quinta-feira, 12 de agosto de 2010

TEORIA PRATICADA

Decididamente sou uma mulher de extremos. Imprevisível e um tormento para quem comigo convive. Acordo mal humorada mas, nada impede que um que um tolo motivo me deixe eufórica e até, docemente feliz. Ou, uma razão boba e passageira possa transformar minha vida numa tragédia grega.

Há poucos minutos comi um biscoito para afastar o tédio, pois me pareceu que adoçar a boca com alguma guloseima poderia ser uma solução. Repentinamente, olhei para minha mesa de centro e nela vi uma orquídea que sobrevive desde o inicio do mês, homenagem de uma amiga pela formatura do meu filho.
Pois bem, a beleza da flor conseguiu transcender seu significado emocional de estar ligado ao evento que provocou a homenagem. Imprevisível, em vez de focar minhas emoções na saudade que as ausências dos meus filhos provocam, fiquei encantada pela perfeição da flor. Isto me fez feliz e carregou meu olhar para fora, além da varanda, quando vi a chuva caindo do céu róseo de água e, minutos depois flagrei uma estrela fugitiva e solitária que espreitava a Terra através da nesga, entre uma nuvem e outra.
Este fenômeno que deve se repetir milhares de vezes fez com que me achasse irremediavelmente feliz e só enxergasse o lado bom e belo da vida.

Continuei admirando o jambeiro, o vizinho que enfeita o lado de fora da minha varanda e que uma vez por ano chora flores cor de rosa. Lembrei-me dos macaquinhos que ignoram o perigo dos fios de alta tensão que, tais bailarinos equilibristas correm saltitantes e seguros de um lado para outro, insensatos, desafiando a vida.

Confesso que fiquei encantada com meu próprio encantamento diante de fatos tão prosaicos. Ah, esqueci-me dos morcegos que dão vôos rasantes sobre nossas cabeças invadindo nossa sala e provocando gritinhos de pavor, desconfiados da precisão dos seus planos de vôo e da competição surda que acontece entre os beija-flores e as abelhas, pelo néctar de água com açúcar que lhes disponibilizamos na nossa varanda.

Ainda ontem, tivemos todos os nossos filhos reunidos em nossa casa, hoje vazia. Mas, através deles calculei nosso potencial de multiplicação e a certeza que um dia ainda se lembrarão destas singelas reuniões de família, onde ninguém quase conversa com ninguém, mas os corações registram a presença de todos.

O olhar que fez com que me deliciasse com coisas realmente significativas é o mesmo olhar que me faz infeliz com coisas insignificantes e, sabidamente passageiras. Infelizmente nossa miopia emocional não discerne esta diferença. Por isto sofremos.

Esta "gangorra" emocional em que vivo é o que alimenta, fortalece e embeleza o que vejo, quando estou lá no alto inebriada e iludida,certa de que ela permanecerá imóvel, Ou, quando estou cá embaixo e tenho a convicção da força que me é inerente e que me impulsiona, às vezes contando comigo mesma, para o vôo que me elevará para onde possa ver a beleza da floresta inteira em vez de cada árvore com suas imperfeições.

Acho que esta “confusão” que, sem pudor explicito é que faz de mim o que realmente sou. Sem preocupações em parecer o que deveria ser.

ALICE ROSSINI

11 comentários:

IZABEL disse...

Alice,
desnudar-se é ter a coragem de enfrentar os “apedrejamentos” assim como acolher os “afagos”.

Quando optamos por exercer um comportamento libertador, pautando as nossas ações numa teoria praticada, ou teoria do uso, saímos da zona de pseudo-conforto, saímos de um discurso que chamamos, de “teoria proclamada” rumo a descobertas e conquistas infinitas.

Parabéns, o texto tem a sua digital! Adorei!
Beijinhos,
Bel

Penha Castro disse...

Voce tem a rara coragem de falar de voce como quem fala do vizinho, seja ele amigo ou desafeto. E quanta poesia para falar de coisas simples e que a todos atinge. Neste texto voce se superou em auto conhecimento, sinceridade e na beleza da forma em que demonstrou tudo isto. Menina, faça uma coletânea destas crônicas e organuze um livro!

RICARDO FARIAS disse...

QUE TEXTO LINDO, ADOREI. MULHERES SÃO ASSIM MESMO, INSTÁVEIS, INSATISFEITAS, PRINCIPALMENTE AS INTELIGENTES E TALENTOSAS.

NETO disse...

No fundo, o que vistes na flôr é a manifestação da Divindade criadora do nosso Universo.

Penso que seja uma forma de vc se dedicar mais ao seu lado espiritual.
Neto.

Aparecida Matos disse...

Uma poesia ou uma prosa poética? Encantada fiquei eu em ver tanta beleza em "fatos tão prosaicos". O que Ricardo escreveu acima, como se esta maneira de ser fosse "coisa de mulher" eu interpreto como uma visão da vida como ela é, com fatos importantes ou não mas, todos nos atingem. Este impacto é que cada um sente como pode com base no que é.
PARABENS!

Marco Rossini disse...

Alice

Voce foi muito verdadeira neste texto.Voce é isto mesmo, deliciosamente imprevisivel, perigosamente inteligente e lindamente sonhadora. E nesta gangorra em que voce diz que vive me leva, algumas vezes ao tormento mas, na maioria da vezes ao paraíso.
Parabéns, fui testemunha do momento em que voce escrevia este texto.Só voce consegue enxergar as coisas desta forma

IZABEL disse...

Cunhado!!!
este comentário mais que um elogio é uma confissão de amor - que lindo!!

Bjss,
bel

Anônimo disse...

Mulher é como a lua, tem fases e deve ser respeitada. O mundo seria muito chato se todos os dias fossem iguais e se todas as pessoas so fizessem o que esperamos delas.Pobre de quem vive com alguem ruim ou sem sensibilidade. Viva a diversidade e as mudanças de humores da mulheres!!
p.s. a sua voce transforma em poesia, sorte sua

LÚCIA disse...

Alice,
O texto, em seu blog, sobre o “caso” da iraniana, reportou-me a um provérbio grego que diz:
“Perante a Lei de Deus, três classes de pessoas erram:
1. As que não sabem e não perguntam;
2. As que sabem e não ensinam;
3. As que ensinam e não praticam."

O conteúdo encaixa-se, perfeitamente, na posição assumida pelo “Exmo. Sr. Presidente, embora tenha dúvidas se ele sabe algo que mereça ser ensinado.

Acho, perfeitamente, que seu texto nada tem de partidário e mesmo que tivesse, estamos num país democrático, onde expressar opinião, de forma educada como você o fez, é direito de todo cidadão.

Realmente, ele, (o Presidente) devia indignar-se, debruçar-se e resolver os problemas internos do Brasil, pois ele teve oito anos para fazê-lo, como prometeu ou, pelo menos, minimizá-los.

Todos os comentários que ouvi de renomados cientistas, conhecedores de políticas internacionais, são unânimes em posicionamentos contrários às indevidas intromissões da “diplomacia” brasileira, próprias de que só deseja aparecer, indiferentes aos rituais estabelecidos.

Entendi que seu objetivo foi, apenas, focalizar a discriminação que a mulher vem sofrendo há milênios. Até para ser criada, precisou da “costela” do homem...

Parabéns, filha. Vamos à luta!!

AMANDA disse...

Nunca vi descrição tão linda de um momento que poderia passar despercebido. Sua sinceridade desconcertante é a sua marca. Quando voce a alia à poesia, comove.
Parabéns!
p.s. pode ser estereótipo mas, todo artista é confuso(risos)

ZEUS disse...

Estive viajando, mas percebi que voce continua criativa e produzindo coisas lindas, sérias e reflexivas. Já me atualizei e ratifico minha opinião sobre sua produção que ja poderia ser transformada num livro. Como os livros estão eletrônicos, acho que voce ja escreveu e continuará escrevendo