as daqueles homens superaram esta verdade, pois renasciam da Fênix, inteiros, física e psicologicamente. Todos se comportaram qual recém nascidos carregados de vida e gratidão e, aparentemente, sem maiores sequelas nas suas humanas consciências, reconhecendo o esforço dos que aqui ficaram torcendo e lutando por suas vidas

Depois que ouvi a “fala” de Jabor sobre o fato, quase desisti de fazer qualquer comentário. Ele conseguiu esgotar, comentando lindamente, uma das maiores demonstrações de solidariedade já manifestas por seres humanos. Mas, a ação é tão maior que qualquer comentário por mais rico em metáforas, adjetivações e sentimentos de euforia, orgulho e esperança do homem pelo próprio homem, que resolvi abrir mão da vaidade de falar algo inédito e, humildemente, comentei uma ação que tem tudo para reforçarmos esta virtude que convive, pacatamente, com nossa arrogância, já que concluímos que somos dependentes uns dos outros e, sem as mãos salvadoras dos nossos semelhantes não temos chance, sequer, de existir.

p.s. Que esta amarga experiência sirva para melhorar as condições de trabalho de mineradores do mundo inteiro.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 12 de outubro de 2010

EDITORIAL

A proposta deste Blog é postar, na sua página principal, textos em formato de prosa.
Entretanto, nada na vida é rigido, principalmente, quando quebramos as regras por uma causa maior.

Rafael Neves é um dos nossos colaboradores e usa a sabedoria do seu adolescer, nos ensinando a refletir e a sonhar.

Pois bem, Rafael mais uma vez surpreendeu-me agradavelmente, enviando-me uma poesia, sem titulo mas, claramente uma declaração de amor ao Amor.

Impactada pela verdade contida na sua emoção ainda juvenil, constatei que o texto tem a força de um vulcão e a doçura de um brigadeiro que a gente degusta lambendo os dedos.

Resolvi, então, publicá-la, dando o destaque que o texto merece


ºÓ cupido desgraçado
Que me deixara de tudo desgarrado
Me faz flutuar sem rumo por balões
Para depois estourá-los sem perdões
Me tirou os pés do chão
Para colocar-me sobre paixão
Me diz que isso é amor
Mas destrói-me com rancor

Esfacela-me
Apodrece-me
Perfura-me

Da-me o sentimento verde verdadeiro
Mas mancha-o com vermelho sangue do devaneio
Entrega-me a pomba branca
Mas sem dó seu coração arranca
Acordado me faz sonhar
E com o som do fracasso me despertar
Poe-me num bolha e diz que isso é o mundo
Para depois mostrar o quão vasto é tudo

Mata-me
Corrompe-me
Desconstitui-me

Ó cupido amaldiçoado
Cujo amor sua flecha deixara abandonado
Espelha a mais bela imagem nos olhos meus
E brinca comigo entre os dedos seus
Faz-me seu brinquedo
Imita-me uma marionete, sem medo
Obriga-me a perseguir tão singela amada
Mas termino numa ruela dela afastada

Castiga-me
Tortura-me
Despedaça-me

Ó cupido desalmado
Se tivesse sido melhor educado
Não atiraria flechas sem mira
Não de forma cruel me traíra
Mas se é a vontade do nosso amor
Acabar sempre na mais triste dor
Então permito-lhe rasgar- me em dois
Deixar-me nunca mais apaixonar depois
Pois pelo menos assim, paro de amá-la tanto
Ou quem sabe, até nos céus acabe em pranto

Picota-me
Mutila-me
Defeca-me
Amo-te

RAFAEL NEVES, 16 ANOS

terça-feira, 5 de outubro de 2010

RETROCEDER PARA AVANÇAR

O que há dois séculos parecia um caminho inquestionável de progresso transformou-se em uma inútil corrida enlouquecida para escapar das consequências de nossos próprios atos.

As pirâmides financeiras desmoronaram, as bolhas imobiliarias estouraram, mas ainda não vemos com suficiente claridade muito do que temos chamado “crescimento” e “desenvolvimento”. Já se passaram tres gerações nos países desenvolvidos e de uma a duas em outros países, e estamos vivendo como se fôssemos a última geração sobre a Terra.

Isto tem que acabar! Ao meu ver esta é a realidade da situação atual. Uma realidade que muitos dos que compõem a nossa sociedade se recusam ver ou reconheçer, por simples e puro egoísmo, começando pelos governantes e políticos.

Esquecemos sempre, e por isso há que repetí-lo mais de uma vez: "Não há nada gratis". Infelizmente, todas as mensagens que escutamos e vemos dizem resumidamente, “vivam como se os recursos naturais fossem infinitos e como se não houvesse amanhã”. Sendo os recursos finitos como o são, quanto maior a rapidez de exploração, mais cedo ficaremos em eles.

Os problemas mais polêmicos da sustentabilidade não são problemas técnicos ou econômicos, são ético-políticos.

Atualmente, a descomunal potência da tecnociência ocidental e o caráter expansivo do capital, asseguram que, em muitos casos, os efeitos das nossas ações - e omissões - chegarão incalculavelmente longe, no tempo e no espaço, como se sabe, a vida média dos resíduos radioativos, ou os prazos para o reequilibrio do clima do planeta, se medem em dezenas de milhares de anos. Deveríamos questionar com frequência que nível de mal - direto, indireto e diferido - estamos dispostos a infligir, uns aos outros, para tratar de manter os atuais niveis de conforto material? Sabemos que já são mais que suficientes e que, em qualquer caso, excedem o que desfrutaram os mais ricos e poderosos de épocas passadas.

É esta uma ideia adequada de progresso? É este um tipo de economia sustentável que esmurra suas proprias bases ecológicas e, portanto, é definitivamente autodestrutiva?.

A alguns nos custa crer que estas questões são mais importantes que as perguntas “fundamentais” às que nós enfrentamos diariamente: “Que roupa visto hoje?”, “onde serão as próximas férias? Ou até, "qual é a última fofoca da revista Caras?" Mas, é aterrador descobrir que nós temos filhos e nos esqueçemos de refletir sobre que nível de mal estamos dispostos a infligir ao futuro dos nossos filhos e netos?

E os governantes? Todos os que estão no poder hoje, sabem que a sua sobrevivência política depende de como se rouba o futuro para entregá-lo ao presente. A verdade é que chamam de conservação, o envenenamento do meio ambiente.

Mas, quando perguntei que nível de mal - direto, indireto
e diferido - estamos dispostos a infligir, uns aos outros, devemos incluir nestes “outros” os animais que habitam conosco o Planeta. Milhões de criaturas torturadas e aniquiladas pela nossa cobiça desenfreada e sem limites, vítimas inocentes do nosso suposto “desenvolvimento”, súditos involuntarios da ditadura humana.

Mas, também, existem boas noticias. Tudo isto não é uma rua sem saída, porque sempre se pode dar marcha a ré. Se quisermos que as gerações futuras tenham acesso ao que hoje nós desfrutamos, "a tal" marcha à ré é inevitável no nosso atual caminho de autodestruição. Retornar não implica retroceder...retroceder, neste caso, também pode ser avançar. Seria um avanço em sentido contrario mas que, definitivamente, beneficiaria as novas gerações.Para isto, é imperativo reconheçer os erros cometidos e aprender com eles.

Não podemos continuar fazendo "vistas grossas" ao ecocídio atual e sendo guiados por cegos, porque se um cego guia outro cego, ambos cairão no precipicio.

FERNANDO TROVADOR