O ser humano é movido pela vontade, pelo desejo e, antes de qualquer coisa, pela necessidade. Como já havia escrito em algum texto.
A depender do temperamento de cada um, estas vontades são sempre atendidas e nos faz usar métodos diversos, que vão da imposição à conquista mansa, ancorada na razoabilidade e na legitimidade do que é desejado ou, na manipulação em que a “vítima”, se é que pode sentir-se vitima alguém que não tem força para fazer valer seus direitos, por comodismo, oportunismo ou covardia.
Entretanto, existem categorias sociais, cuja fragilidade histórica não as dota de mecanismos capazes de atender suas vontades e as necessidades que as geraram. Precisam da tutela do Estado no que se refere às leis, e da educação que as faça sentir-se cidadãos com direitos reconhecidos.
Mas, não é tarefa fácil viver de acordo com nossas vontades, convicções e valores porque existe o "outro" que, não raro, contrapõe-se a elas. Daí os conflitos, os explícitos e os que ocorrem nos bastidores da vida de cada um de nós.
O egoísmo e o recrudescimento do autoritarismo fazem com que muitos ignorem que todos tem necessidades paridas pela força da vontade. Quando este embate ocorre socialmente, a correlação de forças que equilibra a balança define quanto e quais vontades devem sofrer intervenções reguladas pelo Estado, cujos governos, quando eleitos pelo povo, as legitima. As sociedades democráticas contam com mecanismos que denunciam seus desequilíbrios: as leis que tem como função garantir a equidade, assim como o debate político, os movimentos e os pactos sociais todos, tendo a justiça como meta a ser assegurada.
Mas, quando o enfrentamento ocorre entre quatro paredes, entre parceiros, entre pais e filhos ou até entre amigos o confronto assume características específicas, porque as armas são subjetivas. Ganha a “guerra” quem, além de mais forte emocionalmente, internalizou e utiliza técnicas que manipula o outro na forma de lidar com empecilhos até os que usam o dinheiro como fator de submissão.
Não fosse o homem dotado de vontade estaríamos na Idade da Pedra. Além do reconhecimento de que, para garantir nossa sobrevivência e o atendimento de nossas necessidades, precisamos que nossas vontades sejam atendidas de forma a intervir na realidade de forma positiva promovendo, assim, a dinâmica da vida.
A vontade nos move para frente, quando a causa que abraçamos nos aproxima ou para trás, quando a causa nos aparta uns dos outros. O resultado é análogo à “Vitória de Pirro”, expressão utilizada para uma conquista obtida a alto preço, potencialmente causadora de prejuízos irreparáveis.
Mas, o homem além de dotado de vontade também lhe é intrínseca a vocação pela liberdade. E o conceito de liberdade aqui é amplo. Liberdade que dá acesso irrestrito a todos os direitos e jamais assume caráter excludente. Portanto, tudo que a cerceia é rechaçado com revolta e indignação. De nada adianta mantermos pessoas ou povos em cativeiros porque, se a reação não for imediata, o confinamento da vontade vai minando sua verdadeira natureza e a revolta, mais cedo ou mais tarde eclode pela pressão das mãos carentes do desamor e enrijecidas pela magoa.
A revolta corroi, mas fortalece as vítimas. O algoz que até então se achava vitorioso, assume a personalidade do Rei Pirro, cujo exército sofreu perdas irreparáveis após derrotar os romanos nas Batalhas de Heracléia e de Ásculo em 280 e 279 A.C., respectivamente.
Ainda que estejamos em 2010 D.C. tanto já evoluímos quanto retrocedemos. Se pensarmos nas relações como um espaço onde possamos fazer com que nossas vontades se confrontem e do confronto se encontrem, onde nossos desejos "dialoguem", não mais sofreremos com o regozijo ilusório diante de derrotas travestidas de vitórias.
ALICE ROSSINI
8 comentários:
Pois é. Existem relações em que alguem sempre acha que "comandando" está em vantagem. Porque sente-se superior, porque gosta de ter aceclas e não amigos, porque coloca-se acima do bem e do mal enfim, por milhares de motivos tolos e que definem uma enorme falta de sabedoria. O resultado disto é ter ao seu redor pessoas destruidas,magoadas, presas por um sentimento doentio de masoquismo e imobilismo.
O estrago é tão grande que ninguem é feliz. Como bem disse voce, vivem no reino de Pirro, onde alguem ganha e, verdadeiramente, ninguem leva. Excelente a analogia a determinadas situações.
JÁ IMAGINO ONDE VOCE QUER CHEGAR E CONCORDO EM PARTE. QUANDO DIZ QUE MUITAS PESSOAS VIVEM SUBJUGADAS POR COMODISMO OU COVARDIA VOOCE ACERTA O CERNE DA QUESTÃO. MAS TANTO HOMENS QUANTO MULHERES, AS PESSOAS DE UM MODO GERAL, NATURALMENTE ENGOLEM MUITOS SAPOS COM MEDO DA SOLIDÃO. QUEM NÃO FAZ CONCESSÕES, TEM A VITÓRIA DE PIRRO MAS, COMO PIRRO, CAUSA MAIS ESTRAGOS QUE VITÓRIAS. O IMPORTANTE É SER FELIZ. A QUESTÃO QUE VOCE TÃO BEM COLOCA É O CUSTO DISSO. MUITO BOM
Excelente texto. Nunca tinha pensado as relações por este ângulo. Agora que voce escreveu me dei conta que é assim mesmo que agimos.
Muito boa a análise das diversas formas de submissão e seus resultados. Nunca vi nenhuma tirania terminar de forma pacífica.Um dia as coisas mudam, as consciências acordam.No caso de relações pesssoais os estragos nos ja conhecemos, magoa, separações e até ódio. Quando a tirania vem de governos, por mais que demorem, a revolta está apenas amadurecendo
Adorei o texto! Tenho um amigo que fala muito em "vitória de Pirro". Achei engraçada a sua referência porque tivemos uma discussao, e ele teve uma vitória de Pirro. Ganhou mas angariou a antipatia de muita gente que o achou prepotente.
Concordo com voce, tem muita gente que usa qualquer método para ter "razão"
Sou meio cético em relação à consciência das pessoas.Quem é autoritário pouco está se importando com o que o outro está sentindo.Acha que está se dando bem sem notar nem contabilizar stragos. Mas seu texto vai no X da questão.Pena que nem todos pensem(e escrevam)como voce. Sua crônica está excelente.
Já estão arraigados na natureza humana,tanto a vocação pela liberdade como pelo autoritarismo e falta de respeito às necessidades uns dos outros.Louvo sua iniciativa como invejo seu talento para enxergar e escrever sobre isso. Mas confesso-me desesperançada. Ainda bem que tem quem continue denunciando e sonhando com a mesma intensidade.
Parabéns.
Viver é fácil e simples.A questão é conviver com as diferenças que, muitas vezes tão estranhas a nós que a solidão é uma benção.O cansaço de ter que abrir mão em nome de uma pretenso companheirismo nos leva a concessões tão grandes que perdemos a noção de quem somos e do que queremos.Acredite, viver só não significa ser solitário. Usufruimos de prazeres que "acompanhados" esquecemos que existem. Seu texto está bom mas ele baseia-se para necessidades que nem todos possuem.
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