Confesso que esta semana foi tão difícil quanto educativa para mim. Constatei, mais uma vez, meu alheamento teimoso quanto a alguns aspectos do lado bom da modernidade. Minha dificuldade não tem raízes na falta de humildade para reconhecer erros, mas nos preconceitos e medos de quebrar paradigmas que me fizeram concluir como, muitas vezes, faço mal uso de algo muito precioso e fugaz - o tempo.
Enquanto toda a mídia do planeta consternava-se com a perda irreparável de Steve Jobs eu me perguntava, perplexa, quem era ele. Meu marido respondeu-me que era o presidente da APPLE, uma das mais vitoriosas e inovadoras empresas do mundo.
Qualquer criança, a grande maioria, já tem intimidade com um computador, poderia conhecê-lo. Concluí, ao mesmo tempo que ainda estava na “Era Analógica”, que as invenções e inovações desta empresa, gestadas do cérebro privilegiado deste homem, mudaram nossa forma de nos colocarmos diante da vida, quebrando a anacrônica e falsamente “romântica”, mas verdadeiramente ultrapassada idéia, que a máquina substitui e desprotege o homem.
Depois de conhecê-lo melhor, claro que me debrucei sobre sua biografia. Descobri que absorvemos muito pouco da sua insana, quanto divina inquietação, apenas as facilidades geniais das máquinas que inventou. Ele foi mais que um Macintosh, um I PFONE, POD ou PED. Ah, descobri também que o “I” que precede qualquer das suas máquinas era a inicial da palavra “Inovation”. Achei a idéia, além de muito boa, justa.
Jobs foi um ser humano da melhor qualidade que, além de inventar e fabricar máquinas, dava-lhes sua verdadeira dimensão por sabê-las substituíveis a um provável e inevitável “insight” da sua luminosa mente.
Mais que um inovador Jobs foi um filósofo, no momento em que a humanidade suplicava por mudanças, pregando o que todos sabemos, por ser óbvio, que a vida humana é efêmera. Por isto falava da morte com a mesma intimidade e naturalidade dos iluminados, já que ela estava mais próxima do seu horizonte do que gostaria: "Há que haver renovação, o velho tem que dar lugar ao novo".
O tempo que viveu na Índia transformou-o num budista, mostrando-nos que para sê-lo não precisa esconder-se da vida, raspar a cabeça e usar túnica ocre. Foi budista no mundo das máquinas, presidindo empresas, mas sem perder sua dimensão humana, sua consciência da transitoriedade de tudo, a humildade e simplicidade, o mais importante preceito do Budismo. Simples assim!
Confesso que, além do medo, escrevo este texto consciente da nossa capacidade de nos apequenar, já que podemos viver desconhecendo nosso verdadeiro tamanho, achando-nos maiores ou menores do que somos. Que podemos estar no mais fundo do poço de qualquer das nossas inúmeras e passageiras angústias, como podemos brilhar tal qual uma estrela, se “seguirmos nossos corações”.
Eu que mal sei ligar um laptop, que associava a robótica apenas a Bill Gates e às minhas dificuldades, embora soubesse que existia uma linha de pensamento e uma intenção por trás das ferramentas da modernidade, inclusive e principalmente, das que vêm para o bem estar do homem, não imaginava quão profunda e simples elas podem ser.
Só o fato de ter a morte como companheira que pode ceifar-nos a qualquer momento, enxergá-la como a mais “importante ferramenta” para nos aproximar da vida, “deixando nosso coração nos comandar”, deveríamos nos tornar indiferentes aos ruídos dos julgamentos alheios porque nós somos, embora agrupados, seres solitários. São nossos olhos que encaramos a cada manhã nos espelhos que teimam em continuar a nos perscrutar e, jamais, como eu, ficar constrangidos por ter deixado o tempo passar sem, pelo menos, saber quem foi e como pensava Steve Jobs. Tão pouco se julgar ignorante por ter tanto a aprender ou medíocre por tantas vezes ser óbvio.
A poetisa brasileira, Adélia do Prado escreveu ao completar quarenta anos, algo que ratifica o que Jobs passou para a turma da Universidade de Stanford, da qual foi paraninfo, a “verdade” que acreditava e que vivenciou sua vida inteira: Sugeriu ele que, além de não se importarem de serem bobos, que continuassem famintos.
Da mente igualmente privilegiada da brasileira brotou :“Da vida, não quero a faca nem o queijo, quero a fome”
ALICE ROSSINI
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9 comentários:
alice, do meu filho, surdo de nascença para Jobs.
Eu, como jornalista de Informática que fui um dia, conheci o polêmico Jobs -- diziam que era um patrão irrascível e cruel. Com a doença, virou outro.
De qualquer modo, agradeço a ele a preocupação com cegos e surdos
Oi, Alice.
Desconsidere a falta de originalidade, mas adorei seu texto...Fazer o quê??? Como sempre, vc aborda aspectos que não são cogitados por boa parte da mídia. É o caso, por exemplo, da questão da proximidade da morte. Tem que ser muito sábio pra lidar com isso. E sábio, no sentido mais profundo da palavra, parecia que o Steve Jobs era.
Alice,
Comovente sua "culpa" por não conhecer Steve Jobs. Acho que ele é que deveria conhecer uma pessoa tão simples e desprovida das vaidades normais para declarar-se, publicamente, ignorante em alguma coisa.Sua auto-crítica é muito severa!(risos) Alguém com sua sensibilidade não deve nada a ninguém, por mais informado e genial que se ache.Muito poucos escreveriam um texto tão singelo, bonito e honesto quanto o seu.
Mais uma vez, parabéns!
Ter sido contemporânea de Jobs é legal mas o mesmo pode-se dizer de Alice, que sem exigir reconhecimento ou fama, verte sua simplicidade e sua fome de vida para o mundo de forma sensível e generosa.
Obrigada por permanecer conosco!
Rita Rossini
Que coisa! Num mundo onde a vaidade e a arrogância é a tônica,alguém, tão humildemente, se dizer ignorante em assunto que considera relevante é que é genial. Relevante é sua coragem e sua sensibilidade.Não precisa desculpar-se por não saber o que, voce acha, todos conheciam. Mas o aspécto que voce enxergou, muito poucos conseguiram, lhe garanto.
Viva a humanidade da qual, voce é uma maravilhisa representante. Continue nos presenteando com a exposição dos seus sentimentos.
Conheço muitos "experts" em informática e toda a parafernália tecnológica. Como conheço pessoas como voce, que refletem sobre si e prestam atenção às pessoas e ao mundo com suas misérias e suas maravilhas. Acho que os dois tipos são necessarios para que a vida continue. Mas, sem reflexões, nem Steve Jobs faria a humanidade chegar onde chegou. Ainda falta muito mais gente como voce para redirecionar o que chamamos de "avanço". Portanto, não se preocupe com "certas omissões". Importante é saber pensar.
Ouvi falar de Steve Jobs, mas não sabia da sua personalidade carismática. Bom que voce divulgou que não o conhecia, pois assim, fez muita gente interessar-se pelo que ele tinha de mais interessante. Como voce escreve, uma "inquietação"criativa que mudou o mundo.
Obrigada e parabéns
Para falar a verdade só conhecia Steve Jobs como dono da Apple. Mas do jeito que voce me apresentou, me pareceu um ilustre desconhecido. Adorei sua humildade em reconhecer um tipo de "ignorância" de forma tão simples e bonita. Se voce não é ligada em informática, que mal há nisso? Feio é ser arrogante e vaidosa. Voce está longe de ter uma destas características.
Parabéns pelo texto e fiquei encantado pela confissão (risos)
UMA MANIFESTAÇÃO HONESTA E RARA NOS DIAS DE HOJE. DIANTE DE TANTA HUMILDADE O TEMA DO TEXTO FICOU IRRELEVANTE. SERIA MUITO BOM QUE TODOS NÓS TIVÉSSEMOS ESTA POSTURA DIANTE DO QUE NÃO SABEMOS:SIMPLESMENTE PERGUNTA E SEM NENHUM CONSTRANGIMENTO DIVULGA, FALANDO SOBRE O QUE POUCAS PESSOAS CONSEGUEM ENXERGAR.
MUITO BOM!
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