terça-feira, 24 de agosto de 2010

NO REINO DE PIRRO

O ser humano é movido pela vontade, pelo desejo e, antes de qualquer coisa, pela necessidade. Como já havia escrito em algum texto.

A depender do temperamento de cada um, estas vontades são sempre atendidas e nos faz usar métodos diversos, que vão da imposição à conquista mansa, ancorada na razoabilidade e na legitimidade do que é desejado ou, na manipulação em que a “vítima”, se é que pode sentir-se vitima alguém que não tem força para fazer valer seus direitos, por comodismo, oportunismo ou covardia.

Entretanto, existem categorias sociais, cuja fragilidade histórica não as dota de mecanismos capazes de atender suas vontades e as necessidades que as geraram. Precisam da tutela do Estado no que se refere às leis, e da educação que as faça sentir-se cidadãos com direitos reconhecidos.

Mas, não é tarefa fácil viver de acordo com nossas vontades, convicções e valores porque existe o "outro" que, não raro, contrapõe-se a elas. Daí os conflitos, os explícitos e os que ocorrem nos bastidores da vida de cada um de nós.

O egoísmo e o recrudescimento do autoritarismo fazem com que muitos ignorem que todos tem necessidades paridas pela força da vontade. Quando este embate ocorre socialmente, a correlação de forças que equilibra a balança define quanto e quais vontades devem sofrer intervenções reguladas pelo Estado, cujos governos, quando eleitos pelo povo, as legitima. As sociedades democráticas contam com mecanismos que denunciam seus desequilíbrios: as leis que tem como função garantir a equidade, assim como o debate político, os movimentos e os pactos sociais todos, tendo a justiça como meta a ser assegurada.

Mas, quando o enfrentamento ocorre entre quatro paredes, entre parceiros, entre pais e filhos ou até entre amigos o confronto assume características específicas, porque as armas são subjetivas. Ganha a “guerra” quem, além de mais forte emocionalmente, internalizou e utiliza técnicas que manipula o outro na forma de lidar com empecilhos até os que usam o dinheiro como fator de submissão.

Não fosse o homem dotado de vontade estaríamos na Idade da Pedra. Além do reconhecimento de que, para garantir nossa sobrevivência e o atendimento de nossas necessidades, precisamos que nossas vontades sejam atendidas de forma a intervir na realidade de forma positiva promovendo, assim, a dinâmica da vida.

A vontade nos move para frente, quando a causa que abraçamos nos aproxima ou para trás, quando a causa nos aparta uns dos outros. O resultado é análogo à “Vitória de Pirro”, expressão utilizada para uma conquista obtida a alto preço, potencialmente causadora de prejuízos irreparáveis.

Mas, o homem além de dotado de vontade também lhe é intrínseca a vocação pela liberdade. E o conceito de liberdade aqui é amplo. Liberdade que dá acesso irrestrito a todos os direitos e jamais assume caráter excludente. Portanto, tudo que a cerceia é rechaçado com revolta e indignação. De nada adianta mantermos pessoas ou povos em cativeiros porque, se a reação não for imediata, o confinamento da vontade vai minando sua verdadeira natureza e a revolta, mais cedo ou mais tarde eclode pela pressão das mãos carentes do desamor e enrijecidas pela magoa.

A revolta corroi, mas fortalece as vítimas. O algoz que até então se achava vitorioso, assume a personalidade do Rei Pirro, cujo exército sofreu perdas irreparáveis após derrotar os romanos nas Batalhas de Heracléia e de Ásculo em 280 e 279 A.C., respectivamente.

Ainda que estejamos em 2010 D.C. tanto já evoluímos quanto retrocedemos. Se pensarmos nas relações como um espaço onde possamos fazer com que nossas vontades se confrontem e do confronto se encontrem, onde nossos desejos "dialoguem", não mais sofreremos com o regozijo ilusório diante de derrotas travestidas de vitórias.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 17 de agosto de 2010

SAUDADE

No Aurélio a palavra SAUDADE é definida como “lembrança melancólica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa(s) ou coisa(s) distante(s) ou extinta(s)”

Li e reli a definição e achei-a burocrática e deficiente diante do turbilhão de sentimentos que experimenta uma pessoa quando diz sentir saudade. Mas, ainda assim, decidi desafiar o idioma e buscar dentro de mim, primeiro a motivação para falar sobre algo tão abstrato e inquietante quanto difícil de atender aos anseios e responder à percepção de quem o experimenta. Segundo, porque é um sentimento controverso, que muitos só o relacionam a algo negativo e outros o cultivam e o alimentam como se fosse uma seiva que as mantém vivas.

Sem querer fugir da resposta que propus responder-me referente à minha motivação sobre o assunto, o que me ocorre inicialmente é que qualquer sentimento manifesta-se, também, fisiologicamente. Nosso corpo é o espelho das nossas emoções. Das contrações musculares que podem atingir o mais importante dos músculos - o coração - adoecendo-o o ou fortalecendo-o até sorrisos, lágrimas ou o silêncio. Estes últimos podem ser confundidos com significados que não correspondem à verdade de quem os manifesta. Alguém pode estar a ouvir uma música que a remeta a uma situação que lhe traga felicidade ou muita tristeza. O silêncio pode ser uma forma de defender-se do sentimento, negando-o ou cultivando-o preservado, emudecido e sonolento na memória. Tanto o sorriso pode iluminar a lágrima, quanto a lágrima pode dar muitos significados ao sorriso. Podem estar de mãos dadas ou serem motivados por sensações contrárias.

Por estas e outras razões a saudade é um sentimento que possui um véu que tanto a desnuda quanto a revela. Portanto, jamais alguém deveria evitá-la. Quando decidimos que não queremos sentir saudade de alguém ou de algum momento, excluímos ou matamos mais uma vez a pessoa ou apagamos e negamos o momento que vivemos e faz parte da nossa vida que jamais deve ser mutilada, nem pelo esquecimento nem pela inutilidade de ser negada.

Resgato a saudade como um sentimento que só o experimenta quem um dia viveu o que lhe deu prazer ou com quem amava. Saudade pode ser um sentimento forte, que invade todos os nossos sentidos, mas jamais devemos evitá-la sob pena de apartar do passado o único elo que nos une às pessoas, sensações e tudo mais que acompanha os melhores momentos das nossas vidas.

ALICE ROSSINI

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

TEORIA PRATICADA

Decididamente sou uma mulher de extremos. Imprevisível e um tormento para quem comigo convive. Acordo mal humorada mas, nada impede que um que um tolo motivo me deixe eufórica e até, docemente feliz. Ou, uma razão boba e passageira possa transformar minha vida numa tragédia grega.

Há poucos minutos comi um biscoito para afastar o tédio, pois me pareceu que adoçar a boca com alguma guloseima poderia ser uma solução. Repentinamente, olhei para minha mesa de centro e nela vi uma orquídea que sobrevive desde o inicio do mês, homenagem de uma amiga pela formatura do meu filho.
Pois bem, a beleza da flor conseguiu transcender seu significado emocional de estar ligado ao evento que provocou a homenagem. Imprevisível, em vez de focar minhas emoções na saudade que as ausências dos meus filhos provocam, fiquei encantada pela perfeição da flor. Isto me fez feliz e carregou meu olhar para fora, além da varanda, quando vi a chuva caindo do céu róseo de água e, minutos depois flagrei uma estrela fugitiva e solitária que espreitava a Terra através da nesga, entre uma nuvem e outra.
Este fenômeno que deve se repetir milhares de vezes fez com que me achasse irremediavelmente feliz e só enxergasse o lado bom e belo da vida.

Continuei admirando o jambeiro, o vizinho que enfeita o lado de fora da minha varanda e que uma vez por ano chora flores cor de rosa. Lembrei-me dos macaquinhos que ignoram o perigo dos fios de alta tensão que, tais bailarinos equilibristas correm saltitantes e seguros de um lado para outro, insensatos, desafiando a vida.

Confesso que fiquei encantada com meu próprio encantamento diante de fatos tão prosaicos. Ah, esqueci-me dos morcegos que dão vôos rasantes sobre nossas cabeças invadindo nossa sala e provocando gritinhos de pavor, desconfiados da precisão dos seus planos de vôo e da competição surda que acontece entre os beija-flores e as abelhas, pelo néctar de água com açúcar que lhes disponibilizamos na nossa varanda.

Ainda ontem, tivemos todos os nossos filhos reunidos em nossa casa, hoje vazia. Mas, através deles calculei nosso potencial de multiplicação e a certeza que um dia ainda se lembrarão destas singelas reuniões de família, onde ninguém quase conversa com ninguém, mas os corações registram a presença de todos.

O olhar que fez com que me deliciasse com coisas realmente significativas é o mesmo olhar que me faz infeliz com coisas insignificantes e, sabidamente passageiras. Infelizmente nossa miopia emocional não discerne esta diferença. Por isto sofremos.

Esta "gangorra" emocional em que vivo é o que alimenta, fortalece e embeleza o que vejo, quando estou lá no alto inebriada e iludida,certa de que ela permanecerá imóvel, Ou, quando estou cá embaixo e tenho a convicção da força que me é inerente e que me impulsiona, às vezes contando comigo mesma, para o vôo que me elevará para onde possa ver a beleza da floresta inteira em vez de cada árvore com suas imperfeições.

Acho que esta “confusão” que, sem pudor explicito é que faz de mim o que realmente sou. Sem preocupações em parecer o que deveria ser.

ALICE ROSSINI

sábado, 7 de agosto de 2010

"O ELOGIO DA CEGUEIRA"

Tenho como principio não falar sobre política partidária no Verso & Reverso. Sei que bastante discutível, uma vez que o BLOG se propõe a tratar sobre assuntos diversos. Embora não impeça que seus colaboradores o façam, reservo-me o direito de ser fiel ao principio referido acima.

Entretanto, uma atitude do Presidente Lula, até prova em contrario humanitaria, na qual pede ao Presidente do Irã, Mahmoud Armadinejad que vá de encontro a um costume, cruel é verdade, mas que faz parte da cultura iraniana, que mata por apedrejamento mulheres que adulteram, tendo, antes, seus corpos enterrados até o pescoço, me fez abrir uma exceção para fazer alguns questionamentos.

Por uma questão lógica, um castigo tão severo não deve incentivar muitos adultérios. Até porque os princípios religiosos e culturais coíbem esta prática naquela cultura. Mas, durante toda historia dos povos islâmicos quantas mulheres sofrem estes e outros castigos, por adultério ou outras “contravenções”, a ponto de atearem fogo às próprias vestes, buscando na morte alternativa para a vida miserável a que são submetidas?

Que circunstâncias diferenciam Sakineh Mohammadi Ahsitiani, das “Elizas Samudios” que tornam cada vez mais elevada a montanha de cadáveres de mulheres, vítimas de violência no Brasil e no mundo? O que tem de especial esta iraniana das outras iranianas que morreram e vão morrer vítimas de atrocidades iguais ou piores do que esta, por “subverterem” os costumes ou por, simplesmente, irem de encontro às leis da natureza, envelhecendo?

Por que tanta compaixão do Presidente Lula? Ser parceiro comercial do Irã o leva pensar que Armadinejad iria contra um costume do seu povo, no qual vê justiça e pouparia da morte a mulher adúltera? Fatos como este acontecem no Irã cotidianamente, assim como as Delegacias de Mulheres em todo o Brasil recebem milhares de queixas de violência até que hottweiler's famintos de fim aos seus corpos mutilados.

Será que tanta preocupação com os problemas mundiais fez o nosso Presidente esquecer-se que foi reeleito para continuar a resolver os nossos problemas, que são muitos e passam, também, pela violência? Nego-me acreditar que o interesse pela vida desta pobre mulher tenha interesses políticos e econômicos. Esta dúvida pode tornar-se cruelmente crível de que os homens só agem em pró de outros homens quando movidos por interesses que os excluem!

Num país onde há 10 anos um jornalista famoso, réu confesso, matou com um tiro nas costas uma namorada que cometeu o erro de terminar o namoro, responde pelo crime em liberdade, por que o cidadão Luiz Inácio não usa das suas prerrogativas de Presidente da República para “agilizar” o processo? Pilhas de recursos se arrastam pelos tapetes mofados e dormem empoeirados nas gavetas entulhadas da Justiça. Por que uma instituição que se diz cega por achar-se equânime, não cumpre, enfim, seu papel e a morte desta mulher seja punida?

Achará o Presidente brasileiro que salvando a vida de uma iraniana vai redimir os sofrimentos milenares de todas as mulheres que vivem em culturas, onde a discriminação contra elas é institucionalizada?

Presidente, um titulo de defensor de causas humanitárias lhe cairia muito bem e talvez lhe fizesse merecedor de um cargo na ONU se, nosso país não estivesse ocupando o honroso oitavo e o terceiro lugares em desigualdades no Mundo e na América Latina, respectivamente.

ALICE ROSSINI

domingo, 1 de agosto de 2010

NO FUNDO DO POÇO MAS, OLHANDO AS ESTRELAS

Alguns dos leitores assíduos deste Blog devem estar achando estranha a minha ausência. Não porque sintam falta dos meus talentos literários, os quais são de gosto duvidosos até mesmo para mim, mas, talvez, pela falta da minha irreverência e esta mania que tenho de “cutucar com vara curta” assuntos por muitos conhecidos mas por poucos comentados. Eu normalmente tenho coragem de sobra para me aventurar a falar de assuntos mais atrozes. Se bem que a coragem e uma faceta que me fica bem devido ao meu tamanho. Devo reconhecer que também é uma característica dos inocentes, infantis ou até mesmo ignorantes inconsequentes.

Mas não é sobre o que eu sou ou deixo de ser que estou aqui. Hoje vou lhes contar a última sacanagem que a natureza me está preparando. Justo eu que sou tão defensor de seus direitos e valor.
Depois de nascer, crescer, estudar, namorar, competir, viajar, trabalhar, amar, beijar, casar, fecundar, construir, educar, torcer, discutir, afagar, viajar de novo, ufa!... Logo agora, quando me preparo para me aposentar e passar os anos vindouros, segundo meus planos originais num sonho acalentado desde a infância, viajando pelo mar, costurando a costa do nosso belo País, estou ficando cego da vista esquerda.

Ainda não é definitivo e não o será até que eu esgote a última opção ou alternativa, mas o processo de deterioração da córnea está galopante. O meu médico diz que faltam muitas etapas para que seja dado um veredicto sobre o final desta troca de tapas com a Mãe Natureza. Já avaliei que na pior das hipóteses, sempre terei o outro olho, o direito.

Mas visão não é testículo. Todo homem quando muda de posição em determinada situação, tem o grosseiro gesto de passar a mão "nas partes" num gesto instintivo para conferir se não perdeu nenhum deles. Às vezes só sente um e se põe a tatear procurando a outro que migra a seu bel prazer para algum canto. Mas, testículos são como as chaves do carro. Podemos até não saber onde estão no momento, mas sempre as encontramos.

A visão não, quando nossos olhos perdem a capacidade de absorver a luz, já era! Só me resta ser otimista. É isso aí! Otimista!

O pessimismo é no varejo e no atacado no jogo da incerteza. Nunca poderei perder neste jogo. É a única visão da vida na qual eu nunca poderei me desapontar. Depois de decidir o que fazer, na pior das circunstâncias, quando o melhor chegar, como deverá chegar, a minha vida se tornará uma brincadeira de criança. Não quero que o desapontamento repentino da minha esperança deixe uma cicatriz tão profunda, que a realização máxima do meu sonho nunca seja capaz de remover.

Depois de receber a notícia, a raiva e a revolta me assaltaram de uma forma silenciosa. Queria vingança, queria justiça. Lei do Talião, olho por olho e dente por dente.

Mais calmo, tomo consciência de que essa justiça só me levaria a mais cegueira. Enfim, os filhos da cegueira são o ódio e a desconfiança. Então, só me resta esperar pelo melhor já que ser cego não é ser miserável. Não ser capaz de conviver com a cegueira é que me tornará pobre, vazio e inútil. Vou pagar pra ver, com afinco, com força e com o meu bom humor de sempre. Com ele eu poderei suavizar alguns das piores etapas que a Natureza me fará ulptapassar antes vencê-la.

E, se não puder cumprir com o meu sonho de marinheiro viajando pela costa do Brasil irei a outros lugares. Certamente, Brasília será o meu preferido, quando lá vou, sinto-me mais do que nunca, juntinho ao meu dinheiro tão arduamente suado!

Quantos ao meu redor são cegos mesmo vendo? Porque vem todos os dias iguais uns aos outros. Todos os dias são diferentes e cada um traz consigo um milagre próprio de criação e sentimentos em minha vida. Não precisamos do sentido da visão para sentir estes milagres a cada dia que acontecem.

E se o mal for inevitável preferirei sentir assim, a ver as coisas como elas não o são.

FERNANDO TROVADOR