quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

¨O QUE TEMOS FEITO DE NÓS?¨

O ano está acabando e a condição do ser humano permanece igual. Gente matando gente com a mesma crueldade e indiferença que desmata florestas e sacrifica animais. Pior! Gente se matando de todas as formas, não só física como emocionalmente. Desconhecem princípios, negam vontades, desistem de sonhos, abdicam de si abrindo mão de lutar pelo que jamais deveria ser suprimido, a liberdade de pensar, declarar e agir. Há quem ache normal e contribua para isto. Há quem arrebente as correntes, derrube as grades e bote a boca no mundo. Mas há uma grande parte que se acomoda e, embora pense, cala-se e imobiliza-se.
Diante disto não sei ser original nem escrever algo novo. Entretanto, este exilio de si mesmo já foi denunciado e por uma mulher, CLARICE LISPECTOR.
Um amigo querido, o Psicólogo Ricardo Barreto, sempre generoso e, muito mais que eu, conhecedor e admirador da obra de CLARICE, resolve compartilhar as suas e as nossas inquietações, que o gênio da escritora, pergunta-se e pergunta-nos, num fragmento do seu pensar: “o que temos feito de nós?”

“Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós constuímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primário de nós que por amor diga : tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tanto outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo "e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."


Clarice Lispector ( Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, pg. 47/48 )

sábado, 10 de dezembro de 2011

ENLAMAÇADA

Meu corpo tombou de vez naquela noite chuvosa. Cai com tudo na lama, agora ainda mais nojenta. Não ousei levantar, talvez por estar cansada depois do dia de sofrimentos, mas, principalmente, por compreender que ali era o meu lugar. Encharcada pela água que Deus não quer mais e coberta pela lama que as minhocas defecaram. Nada continha minhas lágrimas, que se misturavam àquele conjunto de resíduos que o mundo descartou e chamou de chão.

Eu era fraca. Fraca, mentirosa e vagabunda. Sabia disso, admitia com a mesma facilidade que uma criança se encanta por um brinquedo novo. Mas isso não diminuía a dor de ver tantos outros me exporem de tal forma. Mas será que eu merecia tanto egoísmo? Será que alguém como eu podia não querer que outros me xingassem e privar os maldizeres apenas para mim? Seria pedir demais um mínimo de privacidade? Meu corpo era público, minha dor era pública, será que um lixo como eu merecia o luxo do anonimato?

A vergonha me lascava a garganta. Fazia arder feito fogo o canal por onde gostaria de expressar ao mundo o que sinto. Que inveja tenho daqueles que tem a garganta livre. Que inveja tenho dos que podem gritar ao vento o pranto de seus corações, a alegria de suas almas...Sem que seja amordaçadas por tal gesto. Que inveja de quem consegue abrir a boca sem comer lama.

Nojo. Que nojo tenho de mim por tanta inveja.
Mas encontro na inveja um refúgio. Uma forma irreal de fugir para onde sempre quis estar... Para onde o mundo me disse “não” antes mesmo de eu conseguir perguntar. Que culpa tenho se já me foi negado tudo antes que eu aprendesse a falar? Como podem dizer “não” a quem não faz idéia de como formular uma pergunta?

Invejo. Invejo com todo o orgulho, ou, pelo menos, com o restinho que me deixaram nutrir. Invejo aqueles que tiveram a sorte que me foi expropriada.

Deixo germinar em meu peito. Sei que é uma droga, sei que me trará desgraça a longo prazo. Mas que mais posso fazer? O que é um pingo para quem se encontra enlamaçada?

Me fazia bem para a alma ter essa vaidade. Me sentia igual à tantas outras hipócritas...

Ô vidinha miserável... É tão fácil colocar a culpa em você, mas me dizem que a vida sou eu quem faço. Que a vida não é um garoto piolhento que fica cutucando a gente com um graveto ou pondo uma lupa sob um formiga em dia de sol. Que se existe esse garoto, fui eu que o crei. Mas que outro destino a vida me ofertou além de um errante rumo por entre desilusões?

A vida sou em quem faço? Provavelmente quem escreveu tamanha besteira estava numa poltrona macia. Deliciando-se com uma refeição fina, desfrutando do conforto de um lar. Nunca me foi dada a opção de viver com queria. Simplesmente me cuspiram nesse mundo sem um tostão no bolso (quem me dera possuir uma roupa para ter um bolso) e ainda me dizem “se vive assim, a culpa é sua”. Depois de ouvir essa, não dá para suportar.

Se vive assim, a culpa é sua... O ódio me sobe à garganta com uma velocidade imensurável, desgovernado, sem nada que pareça ser capaz de interromper tal ira. Mas, sim, existe. A raiva é acorrentada em minha língua. Incapaz de ver a luz do dia. Nem o luxo da expressão me foi dado. Democracia tola.

A chuva voltou a cair. Mais forte do que nunca. Cada gota era como uma bala metralhando o meu corpo. Cada gota era um pecado... um crime. Um crime que me parecia perfeito. Cada gota abria um buraco em minha pele. Fazia expor a carne viva, assim como meus pecados. A essa hora, eu era uma massa disforme de lama, gravetos e folhas. A pele descascava, o sangue escorria, os ossos à mostra... Mas que mal fariam mais algumas gotas de chuva para quem já estava encharcada.

RAFAEL NEVES – ESTUDANTE 17 ANOS

domingo, 4 de dezembro de 2011

MORRE O SÓCRATES DO FUTEBOL

Hoje, cinco de dezembro morreu Sócrates. Era chamado de Doutor. Mais por ser um jogador diferenciado que por ser médico. Conciliou as duas atividades, jogava e estudava medicina. Concluiu o curso pela USP.

Sua inteligência e vontade que permitiam a dupla atuação tornaram-no conhecido. Usava-as nos gramados e, segundo especialistas, sua marca mais evidente era fugir completamente da lógica que os caminhos das táticas e técnicas que o futebol reconhecia como "normais".

Pessoalmente, acho que era especialista mesmo no esporte do povo, pois, o que seria apenas um “hobie” transformou-se no centro de sua vida. Fez parte, ainda segundo entendidos, da melhor seleção brasileira da história, a de 1982. Não levou o título e tirou-lhe a justa oportunidade de erguer a taça do titulo do Campeão do Mundo, para que milhões de brasileiros enlouquecessem de alegria.

Sua inteligência não o resumia tão somente a um atleta nem o fez dedicar-se, exclusivamente, a ser professor na Universidade. Engajou-se no que, na sua época, era um dos clamores do seu povo, a aprovação da emenda Dante de Oliveira que legalizaria as eleições diretas no Brasil. A não aprovação tangeu Dr. Sócrates para a Itália, onde jogou pouco tempo na Fiorentina, logo retornando ao país onde nasceu.

Poderia consultar o Google ou perguntar à alguém e logo saberia detalhes da sua vida, entre eles, quando começou a beber, vício que hoje nos faz chorar sua morte. Mas, nada nem ninguém saberia responder-me. Só ele sabia. Certamente, vão fazer milhares de inferências. Não saber lidar com o ostracismo, não ter exercido a medicina, sonho que postergou para mais tarde ou qualquer amargura ou frustração pessoal.

Este motivo morreu com ele. “Achar” agora de nada adianta, embora as pessoas insistam nesta “prazerosa” e irresponsável atividade de ter uma “opinião formada sobre tudo”. A verdade é que a bebida destruiu seu figado e hoje, Dr. Sócrates passou para outra dimensão. Vai estar melhor que aqui? Também jamais saberemos, pelo menos, enquanto aqui estivermos. Se existe alguma existência depois desta também não sei, por que, para mim, a resposta é velada pelas névoas das dúvidas. Haverá algum motivo que ainda não devemos entender.

O perfil psicológico de Dr. Sócrates passava longe de uma personalidade suicida. Lutou para viver, fazia jus ao nome do filósofo grego pela sua personalidade reflexiva, nunca se absteve de participar da vida e difundir seus princìpios, entre eles, a paixão pela Democracia, embora o sofrimento, na minha percepção, pairasse como uma sombra sobre sua face. Teria sido vítima da sua inteligência, do inconformismo de como enxergava a vida, fazendo tudo diferente do que esperavam? Minha impressão também passava longe das marcas, efeito que a bebida provocou no seu corpo que poderia, se bem tratado, possuir a imunidade dos atletas. O vício como qualquer um era apenas a consequência. Os motivos que o levaram a beber até chegar aonde chegou,levou com ele.

Jamais alguém poderá nem deverá “achar” nada.


ALICE ROSSINI

sábado, 5 de novembro de 2011

Às vezes, penso

Às vezes, penso que não sou desse país.
Mas que nação seria a minha portanto? Lugar tão utópico logo viraria terra prometida, privatizada, comercializada.
Não, penso que não sou desse planeta.

E neste vasto universo, há de haver um planeta onde me sinta em casa. Há de existir um lugar onde o meu corpo possa ser mero guardador de um espírito infinito e não artigo de compra.

Às vezes, penso que não sou desse plano.
Sou um fragmento ambulante de uma dimensão além do que vejo. Um fragmento mínimo se comparado ao todo, mas, ainda assim, complexo demais para este mundo concreto. E, trancafiado por azar numa casca metamórfica que me mandam prezar mais do que tudo, respiro, me alimento, durmo. Me dizem que respirar é sinônimo de viver. Me falam que só de pé ficarei se comer. Me falam que dormir é um atraso.

Às vezes, penso no tanto de coisas que me vêm à cabeça quando durmo.
Será que outros também perdem toda essa festa interior? Ou será que realmente ficam agendando a hora de acordar para voltar à labuta?
Ando pelas ruas. Tudo é matéria.
Oca.
Auto-interpretativa.
Rasa.
Inerte.
Contada com tão poucas cores.
Conformada com tamanha simplicidade.

Habitada por seres auto-intitulados da forma como preferirem. E por um simples motivo: têm um idioma próprio. Podem dizer que são a espécie dominante e se gabar de que nenhuma outra contestou a condecoração, mas que formiga contestaria algo dito num linguajar que desconhecem? E se rinocerontes e lesmas também se vangloriassem como donos do planeta? Algum humano já parou para pensar no que elas dizem entre si?

Às vezes penso em como podem ser tão cegos.
Às vezes penso que não têm nada mais para ver.
Todos andam. Todos falam. Todos vivem
Mas nenhum deles vai a lugar nenhum além do que seus despertadores ordenam.
Ninguém diz nada que já não tenham dito antes.
Mas nenhum se preocupa em deixar uma marca no mundo que não seja a herança para os filhos.

Seria eu um Deus? O único capaz de ver além do visto, de ouvir além do dito e de sentir além do mundo.
Ou seria eu um louco? Como tantos outros que se perderam nesse mundo como eu.
Seria a massa assim tão cruel? Capaz de tamanho desperdício?
Às vezes penso que não sou desse grupo.
Ando com tortos, mudos e ocos. Cuja casca é conteúdo e embalagem. Todos iguais, feitos em série. As diferenças entre eles são o que chamam defeitos de fabricação.
Então seria eu um defeituoso? Que merece a lixeira por não andar em fila? Engaiolado no receptáculo que me limita? Corpo modelado, mente obrigatoriamente focada no que me dá lucro. Sentado em uma cadeira de uma fábrica de fazer humanos. Olhos no retângulo branco repleto de símbolos em preto ou azul. Copie rápido antes que apaguem!

Espero a hora de ser pego pelo controle de qualidade.
A multidão é meu refúgio. E meu nojo.
Às vezes penso que meu destino é sofrer.
Amo de tal forma que é pedir demais uma reciprocidade à altura. Tenho dó dos que amam pouco e, por isso, não têm nada, mas sofro mais por quem ama tanto que não há quem compreenda tão lindo gesto.

Às vezes penso que meus sentimentos me traem.
Num mundo onde estes são vendidos, descartáveis e ocos, é duro ser leal aos que artesono. Como enfrento aqueles que jogam sentimentos no ventilador? Como enfrentar aqueles que não são capazes de sentir, se um mero desequilibrio emocional me é uma desgraça? Sou um soldado nu perto de um exército de armadurados. Mas disso brota o meu orgulho.

Orgulho de receber no peito a dor de uma paixão fracassada, de uma lição amargurada, de uma verdade mal contada. Por mais sofrida e pungente que seja.
Por mais nojento que seja aqui viver.
Por mais distoante que me seja suportar.
É essa dor que me mostra o quão sortudo sou.
Por ser capaz de alcançar um outro plano.
Por ser capaz de pôr no papel mais do que a hipocrisia de uma redação.

Rafael Neves, 17 anos

domingo, 9 de outubro de 2011

SER BOBO, FAMINTO E SIMPLES

Confesso que esta semana foi tão difícil quanto educativa para mim. Constatei, mais uma vez, meu alheamento teimoso quanto a alguns aspectos do lado bom da modernidade. Minha dificuldade não tem raízes na falta de humildade para reconhecer erros, mas nos preconceitos e medos de quebrar paradigmas que me fizeram concluir como, muitas vezes, faço mal uso de algo muito precioso e fugaz - o tempo.

Enquanto toda a mídia do planeta consternava-se com a perda irreparável de Steve Jobs eu me perguntava, perplexa, quem era ele. Meu marido respondeu-me que era o presidente da APPLE, uma das mais vitoriosas e inovadoras empresas do mundo.

Qualquer criança, a grande maioria, já tem intimidade com um computador, poderia conhecê-lo. Concluí, ao mesmo tempo que ainda estava na “Era Analógica”, que as invenções e inovações desta empresa, gestadas do cérebro privilegiado deste homem, mudaram nossa forma de nos colocarmos diante da vida, quebrando a anacrônica e falsamente “romântica”, mas verdadeiramente ultrapassada idéia, que a máquina substitui e desprotege o homem.

Depois de conhecê-lo melhor, claro que me debrucei sobre sua biografia. Descobri que absorvemos muito pouco da sua insana, quanto divina inquietação, apenas as facilidades geniais das máquinas que inventou. Ele foi mais que um Macintosh, um I PFONE, POD ou PED. Ah, descobri também que o “I” que precede qualquer das suas máquinas era a inicial da palavra “Inovation”. Achei a idéia, além de muito boa, justa.

Jobs foi um ser humano da melhor qualidade que, além de inventar e fabricar máquinas, dava-lhes sua verdadeira dimensão por sabê-las substituíveis a um provável e inevitável “insight” da sua luminosa mente.

Mais que um inovador Jobs foi um filósofo, no momento em que a humanidade suplicava por mudanças, pregando o que todos sabemos, por ser óbvio, que a vida humana é efêmera. Por isto falava da morte com a mesma intimidade e naturalidade dos iluminados, já que ela estava mais próxima do seu horizonte do que gostaria: "Há que haver renovação, o velho tem que dar lugar ao novo".

O tempo que viveu na Índia transformou-o num budista, mostrando-nos que para sê-lo não precisa esconder-se da vida, raspar a cabeça e usar túnica ocre. Foi budista no mundo das máquinas, presidindo empresas, mas sem perder sua dimensão humana, sua consciência da transitoriedade de tudo, a humildade e simplicidade, o mais importante preceito do Budismo. Simples assim!

Confesso que, além do medo, escrevo este texto consciente da nossa capacidade de nos apequenar, já que podemos viver desconhecendo nosso verdadeiro tamanho, achando-nos maiores ou menores do que somos. Que podemos estar no mais fundo do poço de qualquer das nossas inúmeras e passageiras angústias, como podemos brilhar tal qual uma estrela, se “seguirmos nossos corações”.

Eu que mal sei ligar um laptop, que associava a robótica apenas a Bill Gates e às minhas dificuldades, embora soubesse que existia uma linha de pensamento e uma intenção por trás das ferramentas da modernidade, inclusive e principalmente, das que vêm para o bem estar do homem, não imaginava quão profunda e simples elas podem ser.

Só o fato de ter a morte como companheira que pode ceifar-nos a qualquer momento, enxergá-la como a mais “importante ferramenta” para nos aproximar da vida, “deixando nosso coração nos comandar”, deveríamos nos tornar indiferentes aos ruídos dos julgamentos alheios porque nós somos, embora agrupados, seres solitários. São nossos olhos que encaramos a cada manhã nos espelhos que teimam em continuar a nos perscrutar e, jamais, como eu, ficar constrangidos por ter deixado o tempo passar sem, pelo menos, saber quem foi e como pensava Steve Jobs. Tão pouco se julgar ignorante por ter tanto a aprender ou medíocre por tantas vezes ser óbvio.

A poetisa brasileira, Adélia do Prado escreveu ao completar quarenta anos, algo que ratifica o que Jobs passou para a turma da Universidade de Stanford, da qual foi paraninfo, a “verdade” que acreditava e que vivenciou sua vida inteira: Sugeriu ele que, além de não se importarem de serem bobos, que continuassem famintos.

Da mente igualmente privilegiada da brasileira brotou :“Da vida, não quero a faca nem o queijo, quero a fome”

ALICE ROSSINI
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terça-feira, 27 de setembro de 2011

¨Antes só que mal acompanhada¨

Existe um “consenso” que todos querem ter um companheiro e com ele formar uma família. Principalmente entre mulheres.

Pessoalmente, sou um exemplo vivo dele. Sempre estive acompanhada, portanto, tudo que estiver escrito neste texto sobre “não estar com um companheiro” é fruto das observações que faço, no meu cotidiano, sobre os surpreendentes caminhos que o mundo está percorrendo.

Convivo com mulheres de várias faixas etárias e de todas as classes sociais. Como sou comunicativa e atenta para onde sinalizam, tenho percebido uma mudança nos conteúdos do “querer estar com alguém”. Percebo, em grande parte, das que estão acompanhadas, uma enorme insatisfação e nas que não têm um namorado ou marido, uma crescente preocupação com a própria capacitação profissional e sua inserção no mercado de trabalho. É evidente o desejo de que a profissionalização seja uma fonte de prazer e realização pessoal, antes de qualquer anseio de relacionar-se, de forma estável, com alguém. Esta nova realidade favorece a emancipação financeira, que permite e facilita este movimento de “desgrudar-se” da figura masculina.

Outros fatores, como a quebra de tabus que engessam costumes, a ruptura de regras que os desvirtuam e fazem da mulher uma refém da imagem que projeta nos vários ambientes onde interage - família, amigos, trabalho, espaços de lazer, entre outros, resultaram no recrudescimento do nível de exigência feminino.

Até a maternidade, instinto atávico, cultuado ao longo dos tempos pela esmagadora maioria das sociedades, tem sido postergado enquanto a mulher não cumpra algumas missões que ache importantes e um filho poderia impedir. Não raro, somente depois dos trinta anos acha-se preparada para ser mãe.

Hoje, ela exige muito mais daquele que venha a ser seu companheiro. Não mais que assuma o papel de provedor, pagando suas despesas e dos filhos. Segundo levantamentos recentes do IBGE, o percentual de mulheres, chefes de família, vem aumentando a cada censo, ocupando espaços em áreas, antes monopólio masculino.

Mais segura da sua autonomia, deseja companheiros que as acompanhem nas suas reflexões existenciais, no refinamento cultural, que demonstrem interesse pelas suas atividades, já que as consideram relevantes e importantes socialmente e que tenham um nível de aspiração compatível com o dela.

Atualmente, para aceitar alguém para relacionar-se há que haver uma sintonia, que facilite e torne a união algo que some, que acrescente, facilitando o crescimento do casal e que não exija muitos sacrifícios e renúncias. Sabemos o quanto é difícil e pessoal encontrar uma situação que seja tão confortável quanto igualitária. Por mais que ainda sofra absurdos preconceitos, hoje a mulher sabe que possui os mesmos direitos do homem, independente do reconhecimento do que deles as diferem.

Ouso dizer que, diferentemente do homem, aceita mais serenamente as tais “diferenças” e, do ponto de vista biológico, é isto que a atrai os sexos. Quanto ao homem, esta “diferença” o incomoda a ponto de criar conflitos e inviabilizar relacionamentos.

No momento em que as relações homoafetivas estão legalmente aceitas e a sociedade mobiliza-se para torná-las cada vez mais naturais, não vejo porque obrigar-nos a conviver com o que há de diverso entre os gêneros, já que conquistamos a liberdade de conviver com iguais.

Mas, o ser humano busca o desafio. A diversidade ao tempo que o incomoda, instiga a curiosidade pelos mistérios da vida. Embora nem todas tenham coragem ou condições objetivas para assumir suas verdadeiras vontades, torna-se mais fácil perpetuar milênios de opressão sobre quem se acha e é visto como frágil, numa sociedade que condicionou-se a só valorizar o que é conquistado com sacrifícios e sofrimentos, o que questiono veementemente: rimar amor com dor.

Não estou pregando a acomodação e a falta de comprometimento emocional na busca do objetivo de “estar com”. Mas, por que não buscarmos o que é fácil? Por que não procuramos percorrer caminhos mais amenos para a satisfação e o prazer? Reivindico a leveza.

Com a dissociação entre sexo e amor hoje, tenho chance de conhecer mulheres jovens e maduras, bonitas ou não, bem sucedidas profissionalmente ou que ainda lutam por isto, que dizem sentirem-se felizes com aventuras esporádicas e encontros casuais, contanto que sua paz e autonomia cotidianas sejam asseguradas. Assim como reconheço que haverá sempre as que dariam a vida por um marido, por uma mesa repleta de filhos, como sempre existirão as insatisfeitas e frustradas, que mantém relacionamentos doentios onde se submetem a toda espécie de humilhações que, não raro, culminam com agressões físicas, psicológicas, até a morte.

Há que se buscar o equilíbrio, não capitulando nas primeiras dificuldades nem insistindo se elas teimam em persistir.

Esta nova mulher tem deixado o homem de “orelha em pé” já que sempre foi o arauto da liberdade, especialmente a sexual. Como nada neste mundo é estático, os tempos também transformaram a compreensão da existência e do papel do afeto no bem estar masculino, libertando-o do peso de sempre ser forte, ainda que se sinta frágil, de ser pragmático quando precisa render-se à subjetividade, ser simplório quando sua condição humana faz dele um ser complexo.

Portanto, é hora de reflexões e coragem para considerar possibilidades de mudanças. Mulheres e homens precisam de afeto, carinho e referências. Não é à toa que consultórios psiquiátricos estão lotados de seres deprimidos e atormentados.

Aviso aos “navegantes”: as mulheres, sem generalizações, principalmente as mais amadurecidas e libertas de idealizações “românticas", de tanto desencantos, tentativas e erros, estão em franco processo de transformação e com comportamentos, cada vez mais evidentes, que sozinhas vão “muito bem, obrigada”.

ALICE ROSSINI

sábado, 10 de setembro de 2011

AMADURECIMENTO

É invisível, porém doloroso, o penetrar da flecha. Mas pior ainda se faz a tentativa abrupta de retirar a flecha há tanto tempo em mim alojada. O puxão fora forte, levara consigo a flecha irmã, mas não o bastante para retirar a minha. Sozinha eu meu peito e incapaz de respirar sem a existência mútua de sua gêmea, só lhe resta o apodrecimento. Fenômeno que iguala até mesmo a mais impecável das princesas a um indigente qualquer. Da mesma forma que doces finos entram pela boca para se verem fétidos numa latrina suja.

Mas a decomposição não degenera a flecha, antes tão viva, sozinha. Esta atrai outros males para terminar o sujo serviço, que vão se espalhando pelo corpo e deteriorando o que sobrou de meu espírito. O que antes fora uma paixão louca e inconseqüente, fulminante e despretensiosa, é reduzida a um resquício de dignidade engolido pela mágoa. Soterrado pela vontade de que tudo não passe de um sonho, entregue ao desejo de que a ilusão não caia em desilusão.

O punho soca o chão, segurando entre os dedos o pingente que guarda tantas recordações. A pele se desprende do corpo habitado por uma alma em desequilibro. Cada pancada de arrependimento no solo duro reverbera sobre receptáculo de um coração despedaçado. Embora a vontade seja de destruir o tal pingente, os dedos estão fechados. O impacto é absorvido pela pele, que já fora prova viva de uma alma harmônica, mas que agora desaba sobre si própria a cada soco.
Transpassada pelas agulhas do sofrimento, a alma se encolhe. Procura entre os cantos do ser um refúgio, mal sabendo que encontra-se em um espaço circular. Não há para onde fugir, não há lugar que consiga esconder um espírito de tamanha extravagância. Só lhe resta a dor de cada corte, de cada perfurada, de cada ferida exposta ao mundo.
Humilhada. Sem nada que lhe dê o mínimo de esperança de um solavanco. Negada a qualquer mínima crença numa nova oportunidade. Lançada em um ciclo vicioso de dor e auto-tortura.

Lágrimas escorrem desgovernadas pelo rosto. Encharcando a cara, fazendo tropeçarem soluços, diluindo tudo de bom que a vida um dia ofertou num solvente capaz de corroer as mais finas alegrias. Em contrapartida, o fluído realça a dor, engrandece as mágoas e rejuvenesce antigos traumas. Faz arder como chama viva tudo o que um dia foi chamado de passado.

Lavada interminantemente por sucessivos prantos, uma nova retina se forma. Treinada para abstrair o menor sinal de alegria. Preparada para filtrar qualquer indício de hipocrisia, adestrada para ver nos outros interesses efêmeros. Incapaz de distinguir qualquer outra cor do cinza. Adaptada para um mundo de um sofrimento agourento que o destino prepara para o meu pobre ser.

Só me resta aquele pranto interminável e impensado, violento demais para ser freado e cego demais para não atropelar qualquer sentimento antagônico que ouse florescer. Um rolo compressor que reduz a fragmentos bidimensionais um sentimento que, se tivesse oportunidade de se desenvolver, seria impossível de se mensurar por medições tão lineares quanto as humanas. E de igual complexidade é seu executor.

Óh, como é duro o amadurecimento.


RAFAEL NEVES = Estudante 17 anos

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

SONHE......¨

Todo mundo tem um sonho que começa com um desejo. Não estou falando dos sonhos sonhados enquanto dormimos, embora eles possam refletir tanto nossos anseios, como nossas aversões. Freud já estudou, exaustivamente, este assunto e não pretendo adentrá-lo pelo viés da ciência. Primeiro porque foge à minha proposta, segundo por ser um capítulo muito complexo da psicanálise, sobre o qual me considero totalmente despreparada para qualquer comentario, por mais casual que o faça.

Refiro-me aos sonhos que também costumamos chamar de devaneios, fantasias, vontades que escondemos por motivos varios. Por não podermos realizá-los, por dependerem de outrem, por considerarmos proibidos, enfim, são muitas as razões que encontramos para nos boicotar, ficar na "mesmice" de todos os dias, por considerá-los perigosos, inconvenientes ou, até, por nos desconsiderar.

Muito poucas pessoas têm a coragem de expor seus sonhos mais íntimos. Na maioria das vezes tendem a revelar sonhos altruístas, de caráter social e humanitário. Há os que assim sonham, mas estes são facilmente identificáveis. Na cartilha do politicamente correto é egoísmo ter sonhos pessoais e se os tivermos, têm que ter um caráter divino, grandioso, compartilhado. Nada individual, nada carnal, nada profano, nada excludente.

Outro dia perguntei a alguém, com muitos sonhos, fantasias ou desejos já realizados, saudável, estável financeiramente, livre para fazer o que quer e, se não o faz, deve pesar prós e contras desta "satisfação" e conclui que a renúncia lhe fará mais "feliz" e a resposta à minha casual pergunta, pasmem, foi “esperar a morte chegar”. Fiquei chocada! Na minha percepção esta criatura se revelou egoísta e insaciável, demonstrando sua mais rasteira humanidade para quem a vida foi tão generosa, se sentir tão insatisfeita à ponto de, ainda muito jovem, já tão amarga. Ressalvo que conceitos de realização, plenitude, e felicidade são individuais. Cada pessoa os encara ao seu modo.

Faço uma diferença, muito pessoal, entre sonhos e fantasias. Não semântica, claro, mas de conteúdo. Os sonhos transcendem a realidade e são infinitos. Já as fantasias, são quase todas factíveis, limitadas tanto na profundidade quanto nas expectativas que geram e na satisfação que produzem. Acredito que estejam alguns degraus abaixo dos que acolhem os sonhos, esperando que sejam promovidas para o realizável, que levam qualquer alguém a sentir-se pleno, sem espaços vazios, por dentro e sem a sensação de viver no vácuo, por fora.

Fantasias, além de, na sua maioria realizáveis, podem ser alcançadas já que, muitas possuem um preço. Podem ser a de possuir um objeto, conhecer um lugar, eróticas ou românticas. Tanto sonhos como fantasias, a depender das respectivas dimensões, temos que lutar muito para alcançá-los ou, são impossíveis mesmo e tanto faz realizá-los ou não, o importante é que existam. Teem a nobre função de alimentarem nossas almas de esperança, de serem importantes pilares que sustentam nosso existir e até a responsabilidade de nos proteger da realidade que abominamos.

Entretanto, existem pessoas que temem sonhar por não saberem que uma das características dos sonhos pode ser a de nunca se realizarem. Há os que sonham sonhos tão inalcançaveis, justamente para que nunca se tornem realidade e percam a magia do impossível, do inacessível, de perderem o privilégio de possuir uma causa. Outras, por pobreza de espírito e mesquinhez nas projeções para o futuro, começam a sonhar com o rasteiro, com os prazeres imediatos, com o que nada contribui para seu crescimento pessoal ou entendimento do sentido da vida que é a simplicidade de viver cada minuto como se estivessem vivendo uma vida inteira.

Por não se desprenderem das míopes medidas do julgamento alheio ou do cotidiano, só sentem o obvio e só enxergam o que veem. E para sonhar temos que enxergar além do que vemos. O sonho pode residir tanto no comum quanto no inusitado.

Sonhar é necessário, mas é difícil. Para sonhar é preciso sofrer, chorar, sorrir, cantar, gritar, silenciar. Mergulhar e afogar-se em todos os lagos que deem significados ao fato de estar vivo. Por isto, a amarga resposta do meu “entrevistado” é, provavelmente, por estar refém das coisas pequenas, não sabendo que no pouco pode estar tudo e no tudo pode morar o vazio. Mal sabe que existem os que só sonham sonhos irrealizáveis e, nem por isto, deixam de manter conexão com a realidade e, só a possibilidade de sonhar podem torná-las menos tristes ou até felizes. Transferem, então, seus sonhos para outros, por saberem que até seus desejos tem que passar por crivos, censuras e viabilidades.

Estas sim, estão tão cansadas que só "esperam a morte chegar". E morrer é perfeitamente normal de factível

ALICE ROSSINI

quinta-feira, 28 de julho de 2011

EDITORIAL


Ouvindo uma entrevista do escritor Antonio Prata, quando cumpria a programação do lançamento do seu mais recente livro de crônicas com o original titulo “Meio intelectual, meio de esquerda”, entre outras coisas, aprendi que crônicas não precisam de tema, podendo, inclusive, ser um mosaico de assuntos. Ah é?! Santa ignorância, a minha!

Quando resolvi criar este Blog, a intenção foi e continua sendo, registrar emoções que vivencio no meu dia a dia. Algumas vezes revisitando-as, sinto desejo de registrar novas descobertas sobre elas. Afinal, hoje não sou o que fui ontem.

Portanto, a idéia é que meu texto seja livre. Mas, como a nossa liberdade, inclusive e principalmente, a de expressão, sofre algumas restrições, rendi-me a algumas que me impus sem nada que as justificassem e outras, impostas por circunstâncias que me parecem imutáveis.

Pessoalmente, acho que quem escreve deve ser uma pessoa atenta. Ao mundo e a si mesmo. Deve estar conectado com a dinâmica dos acontecimentos e optar entre descrevê-los sem nenhum juízo de valor, interpretá-los, comentando aspectos que considere relevantes ou, simplesmente, fazer um registro das emoções que lhe causaram. Estas possibilidades são como holofotes no fundo do túnel quando, quem escreve jornalista, escritor ou diletante, tem, por motivos vários, bloqueada sua criatividade.

Não tendo nenhuma formação em comunicação, sinto-me livre para escrever o que quiser resguardando, na medida e nos limites do “meu possível”, o respeito e a obediência às regras gramaticais e a uma ortografia perfeita. Sei, que nem sempre isto acontece.

Como escrevo com o coração na ponta dos dedos, afastar-me desta marca pessoal é uma temeridade, já que um Blog é uma mídia pública. Portanto, tenho que me expor e, por isto, devo ter consciência dos limites do meu horizonte. Embora, querendo, podemos descobrir o quanto pode ser infinito.

Não obedecendo à necessidade de falar dos sentimentos quando redescubro a sensação de quietude em respirar pausada e prazerosamente ou do arrebatamento quando ouço uma música que me remete a alguma situação marcante, estou promovendo um boicote a este Blog. Quando acordo nostálgica ou suavemente feliz, surfando no mar cheio de ondas que compõe o contexto do meu perfil emocional, se não registro, não estou sendo verdadeira.

Alguém sabe que uma das minhas fobias é estar às dezoito horas longe das paredes protetoras da minha casa? Que aquele lusco fusco, o céu avermelhado despedindo-se do dia ou carregado de nuvens negras prenunciando uma noite chuvosa e, para compor o cenário fóbico, pessoas trancadas com seus pensamentos nos seus meios de transporte, indo para seus respectivos mundos, indiferentes ao que acontece ao seu redor? Alguém sabe a desestruturação emocional que estas circunstâncias interligadas provocam? Que enquanto ouço a Ave Maria, seja de Gounaud ou Schubert, minha garganta pulsa até que lágrimas escorrem pelo meu rosto?

Alguém sabe que sinto culpa por detestar o Natal sem nenhum motivo que justifique este sentimento? Que se pudesse, faria um “catado” de pessoas que considero fundamentais e as levaria para uma ilha deserta sem musiquetas em Shoppings e decorações de pinheiros cobertos de neve? E que, tenho certeza, um dia me lembrarei destes “detestados natais” com enorme saudade?

O meu objetivo é confessar minhas contradições, desnudá-las dos véus das conveniências e mostrar-me uma pessoa em transformação, emergindo e submergindo, egoísta e magnânima, em luta constante contra preconceitos embutidos nas sutilezas da minha forma de encarar o mundo

Mas, preferi filtrar meus sentimentos. Cair na armadilha de me sentir obrigada a opinar sobre acontecimentos do cotidiano como se fosse uma comentarista de um tele-jornal.

Fugindo à minha proposta inicial me afastei da emoção como se só a mim interessasse o que sinto, quando o que sinto pode ser o que muita gente sente, por mais singulares que sejamos e assim me conecto com os sentimentos do mundo. Em resumo, emprestei a este Blog a sobriedade das coisas velhas, amarradas a idéias preconcebidas, não lhe permitindo o direito de ser o que quiser.

A entrevista a que me referi lembrou-me que tenho que ter a humildade, como aprendiz que sou e serei por muito tempo, que vão acontecer momentos em que nada tenho a dizer senão que fico encantada com a perspectiva de conhecer o Marrocos, a Turquia ou qualquer país exótico e que um filme me deixou sem fala e pensativa por vários dias.

terça-feira, 12 de julho de 2011

80 ANOS

Atualmente, muitas pessoas podem viver oitenta anos. Até mais. Os avanços da Ciência têm sido decisivos para a longevidade do homem. Esta é uma das vitórias da inteligência humana que devemos comemorar.

Entretanto, viver oitenta anos não é fácil e minha Mãe, Lucia viveu e vive cada dia desta fase da existência de forma digna e bela. São vinte nove mil e duzentos dias entre o primeiro choro, no nascimento, à ingenuidade das brincadeiras da infância com os quatro irmãos, por quem, até hoje, nutre um sentimento de “quase mãe”; vencendo as inseguranças do afastamento necessário e sofrido da casa paterna em busca do conhecimento e da independência; às escolhas inerentes à passagem do tempo, acompanhadas de alegrias e sofrimentos. Tudo isto esmerilando caráter e personalidade que a tornaram uma pessoa serena e paciente.

A vida a que me refiro de forma tão resumida e simples, não foi, não é e jamais poderá ser classificada como uma vida banal. A história de minha Mãe, que hoje, 13 de julho de 2011, celebramos com uma mistura de carinho, gratidão à vida e euforia. Oitenta anos de uma existência, que se justifica a cada dia.

Quase sessenta anos de casamento, filhos, netos, bisneto, amigos que vão, amigos que chegam e ficam. A história passando diante dos seus olhos verdes que brilham a cada possibilidade de interferir no seu curso, fazendo a diferença num mundo carente de atitudes. Tudo isto sem incomodar-se com a omissão das pessoas e da força das circunstâncias.

Ainda muito jovem, morando num pensionato, qualquer atraso no pagamento da mensalidade era impedida de alimentar-se adequadamente e, muitas vezes, a fome já corroeu-lhe o estômago com a mesma intensidade que a vontade de crescer tornava-se uma meta que precisava ser vencida. A vitória que buscava não afagava seu ego, mas enriquecia seu ideário de justiça e sua necessidade de ser útil.

Vive com a mesma dignidade, dias de sol escaldante, de chuvas torrenciais ou noites estreladas com luas que minguam e renovam-se. Aparentemente, uma vida igual a muitas outras vidas, acariciada e castigada pela passagem do tempo.

Todos que a amam e a admiram agradecem o privilegio da sua contemporaneidade.

Não vou nem posso fazer a estatística de quantas crianças minha Mãe alfabetizou, numa escola, paupérrima e precária, no subúrbio de Coutos. Lembro-me das idas e vindas nos trens da Leste Brasileira e eu, ainda criança, tendo que acompanhá-la, já que não tinha quem de mim cuidasse. Ainda mantenho viva na memoria os sacrifícios e as noites, insones, de estudos, para graduar-se Psicóloga, sempre contando com o apoio e o incentivo do meu pai. Tampouco, será necessário mais um registro da sua irretocável trajetória no Serviço Público, com a motivação de quem abraça uma grande causa. Muito menos, que faz da sua aposentadoria um apostolado de caridade, através da participação na gestação e no nascimento do Centro Espírita Joana de Ângelis, onde, na medida das suas possibilidades ajuda a manter vivo, prestando relevantes serviços à famílias carentes. Estas fases da sua vida todos já conhecem.

Não existe nada na vida de Lucia, minha Mãe que não me inspire ternura, carinho e gratidão. Tenho certeza que meus irmãos, Izabel e Luciano, subscrevem este texto.

Costumo dizer que nossas conversas acontecem sempre livres de preconceitos ou moralismos e são impregnadas da modernidade com que conversamos com os mais jovens dos nossos amigos. Ela, sabiamente, acompanhou as mudanças do mundo, as compreende e, principalmente, as aceita. Minha mãe recicla lixo desde que éramos crianças e tem consciência dos seus direitos e deveres de cidadã. Vota com consciência e patriotismo e sempre interfere quando testemunha alguma iniquidade.

Lê jornais, livros de Filosofia, Psicologia, História contemporânea e tudo mais que suas laboriosas mãos conseguem alcançar. Vive conectada com o mundo através de todas as midias que dispõe em sua casa, de onde pouco sai. Embora mantenha uma inquietude quase juvenil, sabe que é chegada a hora de, com meu pai, cuidarem um do outro.

Não por acaso tem amigos de todas as idades e é adorada pelos netos, que a teem como referência marcante. Consultam-na sobre tudo, dos resultados de jogos locais e internacionais de qualquer esporte, até sobre regras gramaticais. Participou das gincanas estudantis aos vestibulares e das formaturas com uma emoção que nos comovia. Carinhosa e cuidadosamente respaldou suas formações intelectuais, enviando-lhes recortes de jornais com textos de relevância, indicando-lhes livros importantes, incentivando-os à pesquisa e revisando trabalhos científicos, entre outros mimos que só às avós é permitido o privilegio.

Não pretendo esgotá-la em tão poucas linhas nem prometo ser modesta. Só verdadeira. Até porque, a verdade, como valor, foi ela e meu pai que me ensinou: ”Filho meu não mente!” Diziam. Meus irmãos também absorveram este princípio e hoje, nós o repassamos para nossos filhos.

Falar na totalidade de quão rara é a personalidade da minha Mãe seria uma tarefa impossível, pois a riqueza da sua vida torna-a, além de um “alguém” que a cada dia que vive acrescenta, e acrescentando torna-se indefinível e inesgotável.

Na vida de Lucia, minha Mãe não há nada que não possamos relembrar sem que nos sintamos engrandecidos por ter sido por ela gerados, o que nos tornam pessoas responsáveis por acatar e respeitar suas singularidades, evidenciadas nas suas maiores virtudes: a humildade, o desapego a tudo que é material e a disponibilidade em ajudar a quem quer que a procure, inclusive e principalmente, sem valorar as justificativas de quem ajuda. Simplesmente acolhe, de forma generosa e incondicional.

Despretensiosa, nunca fez questão de ser reconhecida como uma pessoa bondosa. Mas exige ser lembrada pelo senso de justiça, traço marcante na sua personalidade. Dona de um caráter firme sempre diz o que pensa ainda que incomode ou seja julgada pela sinceridade exacerbada.

Entretanto, a imagem mais amorosa, entre muitas, que tenho de minha Mãe é sutil e singela: Todas as vezes que lhe faço uma visita e despeço-me, descendo as escadas do seu apartamento que ainda chamo “lá em casa”, sentimento de posse de um passado que teima em continuar presente, alcançando o portão da entrada sempre olho para cima e vejo, pela fresta da cortina da sua sala, sempre arrumada com seus objetos de estimação, seu rosto sereno e seu olhar expectante acompanhando meus passos, numa misteriosa mistura de “adeus” e “até breve”, impregnada de um ingênuo sentimento de que me protegerá até que chegue sã e salva, na casa que chamo minha.

Alice Rossini

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A PROVA VIVA

Se alguma vez na vida, já pensou em ferir alguém, eu tenho algumas dicas. Pegue um machado, uma faca ou qualquer coisa suficientemente cortante e decepe-lhe a cabeça ou mutile um membro. Misture dezenas de venenos diferentes nem que isso lhe custe ir atrás de cobras peçonhentas e aranhas nojentas e ponha na bebida preferida dela. Ou, se o ódio for maior ainda, pode experimentar tortura. Há alguns métodos brilhantes, se você quiser saber. Está livre para fazer da forma que quiser, só peço que nunca, mas nunca em sua vida, atinja-lhe seus sonhos.

Pode me prender a uma forca e me suspender no ar ou me lançar em um rio de jacarés, mas não se atreva a encostar um dedo naquele tesouro guardado no peito. Aquele que insiste em se materializar, mas que nem sempre está na hora. Mesmo que ele seja humanamente impossível, deixe-o viver. Que mal há nisso? Que mal há em deixar germinar a esperança de algo melhor, de algo que nascemos para viver?

Nunca, mas nunca mesmo, ouse acertar esse ponto fraco, por mais imenso que seja a raiva, o rancor e tudo aquilo que te impõe-me como um alvo. Por mais que existam armadilhas e caminhos travessos, aposte neste pingo de incerteza, nessa louca improbabilidade. Não deixe que o dinheiro e a sede por consumo lhe façam cego da única certeza de que somos humanos: nós sonhamos!

Somos capazes de imaginar algo que está além da realidade e longe de qualquer preocupação, onde tudo faz sentido e nada mais importa. E melhor que isso, somos capazes de reunir forças para lutar por isso, não importa o quão difícil seja. Lembre-se sempre que somos todos humanos, mas existem dois tipos deles: aqueles dentistas que querem fazer teatro e aqueles atores fazem teatro.


Rafael Neves -estudante

terça-feira, 14 de junho de 2011

FELICIDADE, UMA QUIMERA?

A Psicanálise reconhece como parte do comportamento humano e define como Mecanismo de Defesa atitudes que nos “afastam” dos problemas que incomodam e que, muitas vezes, sem tentar resolvê-los e refletir sobre eles, achamos mais fácil “fugir pela tangente” como se diz na linguagem popular. Ouso defini-los, sabendo que estou sendo reducionista e omissa quanto à complexidade da doutrina freudiana.

A repressão, a racionalização, a sublimação, a projeção, o isolamento, a negação, entre outros, são mecanismos identificados por Freud e, por mais contestado que o cientista seja hoje, pessoalmente, identifico vários deles ao meu redor. Inclusive em mim mesma, embora tenha a mania de desmascará-los, o que faz com que me sinta vulnerável e desnuda.

Por favor, não me achem pretensiosa por estar escrevendo sobre um assunto que foge, completamente, à minha formação. O “problema” é que eu me interesso pelas artimanhas humanas e, além de pensar sobre elas, presto muita atenção em quem as utiliza. Atire a primeira pedra quem, de vez em quando, não dá um drible num fantasma que não quer ou não consegue exorcizá-lo por medo ou até, por nem ter consciência que exista.

Ao refletir sobre o assunto imagino e me corrijam psiquiatras e psicólogos, que os mecanismos existem para nos garantir uma coisa que nos sentimos obrigados a ser o tempo inteiro: felizes. Mas a felicidade é um conceito além de difícil definição, é pessoal e a sensação nunca é permanente. Claro que as coisas não são tão simples assim e não tenho intenção de explicá-las. Apenas uso-as como lastro para meu texto.

Mesmo assim, fazemos qualquer coisa para alcançar esta “tal felicidade” porque hoje é símbolo de sucesso e vivemos uma cultura que a ninguém é permitido demonstrar qualquer tipo de fraqueza e nos é insuportável a sensação que podemos perder o controle das nossas vidas, inclusive, imaginem, dos sentimentos, nossos e dos outros.

Vamos fazer uma suposição louca - Saramago já o fez com relação à Morte - na qual, a vida seria uma sucessão de momentos felizes, claro, resultado de outra sucessão de escolhas acertadas. O que aconteceria, pensando rápida e superficialmente? Ser feliz não constituiria nenhum motivo para ser celebrado, porque a rotina, aquela palavrinha temida pela grande maioria, faria da felicidade uma regra imutável. Seria terrivelmente sufocante viver sob regras imutáveis! Quanto às escolhas acertadas, qual o parâmetro que usaríamos para valorá-las como certas, já que não saberíamos o que seria considerado errado? Os conceitos de certo e errado carregariam que conteúdos? Outro detalhe importante é que nossas escolhas dependem das escolhas de outrem.

Sentirmo-nos eternamente felizes nos colocaria na superfície da existência, portanto não nos convocaria para a reflexão. Que chance teríamos de experimentar todos os sentimentos humanos que nos enriquecem, ensinam-nos a comparar gostos, sensações, saborear e digerir as diversas faces da tristeza, de como é bom o sentimento de saciedade de fome, de abraços, de beijos, de sexo, de amor? Nossos pensamentos e reflexões seriam pobres, pois viveríamos à tona, sem descermos às profundezas do nosso inferno, onde buscamos força para compreender, ser tolerante, ser forte e aceitar que existem os fracos e os intransigentes. Que existem as diferenças.

Como buscaríamos as razões de tudo, senão nos subterrâneos das nossas reflexões que uma vida de prazeres e felicidade nos roubariam?

Quando perdêssemos alguém a quem amamos, como suportaríamos o sofrimento inerente à perda? Porque, por mais felizes que fôssemos não estaríamos livres da inexorabilidade do distanciamento das pessoas em busca de seus projetos pessoais, da própria felicidade e pela morte, da qual, jamais fugiremos. Paradoxalmente, se conseguíssemos fugir dela, nossa pretensa felicidade foge pela mesma porta.

Por todas estas impossibilidades, usamos nosso Ego - eu novamente enfrentando terreno minado - lançando mão de mecanismos que nos dão o suporte para conviver com a vida como ela é.

Pois é este lado da vida que, unido aos momentos de plenitude, compreensão e realizações, emprestam riqueza, densidade e diversidade sem as quais seria insuportável existir.

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O AMOR É INVISÍVEL

Esta frase pode parecer obvia. O amor como todos os sentimentos são invisiveis. É o mais inefável, etereo, inexplicável, incompreendido e multifacetado de todas as emoções experimentadas pelo homem.

Manifesta-se ou esconde-se como, desculpem-me a grosseira analogia, uma barata que ultrapassa e esconde-se em lugares nunca imaginados. Só elas sabem como entram ou como saem por uma fresta pretensamente hermética. Como uma barata, o amor mete medo. Ou os enfrentamos e aceitamos sua perigosa e instigante presença, podemos esmgagá-los ou, simplesmente, ignorá-los, afinal, já que existem, possuem a mais cruel das prerrogativas inerentes ao existir: sofrer por ser ignorado .

Não raro ficamos sem saber o que fazer com ele e, como as baratas, escapam diante de nossos olhos e, sem sabermos como, tornam-se invisiveis!

Pode o amor estar nos mais inusitados lugares. Camuflado de um odio presumido, de uma magoa mal resolvida ou adormecido nas profundezas da alma. Pode residir numa conversa que ficou presa na garganta, num silêncio que fecha portas ou num barulho que abre feridas. Sobreviver de um desencontro que não o revela ou de um encontro que o desmascara: Não! Isto não é amor!

Mas, também, pode estar nos pequenos gestos de cuidado: dar ao outro a melhor fatia da carne, o café quentinho, pegar agua no meio da noite, puxar o cobertor por perceber o outro gelado pelo frio e todos os pequenos detalhes que juntos, chamamos de bem estar, felicidade , qualidade de vida, paz.

Amor é sensação de completude, de tempo parado, de vontade de discordar para ensinar, de merecer a verdade, feia ou bonita, confortável ou desestruturante. O amor presume a urgência e abdica da pressa que obriga e dispensa a presença do outro. O amor sente prazer na saudade e transborda paciência na presença constante. Por ser dialético, seu circulo fecha-se no odio. Na indiferença, jamais!

Há uma necessidade humana em tornar tudo que é abstrato em substantivo. Com o amor, sentimento do qual precisamos para nos sentir felizes, esta necessidade exacerba-se. Então, declarar, abraçar, beijar, dar presentes, enviar mensagens apaixonadas e outras manifestações objetivas, claro que também necessarias e instintivas, principalmente na fase do apaixonamento,solitarias se relativizam e, com o tempo perdem a densidade.

Se fizermos um exercicio e só nos permitirmos manifestações românticas, deixando de lado os pequenos cuidados citados acima, o amor esvazia-se, perde sentido. De tão objetivo, perde o encantamento da sua subjetividade.

E a objetividade da “certeza”, sensação impossivel no amor, lhe confere o “status” de atração, entusiasmo e outras sensações que situam-se no patamar da paixão que poderá, ou não, transcender e transformar-se em amor associado à ingredientes como amizade, cumplicidade, confiança , atração sexual e outras manifestações objetivas.

Portanto o amor, como as baratas, perdoem-me novamente, também detesto-as, é invisível. Só o vemos quando estamos muito atentos, receptivos e capazes de perceber que existe alguma coisa estranha e assutadora como as baratas ou mágica e surpreendente como o amor, bem perto de nós.

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 30 de maio de 2011

IDAS E VINDAS

Assistindo ao"talk show” comandado pelo Jô Soares, ouvi da apresentadora Astrid Fontinelle um projeto de um programa que tem um cenario inusitado: os aeroportos. Não sei qual, se Guarulhos ou Galeão. Pouco importa. A realidade que a apresentadora quer mostrar é o tumulto emocional que acontece, a qualquer hora e todos os dias e que quase ninguem registra, no lugar, cujo objetivo é administrar as idas e vindas de pessoas da forma mais rápida.

A percepção da apresentadora desvia-se dos mostradores eletrônicos, de Chegadas e Saídas e sua sensibilidade eleva-se para as emoções das pessoas que dependem da precisão dos aparelhos. Pessoalmente, já as tinha registrado, observando suas emoções. Obviamente, já passei pelas duas experiências algumas vezes na vida.

Claro que há uma enorme ansiedade numa despedida muito temida ou numa chegada muito desejada. Há o medo que, se o afastamento foi prolongado, para onde e em que a pessoa amada transformou-se, seja filho, irmão, pai ou amigo. Se o avião atrasa ou se e o esperado demora de aparecer, não é raro irem ao balcão das Companhias de Aviação ratificar o que leram nos paineis eletrônicos. Querem ouvir de outro ser humano que, quem esperam, chegará. Querem o conforto da certeza.

Se o momento é de despedida, o beijo tem que ser o mais gostoso e demorado e o abraço deveria ter o poder de colar um corpo ao outro. As falas são desencontradas, nunca se diz o bastante e o afeto eterno é prometido.

Se o momento é de chegada, passada a ansiedade de reconhecer quem está sendo esperado, há o olho no olho. Serão aqueles olhos de tempos atrás? Então, com instinto felino, corremos para um abraço, algumas vezes, tímido e expectante, embora o calor ou a frouxidão do outro abraço falem mais que milhares de palavras.

Nos dois casos, desejos são frustrados ou alimentados pela imaginação ou pela esperança que tudo continue como antes.

O importante disto tudo é que, justamente neste ambiente que se propõe a levar e trazer pessoas rapidamente através de uma máquina ousada, que fere a lógica humana, é onde pessoas despem-se de todas as muralhas que as defendem e as separam do que há de mais verdadeiro nelas, os sentimentos. É onde há a promessa de que tudo será perdoado, tudo será conversado, onde chorar não é sintoma de fraqueza e a mistura de sorriso com lágrimas a receita perfeita.

É no santuário da formalidade, da voz profissional e dos sorrisos impessoais dos funcionarios de atendimento, de auto-falantes avisando as horas de embarques e chegadas de aeronaves, onde acontecem manifestações de emoções mais contundentes e sem regras pré estabelecidas. Se alguém vai para muito longe, prometemos a nós mesmos, fazer um ar “blazer”, dizer que “o tempo passará depressa”, que “é um privilégio passar pela experiência” e outros clichês que, naquele momento, não convence quem vai nem quem fica.

Se alguém chega, não queremos recebê-la com uma enxurrada de lágrimas, o sorriso é a promessa e a reação mais “adequada”. Entretanto, na hora em que estamos frente a frente com as realidades da ausência tão longa ou da chegada em que a espera começou na partida, tudo em nós se derrete e transforma-se na mais sincera, despudorada, ilimitada e, muitas vezes, descabida reação.

Achei a ideia genial porque, assim como eu, muitas pessoas devem sentir necessidade de um ombro ou um ouvido, ainda que não muito íntimo, para compartilhar o que nos vai na alma. Registrar emoções sem roteiros predeterminados é uma ideia pioneira, que empresta aos que frequentam aeroportos pelos dois motivos, um espaço para compartilhar suas emoções sem que sintam-se solitarias ou inadequadas.

Se é que alguém que recebe ou "despacha" quem ama pense nestes detalhes.

Alice Rossini

domingo, 22 de maio de 2011

A PRESUNÇÃO DO JULGAMENTO

À medida que meu tempo vai passando chego à conclusão que nada sei. Aos poucos vou desconstruindo algumas certezas. Garanto que é difícil e doloroso. O que me parecia obvio e com consequências quase previsiveis, repentinamente vira dúvidas e questões. Alguns pilares ruíram, deixando meu edificio de convicções quase que condenado. Tudo isto, se não varrermos com cuidado e discernimento viram entulhos. Alguns poucos, a duras penas, joguei fora, outros ainda pouco elaborados e mais renitentes, continuam mas, como fantasmas. E a vida, indiferente, mostrando o quanto tudo é impermanente, mutável.

Não nos conhecemos. Nossas reações, nossos desejos, nossas possibilidades de apaixonamento, aos quais, muitas vezes, insensata e desavisadamente dizemos “nunca” ou nos atiramos ensandecidos, assim como nossos anseios, que vão se modificando e nos surpreendendo. E surpresa não é prerrogativa de jovem imaturo. Até a morte, mesmo a iminente, ainda nos surpreende!

Em relação aos outros o desconhecimento é quase que total. Os distanciamentos das circunstâncias que envolvem vidas alheias, além de nos fazer ignorantes sobre suas razões nos podam a compaixão quando sucumbimos aos atos de julgá-los ou rotulá-los. E é sobre este “outro” que mais achamos que sabemos. Quando vemos alguém circunspecto achamos que está triste. Quem sabe não estará recordando um maravilhoso momento? Quando vemos alguém rindo e brincando achamos que está feliz e sem problemas. Pode estar apenas se doando uma tregua. Quando alguém nos olha nos olhos, nunca lemos pedidos de ajuda, nem tristeza, muito menos uma necessidade de um encontro. Quem sabe o desejo de compartilhar uma alegria, dirimir uma dúvida ou a premência de uma palavra que a ratifique. Ou um re-encontro com as pessoas que tornamo-nos que só é percebido através da visão dos atentos. Desviamos os olhos! Negamos-lhe um olhar mais demorado, mais profundo. Logo eles, que falam tanto!

A tragedia deste estado de alienação do outro é que, depois que as pessoas se vão e afetos se volatizam, fatos esclarecem motivos que nos explicam quem realmente foram. Quando mais precisamos da compreensão sobre os mecanismos da vida e decifrar parte dos seus enigmas, descobrimos que nem nos esforçamos para merecer, um pouco que seja, da verdade que também é relativa, multifacetada e mutável. E nos enredamos mais na nossa ignorância se não tivermos a humildade de reconhecer nossos equívocos.

Como nossa interação direta são com as pessoas, justamente elas são alvos preferenciais e cômodos dos nossos enganos. De repente, descobrimos que nem tudo é o que parece. Que nem tudo que achamos condiz com o que queremos e o que fazemos. E o que achamos que tinha a solidez do granito, qualquer ventania é capaz de dispersar.

O outro será sempre um eterno desconhecido, ainda que viva do nosso lado. Ególatras nem percebemos que, como nós, mudam, sofrem, envelhecem, amadurecem ou permanecem estagnados num tempo que já superamos. Não sei a forma de resolver esta questão humana de assumir a mais perigosa das aventuras, penetrar nos bastidores das nossas e de outras vidas, com objetivo de tirarmos delas conclusões definitivas.

A única coisa que sei é que devemos achar menos e sentir mais.

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 16 de maio de 2011

MOSAICOS DA VIDA

O bem vindo “bombardeio” da midia sobre os fatos continua tão agressivo, que fica difícil escolher um para comentar. Considerando que a midia da qual disponho é um Blog, cuja proposta é registrar o cotidiano a partir de pontos de vista pessoais, minha indecisão justifica-se.

Esta introdução ratifica uma das minhas dificuldades, como neófita na “arte da escrita” em eleger um assunto e discorrer sobre ele sem anular minhas subjetividades que, a princípio,a ninguém interessa,mas, quando postadas, descubro que não estou tão solitaria nas minhas dúvidas, adversidades, ansiedades e alegrias.

Poderia falar no Bolsonaro que, mais uma vez, protagonizou um “espetáculo” com o cheiro acre da homofobia. Deputado! Acompanhe a evolução do mundo! Olhe ao redor e, já que insiste, continue sendo o que quiser, mas libere os outros para que também o sejam. A lei, que tanto lhe incomoda propõe assegurar direitos individuais e evitar a intolerância ao diferente, que tem milhares de faces.

Ninguém é homossexual ou vive uma relação estável por causa de uma norma legal. As leis nascem das necessidades humanas para amparar os homens. Ainda que façam parte de minorias, são iguais perante a Constituição do país.

Se leis fossem tão persuasivas e determinantes não teríamos corrupção e o dinheiro público seria bem gasto! Sua tarefa é dar exemplos de compromisso com o trabalho, com a democracia e com o debate sabendo que, quem debate não se obriga a mudar sua opinião ou de outrem.

Outro assunto que esteve em voga e já está na curva decrescente do interesse coletivo foi o casamento do futuro rei da Inglaterra, cujo destaque conferido pela midia a muitos incomodou embora, todo mundo quisesse saber como aconteceu, quem foi, o que vestiu e outras "curiosidades". Ora, vivemos numa democracia, a imprensa é livre e publica o que quiser. Uma história, "aparentemente" de amor, em tempos de Osama, nos diz que nem toda noticia é trágica embora, para muitos, possa ser tola e fútil. Além do mais, quanto a Inglaterra, até onde sei, tem a medicina pública das mais avançadas e democráticas do mundo. Pode se dar ao luxo de ter reis, rainhas, castelos, contos de fada, com ou sem final feliz para povoar o imaginário das pessoas.

Vejo que no Japão as coisas continuam péssimas. A radioatividade impede pessoas de procurarem corpos de parentes e restos de sua história, assim como há controversias sobre o resgate dos corpos presos nos destroços do voo da AIR FRANCE, que caiu em aguas brasileiras. Os franceses não desistem de resgatá-los, ainda que haja alguém que prefira deixar seu ente querido na paz daa profundezas do oceano.

Obama é criticado por não mostrar o corpo de Osama. Assim como tudo em política cheira a mentira, poderia ser um golpe de marketing do Presidente americano. Poder pode, mas pessoalmente, acho que Osama está morto e seu sepultamento, por questões políticas e de segurança mundial, foi feito conforme os preceitos islâmicos. Quem vai saber...?

E, daqui a algumas horas, qual será o assunto da vez? A não ser que queira registrar minhas angustias pessoais, fica difícil, diante de tantos assuntos cheios de nuances, escolher um só.


Prefiro estes exemplos que formam o mosaico onde estamos inseridos, constatando que tudo é dinâmico, as formas de enxergar os fatos são varias, assim como nós que, nem se quiséssemos, seríamos as mesmas pessoas a cada amanhecer.

ALICE ROSSINI

domingo, 8 de maio de 2011

EDITORIAL

Existe um costume, óbvio, que no dia dedicado a alguém, este alguém é que deve ser o homenageado. Com relação às MÃES acho este costume mais que justo. Uma mulher pode ser homenageada por ser mãe ainda que não o seja. Mas, existem milhares de formas de alcançar esta condição, das naturais, às legais até às simplesmente afetivas, onde cabem infinitas formas de acolher, cuidar, amar ou simplesmente estar perto e atento

Percebo no olhar de cada mulher-mãe um brilho diferenciado, pois seus filhos, centro do seu universo, conferem sentido às suas vidas, não importando sua condição social ou profissional. Por eles vivem e, não raro, sobrevivem.

Portanto, nestes oito de março de 2011, o Verso & Reverso homenageia os FILHOS. Pelas imensas alegrias que as tornam mais plenas e pelas profundas tristezas que fazem delas pessoas melhores, mais humildes, mais compassivas e mais tolerantes. Talvez fosse desnecessaria uma pesquisa, pois, muito provavelmente, seria constatada que, as maiores alegrias das suas vidas, viriam deles.

Neles são depositadas as possibilidades da realização de sonhos esquecidos no passado, neles são refletidos seus defeitos e suas virtudes. Através deles pode-se tirar suas medidas de contribuição para a humanidade, pois quando nascem, projetam seus futuros para serem pessoas generosas, solidárias e úteis.

E, se nada disso acontecer, ainda nos prova a imensa capacidade humana de um amor incondicional, cujo retorno é o simples existir: através dos filhos dos filhos, a vida assume ser eterna.

p.s. À todas as MÃES, contra as quais, a vida reverteu sua lógica natural. Hoje choram de saudade e sentem-se órfãs de sentido.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

ILHAS DE SOLIDÃO

Alguma vez você já sentiu que perdeu as rédeas da sua vida? Se não, parabéns! Se sim vai compreender como algumas pessoas se sentem impotentes, excluídas, solitárias, o quanto esta situação é incômoda e, pasme claustrofóbica. Você prisioneiro das circunstâncias que você mesma criou e não se sente com forças para revertê-las.

Quando acontecem as grandes tragédias e as pessoas as superaram, ainda que sofram danos irreversíveis, nossa tendência é apequenar os nossos, como se o sofrer não fosse algo individual ao qual conferimos uma dimensão pessoal. Existe uma tendência em rotular os problemas cotidianos de "neuroses" de quem não tem problemas graves e, por isto, os criam. Mas o ser humano, diante de uma tragédia tem reações inesperadas e surpreendentes, ora agindo com lucidez e coragem, ora entregando-se ao imobilismo.

Diante dos pequenos problemas que povoam o seu cotidiano ele tem que acessar minuto a minuto seu equilíbrio, ludibriar suas neuroses e até patologias mais graves, buscar a paciência que muitas vezes não faz parte do seu perfil psicológico para viver o dia- a dia com serenidade e passando para o mundo no qual se insere, otimismo e vontade de viver. Entretanto, para algumas pessoas, este enfrentamento com a realidade da vida torna-se muito mais difícil. Elas tendem a reproduzir padrões de comportamentos já arraigados e até inconscientes. Embora saibam quais atitudes são mais adequadas, rendem-se a uma força estranha às suas compreensões que as impedem de exercê-las.

Vemos exemplos disto no nosso dia-a-dia em pessoas do nosso lado ou em nós mesmos. Só é olhar-se no espelho com coragem de despir-se das máscaras

Esta resiliência que o ser humano demonstra nos grandes traumas é o que salva a humanidade. Entretanto, as neuroses e as pequenas sabotagens que nos são impostas, até por nós mesmos, inviabilizam muitas vidas. Falo em inviabilidade, porque, à exceção dos estóicos e dos mórbidos, para estes últimos “quanto pior melhor" somos uma geração que, em nome do equilíbrio, cujo termo já sugere possibilidade de pendência para vários lados, da saúde mental que a cada dia nos surpreende na capacidade de camuflar-se e da inteligência emocional, esta última, raríssima, escondemos, até de nós mesmos, o inferno que muitas vezes, invade nossas vidas

Todos querem parecer felizes, vitoriosos, fortes e imunes aos revezes. Por estas razões tenho paciência para ouvir o que os “felizes” e os “equilibrados” chamam de lamurias e medos. Alheios e indiferentes, fecham-se em casulos, ainda que opacos mas, transparentes para quem tenha sensibilidade de reconhecer as angustias humanas. Já que as suas lhe parecem familiares e lhes conferem humanidade.

ALICE ROSSINI

sexta-feira, 15 de abril de 2011

UM DIA PARA MORRER

Quem nunca pediu a Deus um dia, ou até menos, para ficar morto? Calma! Guardem as forcas e o veneno de barata! Não falo de suicídio, mas de tirar um dia para vegetar por 24 horas. Deitar numa cama e ficar olhando para o teto... Só reparando cada mínima imperfeição do piso, os pequenos detalhes do travesseiro e todas aquelas coisas inúteis que, por motivos óbvios, não prestamos atenção no dia a dia.

É quando a nossa cabeça está prestes a explodir que imploramos aos céus que façam desse dia abençoado um presente de aniversário. Um bocado de gente desconhecida gritando no seu ouvido e cobrando uma pilha de documentos, dezenas de outras marcando horário retoricamente e outras centenas, que nem o nome você sabe, lhe ordenando fazer coisas que você não faz idéia de como foram parar em sua vida... Tem mesmo que ter uma hora de dizer “CHEGA!”. Uma válvula de escape ligeiramente grosseira, mas conveniente

E é ai que, após ter se levantado ao som do despertador, que você volta ao quarto e contempla a sua cama. Aquele travesseiro macio feito uma nuvem, aquele colchão tentador, o ar condicionado ainda ligado... Quase como uma droga, lhe puxando para mais cinco minutinhos que logo se transformarão em sessenta. E mesmo com mil e uma amarras lhe puxando para aquele santuário de panos, algodão e molas, é preciso dar aquele basta. Dizer não e se virar de costas desejando poder ter dito sim.

É por estas e outras que invejamos os cadáveres. Tudo bem que não tem o que fazer, mas às vezes ter o que fazer é justamente o problema! É claro que um caixão pode não ser uma cama, mas se tem quem durma em pé em um ônibus lotado, há quem se ache uma Bela Adormecida em um cantinho debaixo da terra.

RAFAEL NEVES, estudante

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O SAGRADO DIREITO DE ESCOLHA

Viajar é uma das atividades mais educativas que existe. Aliás, devíamos ter o hábito de levar conosco nossos filhos para além das cidades onde moramos, pois, assim como acontece com os adultos, guardadas as devidas proporções, o mundo também se alarga para as crianças e a chance de contato com o diverso, o diferente e o inusitado forma cabeças arejadas, livres de preconceitos e receptivas a tudo que é novo.

Acabo de chegar de uma viagem de onze dias de navio. Me acompanharam pessoas de 56 nacionalidades. Uma pequena amostra do planeta, já que todos os continentes estavam ali representados.

Além de usufruir das “mordomias” que transatlânticos colocam à disposição dos passageiros para que não se entediem, olhei e vi muito. Contemplei as pessoas, suas formas de expressar-se que vão além das variedades de vestirem-se, hábitos alimentares até as maneiras que usam para preencher seu cotidiano. Mais uma vez me conscientizei que as diferenças humanas são reais e nada nos resta senão aceitá-las e entendê-las, enquanto não firam nossas singularidades.

Uma forte evidência, também notada em Roma e em Veneza, é que as pessoas não mais se preocupam em formar casais do mesmo sexo. Não vou entrar no mérito da questão por princípio. Esta é uma questão individual. Mas, está havendo alguma mudança nos conceitos de liberdade do ser humano que está lhes permitindo relacionar-se com quem quiserem e da forma que lhes dê mais prazer e felicidade.

Ao retornar ao Brasil tomo conhecimento da declaração de um parlamentar, um representante do povo no Congresso Nacional que se deu ao desplante, à falta de pudor e de respeito de mostrar, para uma nação, com dimensões continentais, o quanto seu mundo é estreito. Esta pessoa vota projetos de interesse nacional, tem um salário que vale por dezenas de trabalhadores e, se tem assento na casa do povo, deve ser alfabetizado, portanto, não lhe é dado o direito de desconhecer as leis do pais, onde é pago para legislar. Em que pese minha crença no direito do deputado falar o que bem entender, afinal vivemos numa democracia, é com base neste princípio que sinto-me livre para criticá-lo.

Mas, são atitudes como estas que propiciam manifestações coletivas que ferem direitos individuais, garantidos pela Constituição do país. Num jogo de volei, sempre que determinado jogador pegava na bola, parte da tocida do Cruzeiro, numa atitude cruel e desumana, gritava ensandecida o termo "bicha", por ser o atleta homosexual. Neste caso, em particular, quem fere a democracia é uma maioria estúpida e preconceituosa.

Enquanto, em Roma, presenciamos manifestações de um povo participativo nas praças e, mais que isto, a respeitosa indiferença pelo que poderia, num país de incultos, causar estranheza pelos casais e pessoas que fujam aos padrões estabelecidos.

Foi emocionante ver aqueles monumentos seculares, a exemplo do Coliseu, meca da intolerância e da violência, testemunhar silenciosa e majestosamente pessoas se agruparem do jeito que quiserem, se amarem e se respeitarem transcendendo conceitos superados de raça e sexo.

Seria recomendável que o “nobre” deputado reservasse uma parte da sua vultuosa “mesada” e mandasse seus filhos viajarem pelo mundo, já que para ele só resta viver sob a sombra do atraso.


ALICE ROSSINI

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

EDITORIAL - ANO III



Durante o ano de 2010 a possibilidade de Vida depois da Morte foi objeto de uma curiosidade manifesta e registrada não só pelo Cinema, pela Literatura como também, pela Televisão. Este fenômeno gerou muitas discussões e, claro, várias e inquietantes reflexões.

Este Blog, no seu terceiro ano de vida que hoje celebra, teria muitos motivos para debruçar-se sobre o assunto. Sua editora debate-se entre dúvidas atrozes, ao tempo em que cultiva um desejo, motivado por uma saudade que não cessa, da Musa que inspirou a data do seu nascimento e, em sua homenagem, o esforço de mantê-lo vivo, soa como uma metáfora - Saudades de KILMA e um possível reencontro nas estrelas. Um sonho, apenas um sonho...

Como não tenho pretensões de resolver a questão de outras existências, da imortalidade, ou não, a “sobrevivência” depois da morte física é mantida, simbolicamente, através da não concessão aos princípios que nortearam este BLOG na sua origem. É tambem embasado, na certeza que KILMA deles compartilhava, o que só o fortalece: a defesa da LIBERDADE, o NÃO a qualquer tipo de preconceito, o compromisso com a VERDADE e o amor inabalável à VIDA - qualquer vida.

A fidelidade a estes princípios, além de fortalecê-lo, homenageia uma das maiores virtudes de KILMA: a TOLERÂNCIA.

O VERSO&REVERSO, como qualquer outro instrumento midiático, pode ainda comemorar muitos anos de vida, independente da existência de quem o edita. Assim como continuamos a viver através das alegres lembranças e doces recordações de KILMA, que este BLOG tenha a sorte de encontrar quem o acolha, independente do existir de quem o concebeu.

Que seja adotado, principalmente por ser pequeno e despretensioso, pela tentativa quase infantil de imortalizar quem o inspirou ou por ser refúgio para quem o criou. Mais ainda, pelo que representa para tantas pessoas: amigas generosas, conhecidas, simplesmente, através de seus nomes já tão familiares. E, àquele leitor anônimo uma enorme gratidão pelo crédito silencioso.

Obrigada aos seus colaboradores, aos que o ajudam a cometer menos erros e sacrilégios contra o que, filósofos e pensadores que já comprovaram suas teorias, tantas vezes aqui, teimosamente ignoradas ou, sempre que possível, usufruir da comodidade dos seus respaldos científicos

Vida longa ao VERSO&REVERSO! Que acompanhe o rastro de luz deixado por KILMA que hoje completa – este é o tempo do verbo – 47 anos, se ainda iluminasse nossas vidas nesta dimensão. Dentre os defeitos e virtudes que enriquecem a singularidade da sua personalidade ela também deixou registros de lindos poemas. Este, que tenho a honra de postar, é mais uma tentativa de “dar voz” a quem deveria estar entre nós:

DISSECAÇÃO DA PAZ

Um tempo esquecido
Um sorriso acordado
Um canto calado
de paz acabada
que volta e que vai
que veio e voltou
porque fica, e eu vou.
Deixando pra trás
aquilo que agora
me faz recordar
a paz esquecida
achada e perdida
que hei de encontrar

Kilma Mattos

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

"A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE SER”

Em todas as fases da vida: infância, juventude, maturidade e velhice, o homem, principalmente, perde mais do que ganha. Exceto no nascimento, começo de tudo - o sopro da vida é uma dádiva. Questionável, pois, a partir do momento que nascemos, iniciamos nossa inexorável caminhada para a morte. Uma visão realista, do roteiro assumido, mas nem por isto amarga.

Na infância, em todas as culturas do mundo, dito civilizado ou onde valores humanitários são cultuados, uma boa parte das crianças tem a prerrogativa de ser protegida dos percalços da vida. São poupadas de milhares de formas, até de caírem quando começam a dar os primeiros passos. Nesta fase, temos pressa em envelhecer. Justo quando a vida ainda não aconteceu, quando tudo é possível, quando acreditamos em fadas e duendes, quando acreditamos em mitos e heróis, os bons ou os maus e queremos que o tempo passe e acelere seu próprio ritmo.

Desde que nascemos, nosso futuro está sendo esboçado nos eternos “agoras” do nosso existir e, quem sabe, o que chamam de livre arbítrio não seja uma espécie de álibi com o qual justificamos nossos desfechos? Não que ache que não somos responsáveis por nós mesmos, mas nossas escolhas sofrem tantas interferências alheias às nossas vontades, que nossa força ao tê-las feito, relativiza-se.

Quando jovens, a rebeldia santa e cheia de certezas é acompanhada de uma vontade reincidente e insana de tudo questionar e de achar verossímil toda e qualquer possibilidade de mudar o mundo para o que julgamos melhor, sob o aval de uma ingenuidade primal. Apaixonamo-nos pelo amor, e por acharmos que é recíproco, cremos que jamais seremos feridos por ele.

Mas o tempo possui sua força transformadora e, afogados nesta provável metamorfose, que muitos chamam de maturidade, sensatez ou equilíbrio, grande parte perde-se de si próprios. Fatos nos ensinam que nada é branco nem preto e que o cinza é a regra. Verão não é sinônimo de céu azul, nem o outono pretende ser somente uma estação, onde as folhas amarelam e caem. Sofremos a síndrome das folhas secas e ficamos à mercê dos caprichos dos ventos. Como nem sempre depois da tempestade vem a bonança vamos, aos poucos, perdendo a ingenuidade e substituindo as crenças.

Repentinamente, descobrimos a fuga da criança que achávamos, continuaria colada na melhor parte de nós. Deixou-nos sem a leveza que sabe que a escuridão é passageira, a qualquer momento as luzes se acendem e nos mostram que estamos em lugares que têm perigos e também esconderijos salvadores.

Perdemos a inocência e a ingenuidade a acompanha. Nossa maior perda existencial, pois com ela esvaiu-se, salvo uma lucidez insana, que a vida pode, de vez em quando, ser leve e cristalina.

E nem sabemos quando, nem como, isto acontece.

Como algumas vezes não temos controle de nós, o peso das certezas nos sufoca, as maldades aprisionadoras nos assaltam e achamos que, repentinamente, de pássaros livres nos transformamos em seres engaiolados e cheios de medos.

Achando que duvidar é sinal de ignorância e garantia de quem perdeu o rumo; voltar atrás sintoma de insegurança; sorrir mal dos alienados; enganar-se sinônimo de ignorância; ser introvertido e contemplativo prerrogativa de desocupado, desejar ser ganancioso e não desejar fracassado.

Só vejo criança pular muros, desobedecer a regras que acha absurda, falar com desconhecidos, pedir desculpas, chorar e sorrir muito.

Talvez por isto, muitas ainda sejam leves e sintam-se felizes.

ALICE ROSSINI

domingo, 6 de fevereiro de 2011

FELICIDADE FABRICADA

Chegou o verão. Ninguém, minimamente equilibrado, deixa de festejar a chegada da estação do sol. Embora, no sudeste e no sul, a água tenha sido a protagonista principal, ceifando vidas, mudando a geografia e apagando a memória das familias pela destruição de suas casas, deixando rastros fragmentados de passado. A natureza em fúria cobrando sua fatura. A Bahia, especificamente, Salvador, é poupada da força destruidora das águas e ai de quem não ficar eufórico, não estiver bronzeado pelos raios solares, com qualquer teor de malignidade para a saúde, ou de quem não tiver um bom motivo que consiga superar a euforia contagiante do carnaval e das festas que o precedem.

Os que não se inserem no “Bloco do prazer” são os sacrílegos. Os eremitas, os anti-sociais, os que deixam a vida passar. São os que não valorizam a alegria e desconhecem as inúmeras formas de reverenciá-la. Assim como os que não adotam os parâmetros oficialmente reconhecidos de como é o “jeito certo de ser feliz” e como "saber divertir-se", rotulam os que vivem suas vidas de forma independente, pessoal, mais crítica ou reflexiva, como “pessoas de mal com a vida”. Inferências impregnadas de preconceito, ignorância e falta de consciência do quanto as diferenças entre os seres são necessárias.

A qualquer desatenção, a diversão vira uma regra pétrea. Enquanto a normalidade, a rotina apaziguadora do sentar-se à mesa com a família e compartilhar um prato de sopa ou diante do computador e enviar mensagens aos amigos, o fechar a porta do quarto e ir mais cedo para o aconchego de suas camas, tornam-se ações carregadas com o peso da obrigação, com o gosto amargo dos remédios, com o cheiro do tédio que mofa as coisas que achamos, equivocadamente, podem ser substituídas pelas “novidades”.

Certamente, alguém está mentindo e muitos outros sendo cruéis ao desconhecer que a vida de todos é feita de altos e baixos e há uma dissonância entre as emoções dos que convivem e interagem. É o que comemoram os balanços da Industria Farmacêutica e gritam as estatísticas policiais, apontando para um consumo desenfreado de antidepressivos, ansiolíticos e outras drogas, lícitas e ilícitas, que facilitam a fuga da realidade.

É difícil um equilíbrio entre alegria e tristeza determinado pelas nossas insatisfações e pelas circunstâncias que a vida nos impõe. Mais difícil ainda, não ser seduzido pela indústria do prazer e pelo aconchego das correntes de calmaria “química” ou, se nos sentimos infelizes, nos entregar às nossas angustias.

Como a minha, a sua e de uma grande maioria de vidas é feita de coisas normais. Ninguém suportaria viver só de festas e excitação. O que achamos seja a felicidade do outro, inseguros que somos e sempre a ponto de levantar nossas âncoras para aquele estilo de vida que nos fascina poderia nos roubar o equilíbrio.

Esquecem-se os frenéticos, que a vida também desvia seu curso para nos pregar peças desagradáveis e aquela rotina que demonizamos, pode virar o sonho dourado. A calma e o silêncio da casa do vizinho começam a penetrar nossos ouvidos com a força de uma sinfonia de Beethoven ou como uma possibilidade de paz e normalidade. Ao tempo em que sua grama começa a possuir o viço da nossa, na primavera, suas flores desabrocham com a vitalidade e beleza semelhantes as que habitam nossos jardins.


ALICE ROSSINI

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

COLESTEROL BOM X TREINAMENTO AERÓBICO

A MELHORA DOS NIVEIS DE COLESTEROL BOM (HDL-C) É INDUZIDO PELO TREINAMENTO AERÓBICO DE ALTA E BAIXA INTENSIDADE
Atualmente a doença cardiovascular tem sido a maior causa de morte em âmbito mundial, classificada como uma doença degenerativa entre as que quais mais causam prejuízos sociais.
De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) as doenças cardiovasculares origina-se por patologias relacionadas ao coração e vasos sanguíneos. Entre elas inclui: doença cardíaca coronariana, acidente vascular cerebral (AVC), doença arterial periférica, doença cardíaca reumática, cardiopatia congênita e insuficiência cardíaca.
Se as tendências atuais continuarem, até 2015 estima-se que 20 milhões de pessoas morrerão vítimas de doenças cardiovasculares, principalmente a partir de ataque cardíacos e acidentes vasculares cerebrais.

Contudo a mudança de hábitos mais saudáveis no estilo de vida das pessoas pode contribuir para a preversão deste quadro, fazendo este um fator determinante em prol desta causa. A prática de exercícios aeróbios regulares acompanhados de uma nutrição balanceada está extremamente relacionada à redução desses riscos, e os estudos mais recentes nos comprovam tais benefícios, que esta modalidade associada à boa nutrição tem agregado a centenas e milhares de adeptos ao passar dos anos, independente de idade, cor ou etnia.

Assim o valor do exercício aeróbio regular na redução do risco de doenças cardiovasculares e aumento nos níveis plasmáticos da lipoproteína de alta densidade colesterol (HDL-C O BOM COLESTEROL) têm recebido ampla aceitação. Pesquisas atuais e evidências sugerem que o HDL - C é um componente preditor negativo de doenças cardiovasculares, sugerindo que o baixo HDL- C traz um grande risco cardiovascular.
Um mecanismo mais bem compreendido do HDL- C para sua proteção cardiovascular é o transporte reverso do colesterol que, inclui a remoção do excesso de colesterol da parede arterial a partir das membranas celulares e tecidos periféricos como também a remoção de macrófagos. Os macrófagos são um tipo de glóbulos brancos que começam suas vidas como monócitos. Monocytes are produced in the bone marrow and circulate throughout the bloodstream. (Os monócitos são produzidos na medula óssea e circulam em toda a corrente sanguínea). When an infection or inflammation triggers a response, the monocytes can leave the blood stream and enter other tissues and organs in the body. (Quando uma infecção ou inflamação desencadeia uma resposta, os monócitos deixam o fluxo de sangue e entram em outros tecidos e órgãos do corpo). After leaving the blood stream, monocytes develop into macrophages or dendritic cells. (Depois de sair da corrente sanguínea, monócitos desenvolvem-se em macrófagos, ou células dendríticas), substâncias transportadas pelo HDL- C para o fígado e excretadas na bílis (principal via de eliminação), com reabsorção de cerca de dois terços do (ciclo êntero-hepático).

Além do transporte reverso do colesterol, o HDL-C apresenta diversas atividades antiaterogênicas que contribuem para sua capacidade preventiva contra doenças arteriais coronariana com ações: anti-infamatórias (inflamação endotelial), antioxidante (Oxidação da lipoproteína de baixa densidade-colesterol LDL- C o MAU COLESTEROL), ação vasodilatadora (promove a produção endotelial do óxido nítrico), diminuição de agregação plaquetária e coagulação, além da integridade da ação do endotélio.
Segundo Kodama et al. existe uma crescente aceitação do efeito que o exercício aeróbio regular tem sobre o aumento nos níveis de HDL- C. O mais sustentado e distinto efeito do exercício sobre as lipoproteínas é o aumento do HDL-C circulante.
Portanto já é de consenso que o exercício aeróbio regular atua de forma terapêutica e preventiva sobre as doenças cardiovasculares, contudo a duração e intensidade na qual os efeitos positivos tornam-se evidentes ainda não estão bem esclarecidas. Apesar deste fator, algumas revisões literárias nos apontam tais benefícios.

Em um estudo realizado por Ducan et al. (27) realizado com 492 indivíduos concluiu que o treinamento de alta intensidade e alto volume foi a única intervenção que produziu efeito significativo sobre os níveis plasmático de HDL –C. Outro estudo realizado por Slentz. et al (28) com 249 indivíduos sedentários com sobrepeso concluiu que somente o treinamento de alta intensidade e alto volume realizados sobre a supervisão do fator de segurança pode resultar em melhorias sustentadas na modificação do BOM COLESTEROL, sendo mais uma vez o volume do treinamento por sessão o mais importante preditor de alteração no HDL-C.
A grande prova desta evolução é a crescente desta atividade quem ocorrendo durante a década, acompanhada dos eventos de corrida que toma as ruas e cidades de todo o mundo e com ela, vem crescendo os investimentos e especialistas neste setor.
Não obstante a toda essa evolução, atualmente as pessoas tem encontrado na caminhada e na corrida de rua, a oportunidade de realizar uma atividade física de baixo custo e de altos benefícios para saúde, desde que acompanhada pelo aval de seu cardiologista e uma equipe multidisciplinar, ou por um profissional de Educação Física capacitado para o desenvolvimento desta atividade dentro dos seus padrões de segurança.

Agora que já sabes de todos esses benefícios é só se preparar para iniciar.

Referência:
Moturama M, Silva P.J, Lima C.P. W, Junior C. L.
REVISTA BRASILEIRA DE FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO
(volume 09 – número 03 jul/Set 2010)

LUCAS OLIVEIRA
WORKOUT TEAM

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A GARRAFA E OS ÓCULOS ESCUROS

Não tinha jeito, se havia alguém que sabia da vida alheia e não perdia tempo em fazer fofoca sobre ela eram os óculos escuros. Por trás de sua opacidade, uma personalidade enigmática, que apenas conhecemos por seu indescritível gosto por boatos e maldizeres. Vira e mexe e eles estavam a fofocar sobre a vida de fulano, espalhar rumores sobre cicrano, dividir as intimidades de beltrano com todos e revelar qualquer sórdido detalhe da vida de algum outro personagem genérico. Se, por um lado, todos adoravam ouvir as fofocas e poder apontar o dedo, também não havia ninguém que não morresse de medo de ser alvo dos boatos malditos.

Certo dia, a garrafa foi conversar com os óculos escuros. O singelo e transparente recipiente de vidro tinha muito o que conversar com ele - assuntos passados que não vêm ao caso. Após a longa conversa, garrafa e óculos escuros se despediram. Pensando a garrafa que os assuntos tinham sido resolvidos, foi grande a surpresa ao ver todos apontarem-lhe o dedo.

- Óculos escuros! Óculos escuros! - chamou ela, preocupada - Não imagina o que está acontecendo! Todos estão falando de mim pelas costas!
- É? - perguntou ele, prestando mais atenção a qualquer outra coisa ao redor - E o que estão falando?
- Tudo o que não poderiam falar! Coisas que só eu sei, que nem mesmo meus amigos sabem!
- Se não contou para ninguém, não sei como descobriram.
- Mas tem que ter um jeito! Achei que o senhor soubesse!

O óculos escuros suspirou e olhou a garrafa com um tom de desprezo, mas é claro que ela não fazia idéia das feições dele por trás das negras lentes.
- Minha cara garrafa... - começou ele - Quando a vi chegando até mim, preparei-me para ignorar um longo sermão seu.
- Sermão? - indagou a garrafa
- Sim, mas me enganei. Na verdade, eu a superestimei!
- Poderia, por favor, me explicar do que está falando?
- Eu imaginei que você, no mínimo, teria descoberto que fui eu o autor dos rumores, assim como sou o responsável por qualquer outra fofoca que já tenha ouvido.
- Foi você?! - perguntou a garrafa, mal conseguindo respirar
- Oh, garrafa... - lamentou ele - você é tão ingênua quanto transparente.
- Eu... Eu confiei em você!
- Confiou no maior fofoqueiro da região. Pra falar a verdade, você foi a pessoa mais fácil de arrancar alguma memória tenebrosa. Só preciso de uma simples olhada para enxergar através de você. Francamente, você era burra o bastante para não perceber a sua transparência ou era ingênua a ponto de julgar isto uma qualidade?

Nesse momento, a garrafa já não conseguia acreditar no que ouvia. Um grande amigo seu provara ser um verdadeiro diabo por baixo dos panos.
- Eu também vou falar mal de você! - reagiu ela
- Ah, é? - provocou ele - E o que vai falar?
- Bem... - pensou ela - É óbvio que... er...
- Você não tem o que falar sobre mim, por que não sabe nada sobre mim.
- Mas eu te conheço há muito tempo.
- Até mesmo séculos de pseudo-amizade podem ser enganados pela negritude de minhas lentes. - explicou - Por detrás delas, nada é conhecido, nada é percebido, nada é compartilhado.

A garrafa agora entendia a invulnerabilidade do óculos escuros, bem como sua suprema capacidade de espalhar rumores. Ele era como uma junção perfeita de ataque, uma figura capaz de atacar qualquer um, mas sem qualquer chance de ser atacado. Foi nesse momento que um pensamento audacioso lhe veio à cabeça.
- Sabe de uma? – perguntou ela, em tom de desafio e reflexão
- Sei de todas! – respondeu ele, convicto
- Não é uma fofoca! – explicou ela
- Ah, então o que é?
- Sabe por que gosto de ser transparente?
- Por que é retardada!
- Não, mas por que é o único jeito de deixar a luz passar por mim. - explicou
- E dai?

A garrafa sabia exatamente o que dizer, mas, naquele momento, apenas virou as costas. Ela sabia das feições do óculos escuros ao pronunciar suas últimas palavras nesta história. Por mais escuras que as lentes do óculos fossem, ela tinha certeza de ter visto o desprezo e o desdém por debaixo daquele anonimato.Ela não precisou dizer que a luz que passava pelo vidro de seu corpo não a deixava apenas visível a todos, mas também lhe abria portas para os outros. Coisa que óculos escuros algum propiciam. A garrafa apenas virou de costas e seguiu o seu caminho...

… Os últimos pensamentos da garrafa eram sobre algo que nem mesmo a habilidade de arranjar informações dos óculos escuros conseguia fuçar. O real significado da luz.

RAFAEL NEVES - estudante

sábado, 22 de janeiro de 2011

A BELEZA MORA NOS FRAGMENTOS

A beleza como um conceito subjetivo obedece a padrões estéticos que variam de acordo com o contexto histórico, a cultura e, tanto no primeiro como no segundo casos modificam-se segundo os valores de cada sujeito neles inserido.

Sua subjetividade, entretanto, permite abstrações que podem tanto ampliar como reduzir os conteúdos que compõem, tudo que pode ser classificado como belo.

Quero, neste texto, olhar apenas por um viés, por uma fresta, por menor que seja, que permita a visão da beleza. Aquela que muitas vezes pulveriza-se de tal forma que para percebê-la há que haver atenção plena. Sim, porque para enxergar a beleza a que me refiro é necessário estar muito atento. Por ser fugaz, por durar frações de segundos, por ser a sensação provocada por abstração, além de um olhar imprevisto ou por uma convergência de circunstâncias imprevisíveis. Portanto, é muito provável que estejamos rodeados de beleza e nem a enxerguemos. O que é uma pena, num mundo tão cheio de coisas feias e que inspira sensações piores ainda.

Então vejamos. Hoje a percebi numa jovem mãe, na sua fisionomia ao falar de como foi surpreendida pela natureza do amor que sentia pela sua cria. Seu rostinho suave transformou-se numa fácies que evidenciava a nossa semelhança com qualquer outro animal que habita o Planeta. Quando a olhei, percebi que o universo está contido nas pequenas coisas, na união das diferenças que convergem para o Uno. Porque a ternura que iluminava aquele rosto poderia, a qualquer momento, a qualquer sinal de perigo, transformar-se na ferocidade de uma fêmea recém-parida que rosnaria e não hesitaria em atacar com a voracidade de uma leoa. Cheguei a perceber naqueles dentinhos, naquela boca jovem, que os caninos poderiam alongar-se e suas mãos que me pareceram macias poderiam transformar-se em garras de uma fera e, num piscar de olhos, reaverem sua maciez original.

Vejo, quando atenta, lealdade na luta entre abelhas e beija- flores por algumas gotas de água açucarada. A vida ansiando por si mesma. Tal qual uma miragem, confunde minhas retinas a harmonia de um belo corpo correndo pela rua, entre carros, indiferente aos olhares, ao gás carbônico, aos raios ultravioletas, na crença de que o movimento, equilibrado e perfeito, lhe agrega mais beleza.

Paradoxalmente, a contemplação de um corpo sem vida pode mostrar a beleza escondida na dor da renovação, onde o perecível revela-se necessário, prestando à eternidade um enorme favor. Nesta compreensão, por mais dolorosa que seja sua exposição, a beleza de uma suposta lucidez que a vida imponha, só acontece num laivo de segundo. Ainda que, depois deste momento só a dor e o inconformismo nos acompanhem.

Sentimentos e emoções que uma música, um perfume, um rosto nos provocam ou quando, até a visão de uma palafita que o por do sol desenha no céu, em silhueta, que poderia ser real ou estar colada em óleo e cores sobre uma tela. Talvez, até num muro que sirva de proteção para um desvalido sobre o qual um grafiteiro transformou em espelho onde refletiu um poema inteligível, que teimava em atormentar sua mente.

Nestes instantes fragmentados, em que nos alienamos de nós mesmos e derrubamos as fronteiras, entre nós e a sensação ou o objeto da nossa contemplação, é quando ela - a beleza, que ignoramos quando estamos desatentos, preenche nossa vida dos sentidos que buscamos no óbvio, no visível, no objetivo dos objetos ou na utilidade das ações.

A vida e seus desdobramentos, a que chamamos de destino, acontece em fugazes milésimos de segundos. São como estrelas. Sua luz são espectros de uma estrela peregrina que já se perdeu no infinito...

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

"BOM DIA, TRISTEZA!"

Muitos confundem tristeza com depressão. Como a confundem com falta de senso de humor oU mau humor, por sinal, já reconhecido, por algumas correntes da Medicina como doença; confundem euforia com alegria, indiferença com serenidade, apatia com preguiça e, por aí, vai. Quero, entretanto, ater-me à tristeza, a que se cronifica ou tem uma regularidade teimosa. Que pode transformar-se numa doença grave e com desdobramentos mais graves ainda.

Manifesta-se de milhares de formas como, milhares de motivos podem deflagrá-la. Longos silêncios, sentimentos de angustia cujos efeitos físicos são suores, taquicardia, sensação gélida na coluna vertebral, dores no estômago, secura na boca e na garganta. A vontade de ficar mais invisível do que já se sente, acompanhados por um forte sentimento de inadequação que se traduz em não saber como se comportar nos lugares, até sentimentos de rejeição, provocados pela dúvida eterna e atroz em relação aos sentimentos dos outros.

O pior momento para quem está triste é o amanhecer. Um dia inteiro pela frente. Vinte e quatro horas para serem enfrentadas e a insegurança de como lidar com os imprevistos, tão comuns na vida dos “normais”, mas na dos “tristes” assumem proporções catastróficas.

Este texto é dedicado aos tristes porque eles ainda sofrem de um preconceito que tornam seu sofrer um pecado.

Muitas vezes a causa do sofrimento é subjetiva, às vezes tem nome e sobrenome fazendo-os sentirem vergonha diante da impotência, da falta de atitude, dignidade, coragem, ou comodismo que os impedem de dar uma reviravolta na própria vida, ainda que as mudanças lhes tragam perdas que não farão nenhuma diferença na profundidade do abismo em que se encontram. Ninguém, a não ser quem está no “olho do furacão”, imaginário ou real, reconhece que o desconhecido e o novo, causam medo e insegurança. Portanto, todos se sentem no direito de julgá-los. À luz de sua lucidez e de conceitos de felicidade e de direitos, particulares.

Num mundo infestado de violência e doenças, agredido por catástrofes naturais e outras “moléstias” próprias do existir, ser triste por algo indefinido ou por um motivo que, bem ou mal tem solução, ainda que duvidosa, ainda que difícil e dolorosa, causa vergonha e estigmatiza o sofredor.

A felicidade, o sucesso, o bom humor, o alto astral dos “normais” esmagam os tristes, fazendo sentirem-se ingratos por terem acesso a tudo e não valorizar nada.

O trágico resultado são pessoas que se desintegram, expondo de forma equivocada, coberta pelos véus de versões injustas suas dores, em algum momento da vida sentida por todos embora, muitos sejam equipados de um repertório emocional para enfrentá-las ou, uma boa parte delas, nem as reconhecem.

Ao se desintegrarem e se desgarrarem da manada, os tristes isolam-se e negam-se uma possível solução pois, perdem a lucidez e o equilíbrio por detonarem as pontes que poderiam ligá-los às pessoas queridas que fazem parte da uma realidade que, por mais rejeitada que seja, insiste em fazer parte da sua vida.

Sinceramente, não sei qual a solução para os tristes. O mundo está ocupado com a objetividade, com a concretude dos problemas e com a solução fácil para eles. Está triste? Ocupe-se! Religue-se ao divino: ”Deus proverá!”. Tome um antidepressivo que melhora. E não pense! Porque pensar dói, incomoda quem pensa e os que os rodeiam.

Esqueçam, imediatistas! A contagem do tempo dos tristes nada tem a ver com a euforia e a velocidade do resto do mundo. Esqueçam suas idéias e soluções “fast food” roídas pelas traças que destroem até livros de auto-ajuda. Não falem do que não sabem. Os tristes precisam de acolhimento e respeito para sua subjetividade. Seus motivos, se objetivos forem, podem morar nas prateleiras dos sótãos de seu inconsciente, mas sempre escapolem. E em formas contorcidas de dor.

E como doem!

ALICE ROSSINI