terça-feira, 28 de janeiro de 2014

PEDRO, MEU NETO


Você não imagina as infinitas formas, por mim sonhadas, de como aconteceria o nosso primeiro encontro. Nem como muda a noção de tempo quando sabemos que, em outro sagrado ventre, está sendo gestado o filho do seu filho. O caminho entre a excitante expectativa do plantio, até a euforia da colheita, passa por uma espera povoada pelo desejo de que o fruto seja suculento, porque o precedeu, o milagre da flor, na qual, foram depositados fragmentos de vida que completam o encanto de tudo que amadurece naturalmente. Nesta árvore o fruto prescinde de seleção, porque gerado sob o signo do amor e da aceitação. A existência só acontece porque nada se fecha. Há vontades, desejos, completude. Mãos que se entrelaçam, cuidam, amparam, recebem, acariciam.
No espaço, onde me aliei ao tempo, construí um calendário virtual no qual, amorosamente, registrei o desenvolvimento do seu corpo material e, nas tentativas de transcendência para planos superiores desejei o aperfeiçoamento do seu corpo sutil e do seu equilibrio emocional. Ouvi o “tum tum” do seu coraçãozinho batendo, quase no mesmo compasso do meu, quando a emoção me pega “de jeito”. Contei seus dedinhos e, embevecida, contemplava suas perninhas em formação, que vão me fazer correr pelas praças da vida, quando sua vitalidade infantil alimentará minha vontade de continuar por aqui. Enquanto isto, me preparo para responder os “porquês”, produzidos pela sua imaginação e curiosidade. Mais tarde, levado pelas descobertas, ultrapassará as misteriosas portas da adolescência, correrei, então, atrás dos seus pensamentos, tantas vezes desordenados e sempre cheios de dúvidas irrespondíveis.

Pois é, Pedro foi nos braços do seu pai que o vi pela primeira vez, igual a quase todas as avós. Entretanto, a emoção que senti foi completamente diferente da que imaginei. Desigual, tanto nas subjetividades, quanto na substância, a qualquer uma que já vivenciei em toda minha vida. Uma sensação inigualável conseguiu emoldurar o quadro, no qual, coberto pelos aparatos cirúrgicos vi as mãos que lhe seguravam com a delicadeza firme de quem tenta reter uma nuvem que, a qualquer momento, poderia evaporar ou como quem carrega uma peça de cristal puríssimo e frágil.

Reconheci no olhar do meu filho um brilho quase infantil, que passeava entre o sonho e a crença, diante de um milagre que se apresentava com a força da realidade. Confesso, meu querido, que meu raciocinio, diante daquele momento indizível, indicava que, enquanto seu pai lhe carregava, você carregava seu pai e os dois sustentavam a leveza do imenso amor que me invadia e que possuía o peso do sentido de toda minha vida.

Naquela sala, que reunia olhares ansiosos, havia outros avós, mas somente um olhar, entre mãe e filho formava uma corrente, não importando quanto fugaz me pareceram aqueles minutos e quão desnecessário o vidro que, ao invés de nos separar, aproximava-nos, dando significados àquele momento. Seus olhos abertos pareciam procurar os detalhes desorganizados naquele pequeno mundo recém - apresentado.

Enquanto isto, já vigilante, eu pensava: “Você é Pedro, nome que significa pedra. Um diamante garimpado ao longo da vida para ser burilado com o esmeril do amor, do comprometimento e da responsabilidade, para possuir luz própria". Brilho que iluminará os caminhos onde outras pedras existirão. Muitas delas servirão de alicerce para sua vida, algumas serão observadas para evitar que lhe impeçam de caminhar, outras continuarão, pois, tropeçando aprenderá a defender-se das próximas. Quanto às mais perigosas, rezarei aos deuses da Sabedoria para que as supere e aos da Bondade, que lhe ajudem a estar atento, separando as que terá que carregar e evitar as que lhe machuquem mais que o necessário, somente o suficiente para que você seja uma pessoa generosa, humilde e serena.

Como, ainda, não sabe como “funcionam” os avós, adianto-lhe a certeza que lhe ajudarei, sempre, a tornar seus caminhos mais amenos. Se este mundo fosse meu, “eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pra ver, só pra ver Pedrinho passar”...

Sabe Pedro, vovó um dia foi neta, a primeira, como você. Breve entenderá o poder desta corrente amorosa que liga as pessoas. Você tem o privilégio de possuir quatro avós, uma bisavó e dois bisavôs. Sua corrente, além de forte, é longa. Minha história foi marcada pelo privilégio de ter uma avó que me aguardava nas férias com uma coleção de bonecas de pano “fabricadas” por ela, e um cesto onde colecionava pequenos retalhos coloridos, para cobri-las de lindos vestidos. À luz de um candeeiro que desenhava sombras nas paredes, minha cabeça sonolenta acomodava-se no aconchego do seu colo, onde todos os dias me ninavam as mesmas histórias, povoadas de fadas, monstros, lobos e outros seres encantados. Tudo pura imaginação, convivendo com momentos que tomavam as formas da verdade. O som do ranger das pesadas rodas de madeira, de carros arrastados por bois, que vendiam leite nas portas centenárias das casas de portas e janelas verdes e paredes brancas de uma cidade que, um dia, o levarei para conhecer.

Lá, sinos convocavam pessoas para a Missa do Galo, jeito mágico, como há muitos anos, celebrávamos o Natal. Estes sons retive-os nas lembranças e, até hoje, me levam àqueles momentos onde aconchego, disciplina e simplicidade formavam a equação que foram sedmentando, nas poucas certezas que ainda tenho, a necessidade e o direito de amar e sentir-se amado.

Ainda neta, fui mãe e devolvi ao seu pai o privilégio “daquela” figura mágica e lúdica, em versões contemporâneas, mas com os mesmos exageros na quantidade e na qualidade de amor adocicado, que só as avós possuem. Vó Ariadne e vó Lucia servirão de inspiração para que consiga enfeitar seu existir de sonho e fantasia. Através de seus exemplos, tentarei ser doce e moderna, esforçando-me, com vovó Eliete, a ensinar sua imaginação a bater asas para além do óbvio, onde o infinito é o limite do vôo, encorajando-lhe à inquietar-se diante dos mistérios da vida, a nunca abrir mão de ser livre e jamais ficar indiferente diante de uma injustiça. Procurarei ser carinhosa na infância, acolhedora na adolescência e testemunha participativa nas circunstâncias que a vida o obrigará a enfrentar.

Hoje, lhe recebendo em minha vida, filho do meu filho, meu neto esperado desde sempre, meu sonho sonhado através de vivências felizes, que me fizeram perceber a importância da harmoniosa convivência entre aqueles retalhos coloridos que o tempo reuniu em reminiscências inesquecíveis, ensinaram-me que certos amores não têm começo nem fim, simplesmente existem.

Por hora, me situo entre a fantasia e a realidade, vivendo esta experiência onde se reaprende a importância dos detalhes, dos cheiros, dos sons. Sinto as sensações de cada minuto que desfila na minha frente, lenta e atentamente, despido daquela pressa “boba” da juventude quando olha para as interrogações do futuro. Este papel é de mãe e pai. À sua mãe, matriz que tornou meu sonho realidade, minha eterna gratidão e o meu mais profundo afeto.

Avós, ao contrário, vivem todas as sérias tolices do presente. Embora falante, meu espírito recolheu-se a um silêncio contemplativo, aprendendo que a vida acontece a cada segundo em que a construímos e que, coração não tem tamanho. Quanto mais vive, mais aprende a amar.

P.S. Este texto só foi totalmente concebido, no dia 27 de janeiro, quando Pedro completou 1 mes de vida.

ALICE ROSSINI