domingo, 1 de agosto de 2010

NO FUNDO DO POÇO MAS, OLHANDO AS ESTRELAS

Alguns dos leitores assíduos deste Blog devem estar achando estranha a minha ausência. Não porque sintam falta dos meus talentos literários, os quais são de gosto duvidosos até mesmo para mim, mas, talvez, pela falta da minha irreverência e esta mania que tenho de “cutucar com vara curta” assuntos por muitos conhecidos mas por poucos comentados. Eu normalmente tenho coragem de sobra para me aventurar a falar de assuntos mais atrozes. Se bem que a coragem e uma faceta que me fica bem devido ao meu tamanho. Devo reconhecer que também é uma característica dos inocentes, infantis ou até mesmo ignorantes inconsequentes.

Mas não é sobre o que eu sou ou deixo de ser que estou aqui. Hoje vou lhes contar a última sacanagem que a natureza me está preparando. Justo eu que sou tão defensor de seus direitos e valor.
Depois de nascer, crescer, estudar, namorar, competir, viajar, trabalhar, amar, beijar, casar, fecundar, construir, educar, torcer, discutir, afagar, viajar de novo, ufa!... Logo agora, quando me preparo para me aposentar e passar os anos vindouros, segundo meus planos originais num sonho acalentado desde a infância, viajando pelo mar, costurando a costa do nosso belo País, estou ficando cego da vista esquerda.

Ainda não é definitivo e não o será até que eu esgote a última opção ou alternativa, mas o processo de deterioração da córnea está galopante. O meu médico diz que faltam muitas etapas para que seja dado um veredicto sobre o final desta troca de tapas com a Mãe Natureza. Já avaliei que na pior das hipóteses, sempre terei o outro olho, o direito.

Mas visão não é testículo. Todo homem quando muda de posição em determinada situação, tem o grosseiro gesto de passar a mão "nas partes" num gesto instintivo para conferir se não perdeu nenhum deles. Às vezes só sente um e se põe a tatear procurando a outro que migra a seu bel prazer para algum canto. Mas, testículos são como as chaves do carro. Podemos até não saber onde estão no momento, mas sempre as encontramos.

A visão não, quando nossos olhos perdem a capacidade de absorver a luz, já era! Só me resta ser otimista. É isso aí! Otimista!

O pessimismo é no varejo e no atacado no jogo da incerteza. Nunca poderei perder neste jogo. É a única visão da vida na qual eu nunca poderei me desapontar. Depois de decidir o que fazer, na pior das circunstâncias, quando o melhor chegar, como deverá chegar, a minha vida se tornará uma brincadeira de criança. Não quero que o desapontamento repentino da minha esperança deixe uma cicatriz tão profunda, que a realização máxima do meu sonho nunca seja capaz de remover.

Depois de receber a notícia, a raiva e a revolta me assaltaram de uma forma silenciosa. Queria vingança, queria justiça. Lei do Talião, olho por olho e dente por dente.

Mais calmo, tomo consciência de que essa justiça só me levaria a mais cegueira. Enfim, os filhos da cegueira são o ódio e a desconfiança. Então, só me resta esperar pelo melhor já que ser cego não é ser miserável. Não ser capaz de conviver com a cegueira é que me tornará pobre, vazio e inútil. Vou pagar pra ver, com afinco, com força e com o meu bom humor de sempre. Com ele eu poderei suavizar alguns das piores etapas que a Natureza me fará ulptapassar antes vencê-la.

E, se não puder cumprir com o meu sonho de marinheiro viajando pela costa do Brasil irei a outros lugares. Certamente, Brasília será o meu preferido, quando lá vou, sinto-me mais do que nunca, juntinho ao meu dinheiro tão arduamente suado!

Quantos ao meu redor são cegos mesmo vendo? Porque vem todos os dias iguais uns aos outros. Todos os dias são diferentes e cada um traz consigo um milagre próprio de criação e sentimentos em minha vida. Não precisamos do sentido da visão para sentir estes milagres a cada dia que acontecem.

E se o mal for inevitável preferirei sentir assim, a ver as coisas como elas não o são.

FERNANDO TROVADOR

6 comentários:

Alice Rossini disse...

Nando, seu depoimento é emocionante e cheio de sabedoria. Há pouco morreu um grande escritor que escreveu sobre a cegueira. Mostra no sue livro que ela assume diversas formas.

Voce aprendeu isso na dor da possibilidade de perder o sentido de ver, mas sabe que nada o impedirá de sentir.Sem esta sensibilidade, os olhos são meros orgãos de que é dotada a máquina humana.

Voce conta com sua sabedoria, seu otimismo e com os avanços da ciência oftalmológica que, segundo ouvi de um médico, é uma das areas da medicina que mais avança.

Força meu amigo. Pelo que lhe conheço, se a natureza achar que deve ficar com um olho, o que vai permanecer sadio irá multiplicar-se e voce verá mais do que deve rsrsrs

Beijos

Penha Castro disse...

Quanta franqueza em descrever os sentimentos de quem está prestes a perder um dos olhos. Mas, como voce disse, não perderá a forma de olhar a vida.
Emocionante e forte. Confesso que diante de tanta coragem não tenho o que comentar.

Aparecida Matos disse...

Fernando, seu depoimento é muito forte.Próprio de uma pessoa corajosa e otimista. Use estas caracteristicas para transpor os empecilhos do que voce pode vir a ter que enfrentar. Se tudo der errado, espero em Deus que não, que voce use a sensibilidade e a capacidade que expor suas emoções.Tenha certeza que isto ajuda.
Felicidades

VIC disse...

Fiquei impressionada com a sua força e otimismo. Com certeza elas vão lhe ajudar a superar seja qual o o desfecho deste episodio, que, embora triste, faz parte da vida.
Muito bom seu testemunho se coragem e fé.

RICARDO FARIAS disse...

EXCELENTE DEPOIMENTO! QUE VOCE TENHA FORÇAS PARA ENCARAR O QUE TIVER QUE ACONTECER.

IZABEL disse...

Que depoimento forte e otimista. Digno de quem tem a sensibilidade de "ver" e continuar vendo a vida com os olhos da alma!

Obrigada pelo testemunho, pois tenho a certeza que irá contribuir para muitas reflexões.

Um abraço,
Izabel