sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

EDITORIAL DE NATAL


Este texto pretendia ser uma mensagem convencional de Natal, aquelas que falam de paz, fraternidade, amor, preservação do ecossistema e todas as boas intenções que nos atacam nos finais de ano. Entretanto, transformou-se numa relação de necessidades e responsabilidades, aparentemente simples, mas que fazem a diferença quando bem entendidas. É evidente a distância daqueles pedidos despretensiosos e inocentes que fazíamos para um idealizado Papai Noel. Estes são pedidos sérios, de gente grande, que sabe a distância entre viver com ou sem qualidade. Embora passeie pela mídia, tumultue e ocupe a cabeça dos mais crédulos que o mundo vai acabar, enquanto isto não acontece, vamos tentar mudar, a partir de hoje, detalhes de nossas vidas que, certamente, nos farão pessoas melhores.

Pois bem. Começo por sugerir que na noite de Natal todos se abracem. É bonito e gostoso. Mas, continuem abraçando-se durante os outros dias do ano. Nossos corpos precisam de calor, de toque, de carinho. Pelo bem de todos, nunca se esqueçam disso!

Quando você for ao Shopping comprar lembrancinhas de Natal, ainda que simbólicas, para que todos saibam que você não se esquece de ninguém, lembre-se que, muito mais importante que estas “lembrancinhas", foram os telefonemas que você poderia ter se lembrado de fazer, mas algo mais importante apareceu entre o ato e a vontade de tê-las feito. Estas omissões impediram que os destinatários das tais "lembrancinhas" se sentissem muito mais importantes. Assim como, todos os e-mails que poderiam ter sido enviados, respondidos ou todos os convites que moraram o ano inteiro em angustiados silêncios, pedindo um ombro para chorar ou ouvidos para ouvirem lamentos, mas, fizeram eco no vazio.

Na hora de comprar aquele panetone ou aqueles pãezinhos que lhe coube para compor a ceia que reunirá sua família, lembre-se dos milhares de crianças famintas pelo mundo. Aliás, na sinaleira, pertinho da sua casa. Pelo menos, distribua as sobras.

Enquanto estiver escrevendo aqueles textos, irretocáveis e politicamente corretos para as festas de confraternização, querendo impressionar seu chefe ou alguém da sua família, não esqueça que existem pessoas que não sabem escrever o próprio nome nem ler uma frase que faça sentido nas suas cabeças, e as que sabem, continuarão com o coração vazio. Porque quem ouvir seu discurso, vai lembrar o quanto foi bondoso, fraterno ou indiferente no ano que passou. Portanto, evite palavras sofisticadas, a simplicidade toca o coração.

Quando for dar beijar seus filhos, pais, maridos, namorados ou amigos, tente colocar um pouquinho de calor e de sinceridade, ingredientes necessários em todos os beijos. No Natal, um beijo frio contamina os beijos do ano que chega.

Se você lembrar-se de rezar, seja qual for seu credo, para homenagear a representação de Cristo, seja o menino na manjedoura, seja o dilacerado, pregado na cruz, lembre que nunca pediu o reconhecimento da humanidade e que é muito feio falar nele no Natal e negá-lo o resto do ano. E isto inclui respeitar quem acha que ele ainda está por vir, os que o celebram de outras formas, em outras datas e o chamam por outros nomes.

Ah, só para finalizar, lembre que este Cristo tinha uma mãe, que sofreu ao vê-lo chicoteado e crucificado e que existem mães, cujos filhos não mais estão aqui. Moram em outras dimensões, ou sofrem e fazem sofrer em clínicas para drogados, estão perdidos na sarjeta, à mercê de traficantes, sobrevivem em presídios, cumprindo penas que elas nem mesmo entendem como chegaram até ali e, apesar de tudo, não deixaram de amá-los. Abrace seus filhos pensando nos que não podem fazê-lo.

Poderia, aqui, continuar elencando todos os nossos privilégios em contraposição com as tristezas alheias. Mas a mensagem é de Esperança, esta sim, deve estar presente. Entretanto os itens deste Editorial, não excluem ninguém, muito menos a editora deste Blog.

Sugestões atendidas, certamente, terão a capacidade de contaminar muita gente. Teremos então, mais chances que o ano de 2013 seja de PAZ.

domingo, 21 de outubro de 2012

“SIMPLES DESEJO”


Hoje eu vi uma Ferrari. Vermelha, é claro. Nem precisa falar das linhas arrojadas, dos canos de descarga prateados e aparentes na parte traseira como mais um acessório luxuoso, de onde nasce o famoso ronco do motor.
A platéia admirava-a, enquanto o orgulhoso proprietário do objeto do desejo de nove entre dez pessoas do mundo “civilizado” fazia pose de ”não estou nem aí”.

Fiquei, então, imaginando o que baliza o desejo das pessoas. A quantidade de dinheiro que possuem? Não sei, conheço muita gente cuja conta bancária mal dá para suas despesas pessoais e deseja uma Ferrari. Outras, levadas pelo nível cultural mais burilado, usariam o dinheiro da Ferrari e comprariam um quadro de Picasso. Já tem quem sonhe ser rico para dar a melhor educação possível para seus filhos ou pagar a complicada cirurgia que curaria um ente querido, no melhor hospital do mundo.

A verdade é que, como seres “desejantes”, o planeta é uma vitrine, onde estão expostos, desde objetos cuja concretude nos esmaga, até devaneios, cujo alcance nos engrandece.

Entretanto, existe uma grande maioria, neste mundo tão diverso, que possui desejos simples, mas cuja grandeza e necessidade de ser alcançado, faria falta até ao dono da Ferrari vermelha.

A cantora Luciana Mello tem uma composição, onde capta a essência dos desejos humanos, aqueles que servem de lastro e lhes motivam a diversificá-los, bem diferentes da Ferrari, do quadro de Picasso, até a luta pela própria casa.

“Legal ficar sorrindo à toa
........................................
“Andar sem rumo pela rua”

Sim, a liberdade, maior bem do ser humano, é a base que lhe permite desejar, que torna o que almeja, alcançável. Bem, pelo qual, infelizmente, sempre terá que lutar por ela, historicamente, e defendê-la, existencialmente.

Como diz a compositora, para viver é necessário pouco. Uma Ferrari daria alegria e prazer, mas não garantiria a felicidade, tampouco, ter um quadro de Picasso na parede só acariciaria, de forma grandiosa a sensibilidade artística de quem a tem. “A felicidade está no mar, está no ar, está no brilho dos seus olhos”, tem dias, e não são poucos, em que carros luxuosos, obras de arte, objetos valiosos e tudo que só o dinheiro pode comprar deixam de ser prioridade e, até, os esquecemos.

Numa frase, Luciana conseguiu resumir qual a maior necessidade, minha e de muita gente: “eu só quero que o dia termine bem”...um simples desejo.

ALICE ROSSINI

sábado, 15 de setembro de 2012

EDITORIAL

O espaço principal deste Blog está reservado, prioritariamente, a textos em prosa. Entretanto, algumas excessões são feitas em nome da beleza e da originalidade deles. Rafael Neves é nosso colaborador. Abriu mão dos seus afazeres, que não são poucos, para tão pouca idade - 18 anos - e nos presenteia com dois poemas, que, como sempre, guardam a marca da modernidade e do seu enorme talento.



"Plim, plim
Ela entra na minha casa
Ele nem bate na porta
Ela escolhe a marca do meu colchão
Ele diz a cor da geladeira
Ela me veste como bem entende
Ele faz sem lavar as mãos
Ela diz que nela eu posso
Ele tinge o corpo de vermelho
Ela tem o brilho que eu quiser
Ele o volume que eu escolher
Ela preenche a urna para mim
Ele põe lágrimas nos olhos meus

Mas não lhes dou a minha resposta,
estufo a barriga na poltrona
Ambos veem na mesma caixa de papelão
À vista ou eternas vezes sem juros
Ela e Ele
Ele e Ela
Mas Eles
Por que Ele é homem
Boa noite"

"Do tamanho do azul
tartaruguinha
quebra casca
tartaruguinha
respira do ar
tartaruguinha
conhece a luz

Quanto tempo ainda falta
tartaruguinha
quanto ainda lhe resta
Faz do ainda já
E caminha agarrada vida
ao grande azul
que nunca nunca
será maior que ti

tartaruguinha
nada nada tudo
tartarguinha
vai de cima abaixo por cima
Tartaruguinha
a vida te espera"

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

ELLES

Sei que cinema é diversão, entretenimento. Frequento as salas onde são exibidos como todos, com o objetivo de me divertir.

Mas, para um filme preencher minhas expectativas, tem que extrapolar seu caráter lúdico, me inquietar, levar-me a fazer descobertas, derrubar paradigmas, suscitar dúvidas, pois, a arte deve ter o poder não só transformador e libertário como deve ser estopim capaz de fazer eclodir revoluções. Há de nos fazer enxergar o reflexo de uma cultura, de uma geração. Ver nele desenhados nossos medos, a vergonha das nossas covardias e omissões e, com despudorada ousadia, nossas transgressões.

Enxergar o mundo róseo pode servir até como um recreio para os dias de chumbo que atravessamos. Enquanto o enxergamos nos iludindo, lá fora, a realidade nos espreita.

Pois bem, fui assistir ao filme “ELLES”. Produção francesa. Juliette Binoche no papel principal. O filme fala do cotidiano de uma família classe media marido, dois filhos e uma mulher que, além de cumprir todas as tarefas domésticas, ainda era jornalista. Naquele momento escrevia artigos para uma revista incansável em cobrar prazos, sobre um tema inusitado: a vida das prostitutas. No caso, jovens adolescentes, sem a menor noção dos riscos que corriam e que, segundo elas, atendiam a homens casados, presos a relações entediantes.

No desenrolar do filme vai caindo, diante de Anne, o véu que cobria suas insatisfações. O marido que não valorizava seu trabalho doméstico e intelectual, nem seu desempenho materno. Não enxergava sua insatisfação sexual.

Através daquelas meninas que se vendiam por dinheiro reviu e reconheceu os anseios do seu corpo que eram aplacados através da monotonia imposta pela relação que mantinha com o marido estereotipado, como os caçadores de ninfetas que pesquisava.

A compreensão atingiu seu auge quando, num jantar de negócios, ela olha ao redor da mesa, e “vê” todos os parceiros de suas entrevistadas olhando-a com olhos gulosos e sensuais, enquanto o marido, a despeito da sua presença à mesa, levanta-se e serve o vinho à outra mulher, sentada do outro lado.

Ela sai. O simbolismo da e sua saída representa uma viagem onde percorre tanto sua miséria quanto tudo de valoroso que preenchia sua vida, marido, trabalho, filhos e o quanto estava vinculada a tudo isto. Retorna e reencontra seu casamento e, já no café da manhã, todos que amava reunidos, numa cena comum em qualquer parte do mundo.

É por isto que o filme me inquieta. Ele é despretensioso. Não pretende entrar nos mistérios da mente humana nem mostra comportamentos sociopatas. Nada de anormal, nada que não conheçamos ou não tenhamos vivido. Mostra-nos como somos. Às vezes tolos, outras descuidados com quem está mais próximo, outras distraídos quanto as necessidades dos que amamos ou de nós mesmos, outras amorosos, outras cruéis mas, na maioria as vezes, indiferentes.

Como estamos comemorando o aniversario de Nelson Rodrigues, olhamos no “espelho” a que chamamos de tela e vemos refletida "a vida como ela é".

ALICE ROSSINI

terça-feira, 21 de agosto de 2012

SUAVEMENTE PORTUGUESA


Esparramada por sete colinas, como Roma, Lisboa e a lusitana Macau chinesa, a belíssima Olinda, síntese do esplendor multicultural e racial dos anos de glória do Império português, entre os séculos XV e XVIII, foi fundada em 12 de março de 1535 pelo ilustre fidalgo Duarte Coelho Pereira (1485 – 1554), primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, a Nova Lusitânia, e conserva até os nossos dias a mágica atmosfera que fez florescer, nos trópicos do Atlântico Sul, uma grande nação – que, para muitos, é o imenso Portugal à brasileira. Olinda, surgida catorze anos antes da primeira capital brasileira, a baiana São Salvador, deve o nome à corruptela de uma expressão que Duarte Coelho teria pronunciado ao desembarcar nas praias marcadas por arrecifes, Ó linda!, diante de deslumbrantes colinas e vegetações. É a segunda cidade mais antiga do Brasil – São Vicente, na Baixada Santista, litoral de São Paulo, criada em 1532 por Martim Afonso de Souza (1490 – 1571), foi a primeira vila construída pelos portugueses nas Américas. Mas, ao contrário da localidade paulista, conserva-se, na arquitetura e no falar chiado dos habitantes, profundamente lusitana, como nos séculos em que foi capital de quase todo o Nordeste brasileiro.

Pude, mais uma vez, constatar e desfrutar da beleza de Olinda durante toda semana que lá passei, ao lado de minha esposa, Da. Andrea, entre 11 e 18 de agosto último, hospedando-me no centro antigo, próximo ao Mosteiro de São Francisco, à Igreja do Carmo, à Catedral, no Alto da Sé, e ao Seminário de Olinda. Das exuberantes colinas – ou mesmo das praias do Bairro Novo - avista-se a vizinha Recife, distante apenas seis quilômetros, porém, marcada pelas pontes, jardins e palácios construídos, entre 1630 e 1645, pelos ocupantes holandeses comandados pelo alemão Maurício de Nassau (1604 – 1679). O desembarque destes foi, entretanto, bastante trágico para Olinda, que, em 1631, teve praticamente todas as suas 22 igrejas e onze capelas incendiadas pelas tropas “iluministas” neerlandeses – que também saquearam a cidade antes de botar fogo em seu rico e precioso casario. Já então Olinda era denominada a Coimbra brasileira por ser o principal centro universitário da colônia portuguesa e onde havia sido professor de Retórica o Padre António Vieira (1608 – 1697), nascido em Lisboa e mais tarde radicado na Bahia, tido como o maior pensador português do século XVII.

A reconstrução das igrejas da antiga capital pernambucana (de 1635 a 1837) aconteceu no século XVIII e por isso muitas delas foram inspiradas – principalmente os altares – no barroco dominante à época, também presente em Ouro Preto e em toda as Minas Gerais, bem como em São Salvador. Suavemente portuguesa – a desafiar os buliçosos séculos da Idade Moderna -, Olinda deve muito, como toda a histórica Nova Lusitânia, ao gênio universalista do fundador Duarte Coelho, nascido no Porto, na freguesia de Miragaia, um dos mais antigos bairros da Cidade Invicta. Ele recebeu a Capitania de Pernambuco em reconhecimento pelos valorosos serviços prestados à Coroa portuguesa em missões na Índia, no Reino de Sião (atual Tailândia), onde foi embaixador, e na Malásia – chegando a construir em Malaca, então capital lusitana no território malaio, a bela Igreja Nossa Senhora do Outeiro. Enviado ao Brasil, em 1532, pelo Rei D. João III (1502 – 1557), expulsou da Baía da Guanabara os invasores franceses de Nicolas Durand de Villegagnon (1510 – 1571). Ao chegar em Pernambuco, trazendo toda a família, inclusive o cunhado Jerônimo Albuquerque, irmão de sua esposa, Da. Brites, além de vários fidalgos do Norte de Portugal e do Alto Minho, Duarte Coelho construiria a primeira igreja no país, em Igarassu, e daria início ao Ciclo da Cana-de-Açúcar. Voltaria a Portugal quase vinte anos depois, muito doente, onde morreria. Dois de seus filhos, Duarte Coelho de Albuquerque e Jorge de Albuquerque Coelho, foram gravemente feridos na tristemente célebre Batalha de Ksar el-Kibir, no Marrocos, em 4 de agosto de 1578, onde desapareceria o Rei D. Sebastião O Desejado (1554 – 1578). Os irmãos estiveram até o fim ao lado do último rei da Casa de Avis.

ALBINO CASTRO - JORNALISTA

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"O destino é o desejo que se cumpre"



A frase tema deste texto, Dr. Freud a escreveu e alguém, muito especial, inseriu numa correspondência que me enviou. Neste momento, pode ter sido o mais importante recado que poderia receber: “o destino é o desejo que se cumpre”.

Abstraindo os motivos do meu momento, a frase resume a essência da vida. A eterna busca humana, os espinhosos caminhos que percorremos para sermos o que queremos ser, para fazer o que gostamos, para estar com quem amamos, para chegar onde queremos, para dizer SIM e NÃO sem medos, simplesmente, por ter sido, nossa, a escolha. A complexidade dos caminhos que levam a reconhecer em si o que se é.

Existe uma enorme discussão sobre o que seja destino. Ao seu conceito são agregados conteúdos vários. Quanto a mim, nesta discussão acrescento o conceito do livre arbítrio, relativizado no momento em que, ao tomar uma decisão pretensamente “livre”, sabemos que ela está contaminada pelas decisões, vontades e necessidades de outras pessoas, da aleatoriedade das circunstâncias que se impõem e, muitas vezes, preponderantemente, ditadas pelas razões obscuras do nosso inconsciente.

Quantas vezes temos a dolorosa e inquietante sensação que perdemos o comando das nossas vidas? Coerente com a frase de Freud, isto ocorre porque abandonamos, negligenciamos ou minimizamos, por fraqueza, cansaço, comodismo ou oportunismo, o que nunca deveríamos abdicar nem entregar, o comando de nós mesmos. Como se a desistência deste direito inalienável e desta obrigação irrenunciável fosse tornar a vida mais fácil e cômoda. Que engano! Mais tarde, quando o destino que desenhamos no nosso imaginário não se cumprir, fugir do que idealizamos, o fracasso será o sentimento recorrente. E este destino construído no processo do existir, será levado à categoria de réu, culpado por tudo que pretendíamos e não conseguimos. Álibi que usaremos para nos eximir da responsabilidade que é nossa.

É preferível, então, o embate com a vida e seus caprichos, o discernimento quanto aos momentos de recrudescer ou recuar, a coragem de optar pela justiça, opondo-se ao elogio fácil, a energia capaz de erguer-se das quedas e seguir em frente, a poupar-nos para, mais tarde, enfrentar-nos.

Portanto, este mergulho além de perigoso, é necessário. Apesar disto, há quem se aventure a fazê-lo, como há quem prefira a placidez enganosa de sobreviver na superfície.

Não estou pregando a arrogância do homem diante da vida e seus imprevistos, nem a inflexibilidade diante de fatos que não dominam. Entretanto, não podemos negar que, mesmo diante do imprevisível e das fatalidades que nos espreitam, a forma como reagimos diante de tudo que nos acontece, ”é o desejo que se cumpre”.

Finalizo este texto e a ousadia de escrevê-lo, com um poema de Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa:

Cada Um

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre,
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 12 de junho de 2012

EDITORIAL - DIA DOS NAMORADOS



Dia dos namorados. Enquanto o comercio comemora as vendas, homens e mulheres “quebram” as cabeças por milhares de motivos. Uns por pretenderem originalidade, outros por desejarem que seus presentes falem mais que o amor não demonstrado nos outros 364 dias do ano, outras por sonharem com uma noite sensual, outros também desejam, mas não necessariamente com aquelas outras. Alguns sonham realizar “aquela” fantasia: “será que o outro vai gostar?”. Muitos esperam que o dia inspire uma trégua e resgate o casal que um dia foi. Alguns procuram algum motivo que justifique uma noite diferente, uma pequena minoria desconhece o dia, mas esperam um sinal, por menor que seja de romantismo da minoria à qual está ligado.

Enquanto o dia fervilha em compras e em produções sedutoras e à noite motéis e restaurantes organizam filas de “enamorados” com fome de comida e sexo, um universo paralelo acontece. Cada casal, tenha a idade que tiver, seja amante ou amado, se odeiem ou apenas se desejem, são protagonistas de historias de verdade, longe dos clichês românticos, carregadas de perdões e arrependimentos, separados pela necessidade do dinheiro que sustente suas famílias, com o divórcio como a melhor perspectiva de felicidade e paz ou com as expectativas de amor eterno de recém casados, recém conhecidos, recém namorados, seja lá o que forem ou esperem, o que todos desejam é amor.

Não mais aquele amor de contos de fadas, mas amor verdadeiro, baseado na amizade, nas afinidades ou na tolerância das diferenças delas. Em gostar da forma como o outro come, dorme ou boceja. De levantar à noite para socorrer no caso de uma dor imprevista. Um amor amigo que não repare nos furinhos de celulite, nem na barriguinha que teima em não sair.
Um amor amigo que ache o outro lindo tanto com aquela camiseta velha e desbotada como com aquela roupa que custou os “olhos da cara” e quando você a comprou ficou vários dias arrependendo-se.

Um amor que, passado pela “centrífuga” da vida, o sumo colhido contenha, além da paixão uma grande dose de amizade, companheirismo e um gostar de todas as besteiras, desinformações, manias, mau humores, inconveniências e outras chatices. Porque, de verdade mesmo, na vida real é isso que mais mostramos uns aos outros


quarta-feira, 30 de maio de 2012

O QUE SINTO QUANDO NÃO SINTO?


A maioria dos seres vivos que habitam o planeta é dotada de sentimentos. Por eles sentem aversão, quando dolorosos, como deixam que os seduzam quando lhes provocam prazer, felicidade e paz. O homem dotado de raciocínio e percepção pode captar padrões energéticos e outras subjetividades do ambiente em que vive, assim como outros animais possuem sentidos como faro, audição aguçada, capacidade e enxergar no escuro, sentir a presença iminente do predador, entre outras “armas” que lhe garantem a sobrevivência. Esta capacidade sinaliza, além de integridade física, sensibilidade.

Entretanto, por circunstâncias várias, pode o homem experimentar uma espécie de “analgesia”, sob forma de indiferença e desapego a qualquer manifestação que sugira instinto vital, não importando a força que tenham as inúmeras demandas externas. Crônica ou passageira, de causa conhecida ou escondida nos meandros da complexidade fisiológica e emocional, é uma situação bastante desconfortável.

Enquanto outros animais precisam de estímulo para demonstrar atitude proativa ou reativa diante de algo, os humanos, em que pese à constatação da Psicologia de que a motivação é intrínseca, como seres racionais dão peso, valor e reagem diante de estímulos, negativos ou positivos, numa convivência pacífica entre o que ocorre internamente e os fatores externos que os propiciam.

Portanto, sentir é a situação “normal” e “saudável” para todos os seres dotados desta capacidade.

Daí minha pergunta: o que sente os que não sentem? Nunca a fiz a ninguém, mas faço-a a mim porque, ainda que às vezes nada sinta, quando acontece, algo invade minha capacidade inata de sentir: o esvaziamento incomoda. Por maior que seja o vácuo onde flutuo, a sensação é de estranhamento e o não sentir torna-se mais doloroso quando sentimentos confusos e contraditórios me invadem de forma feroz e desordenada, fazendo-me sentir quase viva e quase morta: estranha contradição.

Imagino que seja uma patologia este alheamento e falta de identificação com a realidade. Os homens são seres interativos. Ao distanciar-nos dos mecanismos que nos capacitam viver em sociedade, ensimesmando-nos e criando um mundo impenetrável e pessoal onde nos escondemos e criamos “realidades” nas quais acreditamos, tornamo-nos reféns, pela impossibilidade de compreendê-las e desconstruí-las.

Confesso que muitas vezes acho este mundo por mim “criado”, povoado de “fantasmas” e recheado de fatos que me apaziguam por me distanciarem do “real” que me incomoda, é perversamente perigoso. Atravessar seu portal não garante o retorno. Tenho medo. Olho de fora como quem vê uma porta envidraçada e teme girar a chave.

Escrevendo este texto, acho que o que sente os que não sentem é medo, muito medo. Porque, para todo mundo, o limiar entre a loucura e a sanidade é tênue. Assim como o “normal” depende do ponto de vista de quem analisa qualquer comportamento ou situação.

Sem o “sentir” perdemos o amálgama que nos liga ao Todo. Esta totalidade deve ser a eterna busca humana, pois se deixarmos escapar uma das partes que a forma, podemos nos afastar, inexoravlemente, de um importante elo da vida. Sendo assim, é inevitável integrarmos um inquieto grupo de nômades, caminhando na aridez do deserto, em que pode se transformar a vida, em busca de algo que nem conseguimos identificar o que seja

ALICE ROSSINI

sexta-feira, 30 de março de 2012

PRECISO DE UM ABRAÇO


“Dentro de um abraço” é onde a escritora Martha Medeiros acha ser o melhor lugar do mundo. Conclusão, para mim tão óbvia quanto aconchegante. A definição me pareceu clara e objetiva por motivos vários. Desde a necessidade que considero básica, de afeto e de acolhimento da grande maioria das pessoas e porque se contrapõe ao instinto, cada vez mais raro de acolher, surgindo, daí carências e vazios, dentro e fora, de cada um de nós.

Dar um abraço poderia ser, metaforicamente, comparado à doação de sangue ou qualquer ato de renúncia ou desapego de algo a favor de outra pessoa, embora, entre estes atos generosos exista uma distância prevista e programada entre doador e beneficiário.

No abraço, a conexão é imediata. Porque nele se beneficiam quem abraça e quem é abraçado e, quase sempre o carinho é, automaticamente, devolvido. Um ato mistura-se ao outro e a troca de energia amorosa transforma-se numa nuvem única de afeto e generosidade que possui a capacidade de derreter toda a rigidez que teimamos em alimentar por acharmos que não podemos, a ela, nos contrapor. Quando dois corpos se unem, alternam-se no privilégio de ser um e outro, na medida da sinergia que acontece antes, durante e depois do ato de abraçar.

Surgindo em alguém a necessidade de ser abraçado não há, necessariamente, a vontade de reconhecer que braços podem rodear seu corpo, tamanha a urgência de sentir-se aconchegado. O desejo surge da necessidade de aceitação e os braços que abraçam assumem papeis em cuja subjetividade está contida uma infinidade de sentimentos, que vão da solidariedade ao amor apaixonado.

Um abraço constrói avenidas de mão dupla, nas quais, trafegar só enche de vitalidade quem tem coragem e generosidade para transitá-las. É um ato que prescinde de palavras. O silêncio tanto o engrandece quanto o aprofunda.

Deixar que cumprisse seu ciclo sem jamais interrompê-lo, até que se esgotem desejos, vontades, anseios, carências seria, reconhecer no abraço sua necessidade de existir sem que, para ele, sejam necessárias justificativas ou motivos. Esgotado por si, tem o poder de fazer nascer a necessidade, sempre crescente e infinita, de abraçar e ser abraçado.

Um abraço além de antídoto pode ser remédio contra tristezas e depressões. Quantas guerras, chacinas, tragédias, onde a violência humana é a maior protagonista, poderiam ser evitadas se os seres humanos compreendessem a importância preventiva de um abraço? Presídios, prostíbulos, manicômios, salas de espera de consultórios, Varas de Família do Judiciário, asilos para idosos, talvez estivessem menos povoados se seus freqüentadores tivessem sido abraçados, na medida das suas carências.

A crônica da Martha Medeiros me chamou atenção não só pelas reações, que percebo, quando vejo duas pessoas, não importa a idade ou motivo aparente abraçando-se, mas também pela sensação de conforto emocional quando me sinto abraçada pelos que amo e até, quando me surpreende um abraço improvável. Um prazer que transpõe a pele e fixa-se na memória afetiva, fazendo crer que, a qualquer sinal de alerta, existe um lugar no mundo, “o melhor”, onde se podem alojar vontades, suprir carências e tratar dores.

Um pouco mais de atenção e concluiremos que todos têm cara de estar pedido um abraço.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 13 de março de 2012

¨"SÓ SEI QUE NADA SEI"


Quando o filósofo Sócrates disse esta frase, certamente, falou de si. Mal sabia, que a humanidade, milênios depois da sua morte, se não registra, cotidianamente, esta sensação, deveria citá-la todos os dias. Provocada por um simples exercício de humildade e pela constatação de uma realidade massacrante.

O homem nasce com toda sua história pessoal por ser escrita, completamente ingênuo e dependente. Dentre todos os animais, é o que mais necessita, para sobreviver, dos cuidados e proteção paterna.Como disse Walloon o ser humano é essencialmente social.. Suas primeiras referências quanto aos sentimentos e sobrevivência sustentarão suas emoções durante o resto da vida. Os que tiverem acesso às Escolas, nelas encontrarão a oportunidade de interagir com o "outro" como parte do processo de socialização e de absorção mediante as diversas formas de informação, dos registros históricos e de todo conhecimento acumulado pela humanidade.

Adolesce e, há tempos havia a geração que queria mudar o mundo já mergulhado em profundas transformações. Hoje, os apelos do consumo, a globalização, a crise de valores, dentre outras distorções, derrubam identidades culturais e tentam padronizar traços étnicos, não raro, obrigando-o a sentir-se parte de um rebanho de matizes monocromáticas e desejos pasteurizados. Segundo estes conceitos, o que o diferencia é a quantidade de riqueza que consegue acumular. Alguns, mediante o próprio trabalho, outros, mediante o trabalho alheio.


Adulto, procria e repassa aos filhos, de acordo com as circunstâncias históricas, hábitos e costumes filtrados e interpretados pela diversidade cultural e pessoal, conceitos que creem verdadeiros e éticos ou ratifica preconceitos, contra os quais nem se dá ao trabalho de questionar, ainda que o motivo seja a formação de quem se responsabilizou em colocar no mundo.

Vista desta forma simplista a vida até que seria fácil, mas a monotonia ainda mais nociva porque, paralela a esta vida que vive fora da gente, existe outra, muito mais movimentada, povoada de seres pensantes, desejantes e insatisfeitos como vulcões a ponto de entrar em erupção.

Às vezes, fico sentada em lugares públicos olhando o desfilar de seres humanos e imaginando quantos "mundos" mais complexos ou mais simples, mais atormentados ou mais apaziguados pela serenidade conquistada mediante lutas, sofrimentos, mudanças de credos, quebra de paradigmas, humilhações, autoritarismos, enfim, o mundo invisível que acontece nas nossas mentes, muito maior que imaginamos e, felizmente, embora espelhem o que somos, grande parte do que pensamos esconde-se nas entranhas do nosso inconsciente adormecido, procurando uma brecha para, como vulcão, expelir suas larvas.

Quantas tragédias ou quantos milagres poderiam ser testemunhados!

Daí a pertinência atual da frase do filósofo que disse nada saber. Não raro nos surpreendemos com nossas próprias reações, porque pouco nos enxergamos e ainda usamos todos os mecanismos que dispõem nossas mentes, para vivermos entrincheirados, fugindo de nós mesmos. Se transparentes nos dispuséssemos a sê-lo, inclusive diante do "outro",como seriam nossas vidas?

Fizeram-nos crer que temos livre arbítrio. Contra ou a favor da liberdade a luta humana nunca cessou. Por isto questiono a qualidade desta prerrogativa de ser absoluta. Vivemos em sociedade, portanto, o livre arbítrio sofre os limites do livre arbítrio dos outros habitantes do planeta. Como tudo na vida, nossa liberdade é relativa, regulamentada por leis e limitada por hábitos e costumes que, se infringidos, por mais inocentes e inofensivos que sejam teem que passar pelo crivo ou sofrer penalidades dos agrupamentos sociais onde estamos inseridos.

Não bastassem estes conflitos, buscas e insatisfações, somos seres curiosos, vivemos num mundo de conceitos e teorias que sofrem da nossa compulsão de demonstrá-las ou desconstuí-las.

Pois bem, ainda existe aquela célebre pergunta “quem somos - de onde viemos e para onde vamos” atribuída ao pintor Paul Gauguin que concebeu uma obra de arte onde tentou responder a estes questionamentos.

Acho que não somos nada, apenas um dos seres que habitam a Terra, até possíveis descobertas de seres mais evoluídos em outras galáxias, com formas de pensar até mais complexas e providas de raciocínios mais avançados. Viemos, até prova em contrário, para onde voltaremos.

Como o filósofo, "só sei que nada sei”. Nada além das nossas fraquezas, das nossas covardias e submissões a regras que discordamos, a surpresas com nossos semelhantes que não compreendem nem a si e, muito menos, quão justas podem ser nossas intenções.

A procura pelo autoconhecimento deveria deixar de ser uma meta que se esgotasse em si mesma. Por sermos mutantes, é parcial. Deveríamos sim, encontrar o que, de tão rígido parece mais forte que nós, represando nossos "entulhos". Assim, sem medo de nos esvaziar, criamos clareiras onde seriam construídos outros edifícios formados de crenças e conceitos, talvez mais flexíveis e mais permeáveis, já que a vida é um eterno reinventar de sonhos e objetivos.

Se perdermos esta prerrogativa, perdemos a vontade de continuar.


ALICE ROSSINI

quinta-feira, 1 de março de 2012

VIDA QUE SEGUE


Se meu filho vai ser pai, logo, serei avó! Esta frase tão lógica quanto mágica que ora escrevo, provocou, em mim, um turbilhão de emoções que até agora não sei como descrevê-las. Demorei algum tempo para entender o encadeamento tão óbvio quanto sonhado e o processo ainda não terminou.

Sinto como se meu papel de mãe se completasse através da continuidade e dos diversos sentidos que esta criança já criou, tanto na minha vida, quanto na vida das nossas famílias e, principalmente, quanto à direção da sua relação com um mundo premente de mudanças e tão necessitado de tudo que fuja ao que, antiético, nos atinge e nos avilta.

Espero desta pessoa em formação uma relação positiva, saudável e transformadora com a humanidade que a cerca. Comecei a sonhar e a cultivar esperanças.

Quando imagino que um neto leva à completude do papel de mãe não quero colocar-me como centro deste contexto tão mágico quanto natural. Quero, sim, enaltecer a sucessão de eventos que ocorrem na vida de qualquer ser humano que decide gerar, gestar e formar uma pessoa. Estes eventos que perpetuam a vida neste pequeno planeta perdido no universo levam-me à reflexão da quão complexa e tão necessária é a aceitação incondicional, em qualquer relacionamento.

Assim sendo, não posso deixar de recordar-me que esperei o pai desta criança embalada por este conceito. Foi amado logo que desejado e durante sua gestação, quando a Ciência ainda nada antecipava quanto ao seu rosto, suas dimensões, o formato das suas mãozinhas, a cor dos seus olhos, a profundidade e vivacidade do seu olhar ou a evolução do seu peso. Estas e outras interrogações formavam um enorme e maravilhoso mistério quando a vida nos impunha a espera, como todas, impacientes.

Quem decide forjar uma pessoa assume um compromisso com o imprevisto, com a aceitação acima de qualquer conceito de estética ou normalidade que obedeçam, apenas, aos estreitos, mutáveis, relativos e individuais parâmetros definidos pelo homem. Comprometidos com uma aceitação ética com o que a vida colocará em nossos braços e nos responsabilizará, objetiva e emocionalmente, indiferentes às polaridades entre bom ou ruim, preto ou branco, certo ou errado. Começa a temporada de "amor acima de tudo”, mas também, “amor apaixonado e racional”, “amor louco e lúcido”, amor capaz de abstrair o mundo e colocar a pessoa no centro de nossas vidas, decisões, vontades,, necessidades que se tornam relativas e renúncias, indolores. É chegada a hora de repensar o que é essencial.

O pedaço de mim que ora se desdobra, nasceu num domingo ensolarado e tingido de anil, rompendo o silêncio invisível e cerimonioso, carregado das promessas que precedem a eclosão da vida. Um choro forte que demonstrava uma enorme ansiedade pelo existir. Confesso que, naqueles momentos infinitos, minha ingenuidade juvenil traçou, com arrogante ignorância, a trajetória daquela criaturinha que somente naquele instante, descobria-se das formas que habitavam meu imaginário.

Hoje sei quanto importantes e necessários os momentos positivos, como são as negociações com os imprevistos para que os sonhos tenham a força de burilar, de esculpir e construir um Ser Humano capaz de ser fonte que sacie as necessidades do mundo que acolhe mas impõe condições, de ser o equilíbrio se qualquer instabilidade o exigir, de sonhar e ter fé onde houver ausência de esperança.

Aos poucos, a gravidez de Aninha vai se tornando mais uma incontestável manifestação da vida. Consciente da dimensão do compromisso assumido, lamento pelos que não aproveitam a mais contundente, libertária e generosa oportunidade de crescimento e transformação que a vida pode oferecer à qualquer animal, de qualquer espécie. Porque nos “obriga” a ser humildes, tolerantes, pacientes, tranquilos, perspicazes, firmes, carinhosos, saber sair, sem amargura, das inevitáveis armadilhas das expectativas, saber que a vida é carregada de surpresas, boas e ruins, entre milhares de outras lições que eles - filho e nora - de agora em diante, terão um “parceirinho” que, usando a pedagogia, o amor, a inocência e a compreensão, aprenderão juntos. Sim, porque se cada pai é um pai, desculpem o clichê, mas gente não vem com Manual de Instrução. Não somos iguais, nem física nem emocionalmente, um só dia das nossas vidas.

Há que haver muita intuição, muita capacidade de improvisar e relativizar as verdades para o ato da criação. A “over dose” do ingrediente emoção nos obriga a criar filhos fugindo dos manuais de Psicologia e, inseridos numa sociedade que clama por vida mas a desrespeita, é formada sobre conceitos, embora alimente preconceitos, assim como engessa e apequena o que venha a ser felicidade de cada um.

Menina ou menino, a irrelevância destas preferências sucumbe diante da necessidade de desejar uma personalidade permeável às mudanças benéficas que a humanidade, inexoravelmente caminhará, mas tão flexível e crítica quanto aos sentidos das mudanças que temos que conviver a cada segundo das nossas existências.

Sei o quanto é difícil e doloroso. Mas é o preço que o pagamos para, além de existir, sermos reconhecidos pelos que amamos e, ratificados por nós mesmos.

ALICE ROSSINI

sábado, 18 de fevereiro de 2012

EDITORIAL, ANO IV

Sempre reflito sobre as dicotomias, sobre os opostos, mas nesta data, 18 de fevereiro, eu me aproximo mais destes temas: o bem e o mal, o ganho e a perda, a claridade e a escuridão. Assim me reencontro com a linha da vida que se curva diante da possibilidade do nascimento e da certeza da morte. Sei que os dois momentos guardam-se, simultaneamente, um no ventre do outro e formam este enigma que chamamos existência.

Tanto o Verso&Reverso quanto Kilma, sua Musa inspiradora, o primeiro por existir virtualmente e a segunda por ter deixado de existir fisicamente, completam, respectivamente, quatro e oito anos. Enquanto o primeiro possa morrer por falta de palavras, a segunda continua viva por excesso de lembranças. Porque a quem vive, cabe o ônus da luta pela sobrevivência e quem morre cabe o bônus de cristalizar-se nos seus melhores momentos, principalmente quando eles foram a tônica do seu existir.

O Verso&Reverso contém nas suas páginas virtuais tristezas, alegrias, angustias, registros de solidão, de vida e morte, assim como Kilma continua a viver em nós, tal qual um mosaico de contradições que compunha sua personalidade alegre, generosa, determinada, ingênua, mas mesclada de inseguranças, incertezas, medos e ansiedades. Tudo isto ungido por muita vontade de viver. Viver apesar de tudo, viver de qualquer jeito, a qualquer custo e de qualquer forma. Mal sabia que logo atingiria o humano desejo da eternidade, na vida de todos que a amavam de diversas formas, de todos os jeitos, em todas as horas, através de sorrisos eternizados em centenas de fotos, nas transparências fragmentadas das taças que suas mãos inquietas derrubavam, fazendo escorrer a liquidez vermelha do vinho que combinava com sua boca e suas unhas sempre impecáveis. Infelizmente, sua sempre esperada presença foi interrompida por uma ausência inesperada e devastadora.

Como para sua editora, a existência deste Blog alimenta-se e confunde-se com o vazio provocado pela inexistência de Kilma, suas pretensões, embora humildes, guardam a grandiosidade de homenagear os sentimentos, sensações e opiniões aqui expostas, reiterando a preservação de valores como a liberdade de expressão, o repudio a qualquer tipo de preconceito e o respeito à diversidade dos seus leitores.

Assim como Kilma sempre viverá nas mais alegres e confortáveis lembranças que nossa saudade jamais esquecerá, que a este Blog nunca faltem palavras transformadoras e uma criatividade construtiva na vida de todos que o leem. Este ano, mais que nunca consciente de que jamais conseguirei esgotar quem foi Kilma e o que sempre representará na vida de cada pessoa que a conheceu, este Blog homenageia ela, seus colaboradores e seus leitores com a magia de um poema de Carlos Drummond de Andrade:

AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.