terça-feira, 21 de dezembro de 2010

EDITORIAL

Mais um Natal, quando vemos repetir os mesmos excessos e as mesmas carências. A maioria continua possuindo as faltas e a minoria detendo a fartura. Há mais de dois mil anos é assim. Mas, a cada Natal renovam-se as esperanças de um mundo mais fraterno. Esta esperança é que estimula e sustenta nossa fé na vida.

O mundo está tão desigual e tão cruel que uma parcela da humanidade com alguma lucidez fica cada dia mais constrangida em reclamar do seu cotidiano, já que se sente uma ilha, isolada pela violência, pela insanidade da indiferença e perdida nos limites cada vez mais tênues e relativos entre o certo e o errado, entre o ético e o aético.

Durante o ano que passou, como a maioria dos leitores deste Blog, realizei sonhos, vivenciei momentos difíceis, presenciei tragédias. No ano que chega, a vida continuará o seu fluxo indiferente às nossas lágrimas e aos nossos sonhos, mantendo sua eterna vocação de surpreender.

Portanto, consciente da nossa insignificância diante das teias do Universo e do imenso poder que temos sobre nós mesmos, desejo que alguma coisa se modifique na nossa capacidade de compreender e aceitar o irreversível e fortaleça nossa vontade para transformar a realidade que nos incomoda, nos avilta e nos distancia da nossa condição humana.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

VIVER: DIREITO OU OBRIGAÇÃO?

Escrever sobre assuntos pesados em época natalina pode ser classificado como um sádico mal gosto. Embora, a partir de novembro, quando o comercio começa a convocação para o consumo, os assuntos fome, miséria, desigualdade, entre outros, emerjam com mais força a ponto de comover alguns corações que permaneceram impermeáveis nos outros dez meses do ano.

Portanto, sinto-me à vontade para falar sobre um tema, além de controverso, muito pouco discutido: Eutanásia. Calma, não vou falar da Eutanásia como recurso médico, quando a Ciência desiste de seus poderes e, como última alternativa para economizar sofrimentos, delega ao paciente ou aos parentes o direito de escolher a morte, a uma sobrevida isenta de qualquer sentido de vida ou possibilidade de recuperação.

A Eutanásia a que vou me referir, pode até incomodar mais algumas pessoas, já que a referida acima possa ser encarada apenas como um conceito distante e estranho à nossa realidade. Refiro-me às pequenas desistências, que tem a gravidade daquela Eutanásia que coloca em xeque viver com uma qualidade de vida que nos pareça digna e, por medo, covardia, ignorância, oportunismo, masoquismo, seja lá que motivo for, consentindo que nos seja negado tudo que nos tornaria mais feliz, preferindo uma vida isenta de alegria, realizações, liberdade e milhares de outros prazeres.

Claro que a vida é feita de renúncias, as necessárias e as que muitas vezes são assumidas pelo simples prazer de servir, de ser útil, de abrir mão de algum privilégio em pró de alguém que achamos ter o mesmo direito de possuí-los. A ajuda ao próximo, a divisão do muito que temos, o ensinar ou abrir caminhos para que outros alcancem seus objetivos, além de louvável é necessária.

Talvez como haja um consenso universal de que todos tem o direito à vida, esta premissa nos impede de perguntar: A que tipo de vida todos temos direito?

Há quem se sinta feliz vivendo sob ou em qualquer circunstância. Há os mais exigentes que lutam por direitos. Úteis e necessárias, estas pessoas. Ainda que suas lutas não sejam coletivas, uma vez alcançados os objetivos, outros se beneficiam com a conquista, tornando-se exemplos de tenacidade e determinação. E há os eternos insatisfeitos. Por mais que tenham, acham que a vida ainda lhes deve alguma “coisa”.

Não pretendo, aqui, limitar as aspirações alheias ou determinar escala de valores para a felicidade, mas há que haver um equilíbrio nos desejos e conceitos dos quereres e daquilo que nos obrigamos ou somos obrigados a desistir.

Todas as pessoas querem a vida, “sempre desejada, por mais que esteja errada”, mas há que se respeitar e valorizar tanto os que lutam por uma vida melhor, quanto os que desistem de alguns aspectos dela para, quem sabe, conferir-lhe mais sentidos.

Alice Rossini

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Camisa 12

Esta semana a torcida do Esporte Clube Bahia, merecidamente, recebeu o prêmio de Torcida Ouro, pelo estímulo e apoio que, de forma apaixonada e incondicional, manteve viva a motivação do time para ascender à primeira divisão do futebol brasileiro.

“Camisa 12” é uma forma usada para denominar torcidas, que participam e são coadjuvantes de vitórias de times que entram em campo com desejos e necessidades de performances, que os levem a resultados necessários. Entretanto, só conseguem absorver o estímulo das arquibancadas quando estas intencionalidades dialogam entre si, gerando assim "a motivação" dos que correm no campo. Claro que outros fatores objetivos são determinantes. Competência e condições materiais destacam-se.

Assim acontece na vida. A maioria de nós tem um “camisa 12” que, de milhares de formas, silenciosas, explícitas, materiais ou imperceptíveis está na arquibancada da nossa existência torcendo, sofrendo e sorrindo por nossas vitórias e nossos infortúnios.

Como as torcidas de times, a do Bahia em particular, o “camisa 12” da vida de cada um de nós, nada pode fazer se não estivermos gestando algum sonho que nos motive a torná-lo realidade.

Como sofrem os que vestem a “tal” camisa! Percorrem e experimentam todos os tipos de emoções. Da impotência limitada a apenas assistir o jogo, às tentativas vãs de passar para o outro experiências já vividas. Não poder chutar o “pênalti” decisivo nem prever aquela jogada impregnada de um perigo potencial que sufoca o grito na garganta ou o privilégio da visão ampla e global do “jogo”, tornando sua atuação, em alguns casos, pouco eficazes, mas nunca desnecessárias.

Sabermos que em nossa arquibancada tem pelo menos um “camisa 12” nos vincula à vida e por ela lutamos. Esta consciência nos impulsiona a atingir objetivos e fazer deles um degrau para que outros sonhos tornem-se críveis e necessários, já que somos seres incompletos, inconclusos e inacabados.

ALICE ROSSINI

domingo, 21 de novembro de 2010

PERGUNTAS QUE AFASTAM

“Afinal o que querem as mulheres?” Esta pergunta foi feita no século XIX por um dos homens que mais nos estudou, achando que estudando-nos conseguiria decifrar nossos enigmas. Fez ilações e criou dogmas aos quais, muitas de nós estamos presas até hoje. Se Freud fosse vivo, seria menos freudiano que muitos que dizem conhecer profundamente tudo o que “ele queria”. Ficando a pergunta sem resposta, sua condição de pai da Psicanálise deixou todos achando que a tal pergunta continha a maioria os mistérios do Universo. A pergunta cresceu, adubada pela intolerância humana e nem o tempo conseguiu relativizar sua importância.

Quando foi feita, certamente, nem nós mulheres sabíamos o que queríamos. Só o que não podíamos. Era grande a lista.

Contextualizando a pergunta cultural e historicamente ela se justificava. E olhe que estou falando do ponto de vista da civilização ocidental. Porque no Oriente, mulheres, até hoje continuam não tendo os seus direitos garantidos pouco adiantando a indignação da humanidade. Os costumes com raízes culturais “justificam” tudo!

Embora a pergunta persista, para mim perdeu o sentido. Já que todos tem os mesmos direitos, respondê-la ficou fácil e sua resposta óbvia. Queremos tudo que todos querem. Seja qual for sua opção sexual.

Queremos ser livres para amar e ser amadas. Queremos estudar, trabalhar e sermos remuneradas quando executamos funções equivalentes. Queremos ter e exercer o poder sem que para isto tenhamos que comportarmo-nos como homens. Queremos ouvir e sermos ouvidas. Queremos que respeitem nossas necessidades básicas, inclusive as sexuais. Queremos andar sozinhas sem que o medo nos acompanhe e a violência nos surpreenda. Queremos ser livres para escolher entre a maternidade ou dar outras serventias aos nossos corpos.

Enfim, queremos tudo. Nada além do que a maioria das pessoas deseja. Se não tivermos tudo, que não seja pelo fato de sermos mulheres. Que as razões sejam outras, do não desejar ao não poder possuir por milhares de outras questões. Nossos equívocos são frutos de uma cultura criada por e para os homens, que nos apartava da realidade e do contato com o desconhecido. Fizeram-nos crer que sexo sem amor era pecado, que existiam áreas do conhecimento insondáveis para nossos cérebros. Que não nos cabia questionar nem ir de encontro a costumes criados sob o signo da opressão, num mundo maniqueista onde os conceitos de pecado perseguiam a todos, indistintamente.

Uma emissora de televisão colocou no ar um seriado cujo título é a “tal” pergunta. Pois bem, a personagem principal que tenta respondê-la, perde a mulher por tê-la negligenciado em favor da premência da resposta a uma questão carregada de preconceitos. Reduz-nos a um ser que é reconhecidamente complicado sem nenhuma perspectiva de autoconhecimento. Um atestado dado pela ciência sobre a dificuldade humana de lidar com as diferenças, com os contrários. Parte do pressuposto de que a diversidade é em si um mal, um problema a ser resolvido.

Nossas diferenças, necessarias, diga-se de passagem, nos cabem entendê-las buscando um ponto de encontro no meio da ponte que nos separa. Como uma ponte não é um abismo, deve e pode ser atravessada sob pena de tornar a vida de todos muito mais dificil.

As dificuldades humanas de relacionar-se consigo, com seus semelhantes e com suas circunstâncias independem de gênero. O ser humano é conflituado e, embora busque sempre uma saída para seus problemas, tem a tendência à atribuir ao outro a origem das suas angustias.

As filosofias orientais reconhecem a dualidade como a união dos opostos para formarem a Unidade. É necessária a claridade do dia para a existência do breu da noite. Para reconhecer a sensação da plenitude há que ter conhecido a incompletude. Que a ausência da dor prenuncia o alivio da saúde.

Pois é justamente lá, onde tudo é “Um” que a mulher não completa o homem na mesma proporção e na mesma igualdade que nossa humanidade preconiza. Que as necessidades são as mesmas embora em corpos diferentes.

Dr. Freud bem que sabia o que queríamos, já que estudou nossa sexualidade, reconhecendo-a, estudou nossa capacidade de somatizar emoções quando, indo de encontro à nossa natureza, não conseguimos expressá-las. Tudo bem rotulou-nos de histéricas e colocou nos nossos ombros as mazelas humanas através de complexos e desejos de um Édipo que reconheço pelas ruas e encruzilhadas da vida, cujos protagonistas, tão simples e pragmáticos, não conseguem resolvê-los sem a nossa ajuda.

P.S: Já temos questões demais a serem resolvidas. Senhores, por favor, resolvam seus complexos ou perguntem ao Doutor.

ALICE ROSSINI

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MOMENTOS DE SOLITUDE

Sozinha em casa entreguei-me aos devaneios e neles, às lembranças da minha infância, minha adolescência quando as presenças de meus pais agigantavam-se. Mais uma vez, percebi que permearam todos os momentos relevantes da minha vida.
Entretanto, suas onipresenças não conseguiram proteger-nos, a mim e a meus irmãos, dos pequenos e dos grandes sofrimentos inerentes a cada momento.

E foi nos detalhes das pequenas coisas que suas presenças conseguiram chegar a extremos: omitindo-se por completo alheamento das nossas realidades ou imiscuindo-se por, ingenuamente, acharem-se detentores do poder de mudar tudo para o que, achavam ser o melhor e o certo.

Vivi minuto a minuto e vivendo, as horas transformaram-se em dias, os dias se multiplicaram em semanas, as semanas em meses e os meses mágica e tragicamente transformaram-se em anos. A sensação de que tudo passou muito rápido é apenas ilusória. Mas sei que vivi tudo e com todos que se interpuseram no meu caminho, para o bem e para o mal. Pela passagem do tempo e uma combinação de circunstâncias, hoje estou só e sinto tanto o peso quanto a leveza deste instante de solidão.

O tempo fez com que, ao experimentar e viver grandes momentos aprendesse que eles são construídos do que, inadvertidamente, achamos insignificante, sempre impregado de encruzilhadas nas quais tivemos que, às cegas, fazer escolhas.

Hoje, posso separar o que me tranquiliza momentaneamente, o que me faz ficar eufórica e o que me faz ser e permanecer feliz, porque ancora. Ao multiplicar-me o tempo me faz feliz em ser chamada de mãe. Ouvir a chave na porta anunciando a chegada de seres amados me tranquiliza. Ouvir uma promessa e acreditar com toda a confiança dos que amam, me faz feliz. Atender ao telefone e ouvir o “alô” com aquela voz que guarda ecos da infância tanto me tranquiliza quanto me faz feliz. Outros detalhes que podem parecer bobos, hoje assumem a enorme importância de determinar a felicidade, a tranquilidade ou a euforia.

Nesta fase da vida, difícil, diga-se de passagem, entendi o porquê tantas ações e reações paternas me pareceram incompreensíveis. Porque cada “não” tinha o peso de um veredicto e cada “sim” a leveza de um prêmio. Com a sucessão virtual de tantos “se’s” convenço-me que nada pode nem deve parecer certo ou errado, pois certezas nos aprisionam e querer mudar o passado nos rouba o sorriso.

Se pensarmos com emoção e atenção da criança que ainda brinca em nós, veremos que tudo é pequeno, mas não por isto perde a importância, e o que é grande resiste e não se enquadra nas escalas de grandezas que convencionamos. Um olhar aqui, um grito ali, a chuva de verão, a lua cheia que nos surpreende, o filme que nos faz pensar ou sair na metade, o amigo que não nos telefona e nos rouba o passado ou aquele que sabemos longe mas sempre nos acompanha. A surpresa na mesa com nosso prato preferido. A criança com olhos duros que nos pede centavos nos semáforos. Nossa cama que nos parece grande demais. O frio que esquenta nossa alma ou o calor que nos esfria num domingo tedioso.

Todos estes detalhes determinam nossa felicidade, nosso bem ou mal estar, recrudescem nossos arrependimentos, ratificam nossas escolhas, nos sugerem uma mudança de rumo, nos mostram nosso vazio de vida cheia de entulhos. Ou até que tudo está como deve ficar.

São estes fragmentos de vida que fazem parte dos milionésimos de segundos no qual vivemos toda nossa realidade e determinam nossos destinos. Aparentemente, apenas escolhas que tem o poder de eternizar situações. Certezas de hoje poderão ser as mentiras de amanhã ou mentiras de ontem são as verdades que nos sustentam hoje.

Se vivêssemos como os animais, confiaríamos nos nossos instintos. Como homens, desdenhamos das nossas intuições.

ALICE ROSSINI

domingo, 17 de outubro de 2010

33

Ao assistir o filme “Nosso Lar” a maior lição que consegui extrair dele foi que o conceito de orar é muito mais amplo do que consegue imaginar nossa humana concepção. Orar é mais que entoar mantras ou repetir palavras. Orar é sentir e fazer o bem. É ser útil e compassivo. É ser generoso e democratizar nossas melhores energias.

Quantas vezes observamos em cultos religiosos que as pessoas só estão presentes fisicamente e que suas mentes, indomáveis, vagam perdidas no turbilhão de infinitos pensamentos. Os rituais parecem-me, então, vazios de sentidos.

No filme, fiel à doutrina espírita, toda a vocação humana é evolutiva. Cada qual no seu ritmo, sem cobranças nem julgamentos, já que inexorável. E o sentido da evolução só ecoa positivamente se objetivar o bem estar do outro, seja este “outro” quem for.

Simultânea à exibição do filme, a humanidade teve a rara chance de observar uma das mais longas vigílias impregnadas de uma religiosidade comovente e contagiante. Trinta e três mineiros ficaram soterrados a 700 metros de profundidade e muitos seres humanos transcenderam suas inteligências e as motivações de suas existências colocando-as a serviço daquelas desafortunadas criaturas, submersas nas profundezas da Terra.

Utilizando tecnologias conhecidas, recém descobertas e sua infinita capacidade de superação, conseguiram unir o saber ao improviso e construíram, não por acaso, uma cápsula chamada Fênix, a mitológica ave que renasce das cinzas, que fez vários vôos às avessas, descendo às entranhas do planeta em busca dos trinta e tres seres humanos. Resgatou, dentro do seu ventre salvador, todos eles.

Se toda e qualquer vida vale à pena, as daqueles homens superaram esta verdade, pois renasciam da Fênix, inteiros, física e psicologicamente. Todos se comportaram qual recém nascidos carregados de vida e gratidão e, aparentemente, sem maiores sequelas nas suas humanas consciências, reconhecendo o esforço dos que aqui ficaram torcendo e lutando por suas vidas

Depois que ouvi a “fala” de Jabor sobre o fato, quase desisti de fazer qualquer comentário. Ele conseguiu esgotar, comentando lindamente, uma das maiores demonstrações de solidariedade já manifestas por seres humanos. Mas, a ação é tão maior que qualquer comentário por mais rico em metáforas, adjetivações e sentimentos de euforia, orgulho e esperança do homem pelo próprio homem, que resolvi abrir mão da vaidade de falar algo inédito e, humildemente, comentei uma ação que tem tudo para reforçarmos esta virtude que convive, pacatamente, com nossa arrogância, já que concluímos que somos dependentes uns dos outros e, sem as mãos salvadoras dos nossos semelhantes não temos chance, sequer, de existir.

p.s. Que esta amarga experiência sirva para melhorar as condições de trabalho de mineradores do mundo inteiro.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 12 de outubro de 2010

EDITORIAL

A proposta deste Blog é postar, na sua página principal, textos em formato de prosa.
Entretanto, nada na vida é rigido, principalmente, quando quebramos as regras por uma causa maior.

Rafael Neves é um dos nossos colaboradores e usa a sabedoria do seu adolescer, nos ensinando a refletir e a sonhar.

Pois bem, Rafael mais uma vez surpreendeu-me agradavelmente, enviando-me uma poesia, sem titulo mas, claramente uma declaração de amor ao Amor.

Impactada pela verdade contida na sua emoção ainda juvenil, constatei que o texto tem a força de um vulcão e a doçura de um brigadeiro que a gente degusta lambendo os dedos.

Resolvi, então, publicá-la, dando o destaque que o texto merece


ºÓ cupido desgraçado
Que me deixara de tudo desgarrado
Me faz flutuar sem rumo por balões
Para depois estourá-los sem perdões
Me tirou os pés do chão
Para colocar-me sobre paixão
Me diz que isso é amor
Mas destrói-me com rancor

Esfacela-me
Apodrece-me
Perfura-me

Da-me o sentimento verde verdadeiro
Mas mancha-o com vermelho sangue do devaneio
Entrega-me a pomba branca
Mas sem dó seu coração arranca
Acordado me faz sonhar
E com o som do fracasso me despertar
Poe-me num bolha e diz que isso é o mundo
Para depois mostrar o quão vasto é tudo

Mata-me
Corrompe-me
Desconstitui-me

Ó cupido amaldiçoado
Cujo amor sua flecha deixara abandonado
Espelha a mais bela imagem nos olhos meus
E brinca comigo entre os dedos seus
Faz-me seu brinquedo
Imita-me uma marionete, sem medo
Obriga-me a perseguir tão singela amada
Mas termino numa ruela dela afastada

Castiga-me
Tortura-me
Despedaça-me

Ó cupido desalmado
Se tivesse sido melhor educado
Não atiraria flechas sem mira
Não de forma cruel me traíra
Mas se é a vontade do nosso amor
Acabar sempre na mais triste dor
Então permito-lhe rasgar- me em dois
Deixar-me nunca mais apaixonar depois
Pois pelo menos assim, paro de amá-la tanto
Ou quem sabe, até nos céus acabe em pranto

Picota-me
Mutila-me
Defeca-me
Amo-te

RAFAEL NEVES, 16 ANOS

terça-feira, 5 de outubro de 2010

RETROCEDER PARA AVANÇAR

O que há dois séculos parecia um caminho inquestionável de progresso transformou-se em uma inútil corrida enlouquecida para escapar das consequências de nossos próprios atos.

As pirâmides financeiras desmoronaram, as bolhas imobiliarias estouraram, mas ainda não vemos com suficiente claridade muito do que temos chamado “crescimento” e “desenvolvimento”. Já se passaram tres gerações nos países desenvolvidos e de uma a duas em outros países, e estamos vivendo como se fôssemos a última geração sobre a Terra.

Isto tem que acabar! Ao meu ver esta é a realidade da situação atual. Uma realidade que muitos dos que compõem a nossa sociedade se recusam ver ou reconheçer, por simples e puro egoísmo, começando pelos governantes e políticos.

Esquecemos sempre, e por isso há que repetí-lo mais de uma vez: "Não há nada gratis". Infelizmente, todas as mensagens que escutamos e vemos dizem resumidamente, “vivam como se os recursos naturais fossem infinitos e como se não houvesse amanhã”. Sendo os recursos finitos como o são, quanto maior a rapidez de exploração, mais cedo ficaremos em eles.

Os problemas mais polêmicos da sustentabilidade não são problemas técnicos ou econômicos, são ético-políticos.

Atualmente, a descomunal potência da tecnociência ocidental e o caráter expansivo do capital, asseguram que, em muitos casos, os efeitos das nossas ações - e omissões - chegarão incalculavelmente longe, no tempo e no espaço, como se sabe, a vida média dos resíduos radioativos, ou os prazos para o reequilibrio do clima do planeta, se medem em dezenas de milhares de anos. Deveríamos questionar com frequência que nível de mal - direto, indireto e diferido - estamos dispostos a infligir, uns aos outros, para tratar de manter os atuais niveis de conforto material? Sabemos que já são mais que suficientes e que, em qualquer caso, excedem o que desfrutaram os mais ricos e poderosos de épocas passadas.

É esta uma ideia adequada de progresso? É este um tipo de economia sustentável que esmurra suas proprias bases ecológicas e, portanto, é definitivamente autodestrutiva?.

A alguns nos custa crer que estas questões são mais importantes que as perguntas “fundamentais” às que nós enfrentamos diariamente: “Que roupa visto hoje?”, “onde serão as próximas férias? Ou até, "qual é a última fofoca da revista Caras?" Mas, é aterrador descobrir que nós temos filhos e nos esqueçemos de refletir sobre que nível de mal estamos dispostos a infligir ao futuro dos nossos filhos e netos?

E os governantes? Todos os que estão no poder hoje, sabem que a sua sobrevivência política depende de como se rouba o futuro para entregá-lo ao presente. A verdade é que chamam de conservação, o envenenamento do meio ambiente.

Mas, quando perguntei que nível de mal - direto, indireto
e diferido - estamos dispostos a infligir, uns aos outros, devemos incluir nestes “outros” os animais que habitam conosco o Planeta. Milhões de criaturas torturadas e aniquiladas pela nossa cobiça desenfreada e sem limites, vítimas inocentes do nosso suposto “desenvolvimento”, súditos involuntarios da ditadura humana.

Mas, também, existem boas noticias. Tudo isto não é uma rua sem saída, porque sempre se pode dar marcha a ré. Se quisermos que as gerações futuras tenham acesso ao que hoje nós desfrutamos, "a tal" marcha à ré é inevitável no nosso atual caminho de autodestruição. Retornar não implica retroceder...retroceder, neste caso, também pode ser avançar. Seria um avanço em sentido contrario mas que, definitivamente, beneficiaria as novas gerações.Para isto, é imperativo reconheçer os erros cometidos e aprender com eles.

Não podemos continuar fazendo "vistas grossas" ao ecocídio atual e sendo guiados por cegos, porque se um cego guia outro cego, ambos cairão no precipicio.

FERNANDO TROVADOR

domingo, 26 de setembro de 2010

O ESTORVO

“Vejo a multidão fechando todos os meus caminhos, mas a realidade é que sou eu o incômodo no caminho da multidão”

Este é um pequeno trecho do livro “O Estorvo” escrito por Chico Buarque. Este título sempre me incomodou. A condição de ser um estorvo é indigna e humilhante. Estúpida e covardemente nunca o li.

Tlavez porque às vezes me sinto um estorvo de mim mesma. A sensação de que eu própria me atrapalho. Uma pedra no meu caminho quando minha humanidade, impregnada de vicios, covardias, impulsos e fraquezas transborda por todos os cantos e recantos do meu existir. Vez por outra a sensação é de que estou à deriva, perdida no oceano de mim mesma e emitir o sinal "SOS" atrapalharia o salvamento de criaturas mais necessarias.

Poderia ter lido "O Estorvo" numa viagem porque não consigo dormir em avões. Ouço, quieta, os ruídos oriundos da aeronave, os emitidos pelas pessoas mais próximas ou compro um livro e o devoro até que desembarque no meu destino.

Numa destas circunstâncias tive o desprazer de ouvir uma violenta discussão entre um casal, ainda jovem. A princípio normal. Todo casal briga. Até que ouvi a frase “você é um estorvo”.

Como eu, ela ficou petrificada. Apenas o corredor estreito nos separava e pareceu-me que a palavra nos atingia com a mesma intensidade. Estávamos tão próximas que me senti obrigada a dividir com aquela mulher o impacto da agressão. Comecei a divagar. Meus devaneios misturavam minha assumida aversão à presunção das sensações dolorosas que a criatura ao meu lado poderia estar experimentando.

Estorvo é ponto final. É veredicto. Depois de ouví-la sem estar devidamente preparada, o que contra argumentar? Crendo na condição, sair andando sem olhar para trás poderia levá-la ao enfrentamento com uma realidade já sabida e tão cruel, que as nuvens emolduradas pelas janelas da aeronave apontavam uma solução. Não crendo, ainda que saísse correndo sem olhar para trás o veredicto já transformava em fragmentos o que poderia ter restado daquela pessoa. No vértice da encruzilhada, entre um caminho e outro, "o estorvo" se reserva o direito de continuar sem escolha.

Pelo menos na minha cabeça onde se misturavam fantasias e realidades, aquela mulher um dia encantou aquele homem. Um dia não foi estorvo, foi solução. Um dia foi sonho, e o infinito cenário de tudo que acreditavam possível. Jamais imaginaram que entre eles se ergueriam paredes claustrofóbicas.

Questionei-me se existe um marco onde os relacionamentos começam a adoecer ou, simplesmente morrem de “morte matada” pela violência de uma palavra dita ou das que ficam presas nas gargantas e os sufocam. Perguntei-me quando, na convivência de um casal as possibilidades se inviabilizam. Em que momento o que era onírico transforma-se em realidades carregadas de armadilhas e nevoeiros que obstruem caminhos, escondem atalhos.

Cuidado! Palavras tem peso. Densidade emprestada pela história de cada um. E seu significado é acompanhado de conceitos que constroem ou acabam por destruir. O que apenas seria uma simples combinação de caracteres atua como um verdugo comandando uma guilhotina, com poder de pena capital.

Porque, assim como eu, distanciada emocionalmente do confronto sucumbi ao seu poder, a mulher considerada um estorvo pelo companheiro deve, ainda impactada, estar buscando forças para escalar a parede que lhe dê acesso ao que um dia representou.

“Porque nesses seis meses tudo que falamos antes virou barulho, fica difícil retomar a conversa” trecho do livro O ESTORVO de Chico Buarque.


ALICE ROSSINI

terça-feira, 21 de setembro de 2010

QUERO SER PIRATA!

Cansei! Já estou farto de fazer sempre a mesma coisa, de viver com a cabeça no futuro (leia vestibular), de me uniformizar para aprender a respeitar a variedade, de ser adestrado a escrever as respostas certas nas provas... Não me vejo mais nesta vida preta e branca, onde minha opinião é pré-moldada e onde a coisa mais perigosa que faço é, nos dias de prova sábado apenas, pegar um ônibus Lauro de Freitas.

Já me decidi, foi nessa sexta-feira pela manhã. Vou ser pirata!, não levo jeito pro mundo acadêmico mesmo. Pegarei um barco qualquer, juntarei alguns bons amigos e um grande sonho. Zarparemos o mais cedo possível, de preferência antes dos nossos pais acordarem e porem um fim no que eles chamam de “bagunça”. Ou talvez seja melhor assim, para lhes dizer que prefiro uma boa bagunça a este plano cartesiano que eles chamam de vida.

Vamos conhecer cada centímetro desse vasto mundo. Não precisarei de aulas de geografia para saber que a gente não cai quando ultrapassa o horizonte, não precisarei de nada disso para saber onde é a África, Oceania, Europa e por aí vai... Jogarei ao ar qualquer conhecimento sobre latitude e longitude, pois só o que me importa são as dimensões do meu sonho.

Caçaremos tesouros sem precisar de diploma, conquistaremos oceanos sem precisar de guerras, alcançaremos os confins do planeta sem a necessidade de uma aula em "Power Point". Não preciso de conhecimentos de física avançados para saber que eu caio se pular e que morro se cair. Não preciso de aulas de química para saber que o ouro é um metal, ele é precioso e é isto o que importa. Dane-se a aula de biologia, se eu ficar doente, tomo remédio, chupo uma laranja e acabou. De que me adianta saber o que é bioenergética? Se precisar de energia, é só comer.

Pro inferno com a matemática! Sei somar e subtrair, multiplicar e dividir, dá ou não dá para sobreviver no mar? Não enfrentarei expressões algébricas quando invadir o navio inimigo, não precisarei resolver sistemas para saber como duelar com meus adversários e não vai ser a raiz de delta que me safará de uma emboscada. Não preciso de aulas extras para saber que o “X” do mapa é a localização do tesouro e não o resultado de ax² + bx + c, sendo Δ = b² - 4ac.

Não vai ser necessário ler livros para desvendar os mistérios do mundo, a história de cada lugar estará lá, viva e pronta para ser tocada (e sem qualquer tipo de lousa eletrônica). Exploraremos cada mínimo detalhe do mundo sem precisar de aulas em 3D, mas somente olhos e mentes abertas. Construiremos nossa própria opinião, teremos acesso ao mundo sob a nossa visão e, a partir dela, formaremos nosso caráter.

Gramática? Se eu falar, você me entende, se você disser, eu entendo, é só disso que preciso. De que me serve saber que o que são paroxítonas, ditongos, crases e toda aquela besteira que chamam de norma culta? Os únicos sujeitos que me interessam somos eu e você, nosso predicado é a nossa jornada.

A literatura quem faz sou eu, narro minha viagem e você verá o que realmente é uma redação. Não serei um especialista na dissertação e uma lesma na ação, escrevo o que penso e que faço. Qual a razão de saber o que Platão e Aristóteles pensaram? A filosofia é fruto do que chamo de mundo, e não do que um dia chamaram.

Jogarei para o alto livros pesados, boletins, provas, lápis, borracha, caneta e qualquer outro artefato das trevas que me lembre sobre como era sentar-se numa cadeira de uma sala quadrada e ouvir, passo-a-passo, como responder a uma avaliação. Minha nota não será um número, mas sim um valor, e não vai ser um pedaço de papel que me dirá quanto vale, eu mesmo decidirei. Vou viver o conhecimento, sentirei o saber na pele e só assim estarei completo um dia. Adeus, vou ser pirata!

RAFAEL NEVES – Estudante 16 anos

domingo, 12 de setembro de 2010

DESABAFO

“Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá “

Há vários dias não me sai da cabeça este trecho da música de Chico Buarque, versos que saúdo pela sabedoria e capacidade de representar, com precisão cirúrgica, a realidade. Embora este sentimento repouse sonolento em todas as pessoas, muitas vezes a roda das nossas vidas gira contrária ao esperado e nos deixa desnorteados e vulneráveis.

A chegada da maturidade nos trás, entre outras coisas, a certeza que passado e futuro são duas entidades nas quais não temos poder de interferir. Quanto ao passado, a única "borracha" que podemos usar para melhorar nossa leitura e sentimentos em relação a ele é a busca incessante pelo autoconhecimento e muita maturidade. O futuro não passa da nossa atração pela eternidade e uma vontade, quase infantil, que tudo aconteça como planejamos. Embora o presente seja um conceito abstrato e volátil, uma vez que sua duração, medida em centésimos de segundos, logo se transforma em passado. Portanto, é sobre o presente que vivemos todos os fatos das nossas existências, qualquer que seja a importância, profundidade, raridade, casualidade e as infinitas variáveis e circunstâncias que os determinam.

Durante nossos “agoras” possuímos poder, autonomia e capacidade de fazer escolhas, de exercer o livre arbítrio. E queiramos ou não exercemos este direito até quando dele abdicamos. Ainda que resolvamos que nada faremos ou escolheremos, estamos escolhendo não escolher.Paralelo a este poder existe o poder do outro, semelhante ao nosso em todos aspectos. E este poder, queiramos ou não, interfere em nossas vidas, muitas vezes, de forma determinante.

Assim como acontecem fatos esperados e planejados por muitos anos, entre um e outro, muitos acontecem sem que nenhuma mente, por mais criativa que seja, seja capaz de imaginar. Não estou preconizando que tudo seja previsível, até porque a vida seria entediante e os conflitos entre os seres humanos exacerbados. Aí reside a beleza e o desafio de Ser e Estar, a convivência com o imponderável, com o imprevisível.

Quando somos jovens, independente das sensações de leveza e coragem com que a juventude nos preenche, a “Impermanência”, este movimento contínuo que garante a dinâmica da vida, nos estimula e nos excita. Mas o passar do tempo que tanto nos fortalece quanto nos fragiliza, permite que este vai e vem de acontecimentos empreste a cada amanhecer um sentimento de impotência e uma desconfortável expectativa, pois, não são poucas as vezes que, apesar de nossos esforços a “roda da vida” gira ao contrário e, como sempre, sem aviso prévio.

Utilizando uma imagem metafórica, sinto que acentua-me a sensação de sermos uma folha que cai aleatória de uma árvore qualquer e a natureza se incumbe, com indiferença, de levar-nos onde se lhe aprouver, usando a velocidade, tanto de brisa tranquila quanto de um furioso tornado que definem nossos destinos. Esta sensação latente em todos os homens, de forma consciente ou elaborada por mecanismos que os defendem de medos, fobias e inseguranças, e em animais que lidam com estas circunstâncias utilizando a sabedoria dos seus instintos, vem sendo exacerbada pelos fatos, bons e ruins que, confesso, não estou sabendo como lidar com a valentia compatível com meu grau de esclarecimento e tudo que já vivi.

O que me redime é a plena consciência das minhas sensações e motivos não me faltam para que sentimentos desta natureza emerjam. Não estou louca nem sou totalmente imatura. Sou sensível e tanto as minhas angústias quanto as alheias me afetam, e muito!Também não me sinto só. Os consultórios psiquiátricos estão lotados de pessoas que, como eu, tiveram coragem e humildade para pedir ajuda.

Sinceramente, não creio que alguém, minimamente compassivo, consiga amanhecer, passar o dia atento e reencontrar-se no aconchego, muitas vezes invasivo e denunciador do próprio travesseiro, sem que a angústia o invada. Entretanto, existem os mais corajosos e seguros, ansiosos por saber se a roda da vida os levará para onde, inocentemente, planejaram.

À DERLY, QUE NÃO TEVE TEMPO DE REFLETIR.

ALICE ROSSINI

domingo, 5 de setembro de 2010

A VIDA É UMA NOVELA

Mais além do papel ou do monitor, da técnica simples, das historias mais extravagantes ou dos best-sellers mais famosos, escrever e uma terapia curativa. Palavras escritas que definem ideias e sentimentos, ajudam-nos a tomar decisões, fortalecem a nossa consciência e a construção do destino que nós mesmos nos propomos a seguir. Para mim escrever é uma forma de me servir de um leque de opções que surgem a galope, provenientes das mais variadas fontes de ensinamento, de motivação e de espiritualidade para ajudar-me a enfrentar os grandes desafios da vida.Viver, no fim, é escrever a própria novela.

As crises representam oportunidades de crescimento e de adaptação. Muitos mestres escreveram as suas grandes obras depois de padecerem por longos períodos, que lhes serviram, finalmente, de fontes inesgotaveis de inspiração. Muitos textos, crônicas, livros e obras magistrais nascem, justamente, destes momentos da vida, no qual nos questionamos profundamente para tomarmos decisões dificeis. Em períodos de adversidade pelos quais todos passamos, escrever se torna um instrumento de superação e fortalecimento de nossas convicções e é, justamente aí, que a vida é análoga a uma novela.

Escrever é tambem a arte de criarmos novos mundos com as palavras. Inventar historias fantasiosas ou até mesmo realistas. Pode ser considerado um modo de vida ou, pelo menos, uma forma especial de relacionar-se com ela. Inclui diversas técnicas, conceitos e fórmulas que, mesmo que possam parecer exagerados, se aplicam perfeitamente à nossa vida e nos ajudam a enfrentar os nossos maiores desafios, sonhos ou desejos.

Somos linguagem. Expressamos as nossas experiências através dela. É através delas que fazemos a leitura do que vemos e sentimos no nosso microcosmo. Estou convicto que é assim que moldamos a nossa personalidade. Por este caminho posso até concluir que a minha vida assemelha-se a um romance no qual eu tenho o poder, embora não totalmente, de mudar o argumento, a trama, os cenarios e até mesmo os personagens. Os capítulos de hoje produzem efeitos no futuro e, da mesma maneira, o futuro que sonho configura o meu presente.

Considerar que a vida é como uma novela, incita-nos a pensar que podemos ser também os herois da nossa trama e conquistarmos os sonhos que temos desde muito jovens. Todos podemos passar de um estado de passividade e observação a outro estado de consciência no qual vamos lavrando o futuro desejado. Este conceito de consciência na mão do escritor vital, só se consegue interiorizando as consequências dos atos cotidianos e seu impacto na obra completa. Até quando não disponho de todos os elementos para influir na trama diaria posso, em muitas ocasiões, mudá-la e orientá-la para as metas que me proponho. Para isto é necessario observar o meu redor, observar-me e aplicar certas técnicas e artimanhas pessoais.

Escrever não é uma ciência exata e absoluta. Cada escritor ou candidato a tal tem seu proprio manual, seus costumes e manías, mesmo que esteja impossibilitado de ter o controle total sobre o mundo exterior. Por isto, insisto ser primordial que o estado de escritor vital passa, inevitavelmente, por aceitar-me, lutar sempre por meus sonhos e aprender com meus erros. A escrita vital supõe mudanças de paradigmas e uma mão cheia de positividade e de esforço para escrever os melhores capítulos de uma novela que depende de cada um de nós.

O mundo da literatura está cheio de casos e conceitos inspiradores que incitam a realização dos nossos sonhos. É óbvio que tudo pode melhorar e, usando as ferramentas de escritor que a vida nos dá, esta também pode aperfeiçoar-se no día a día para motivar-nos a escrever as linhas de uma novela única e memorável. Cada um de nós tem seu tempo e sua hora de fazê-la.

Na minha opinião já é hora de que Alice nos permita ler seu livro.

FERNANDO TROVADOR

terça-feira, 24 de agosto de 2010

NO REINO DE PIRRO

O ser humano é movido pela vontade, pelo desejo e, antes de qualquer coisa, pela necessidade. Como já havia escrito em algum texto.

A depender do temperamento de cada um, estas vontades são sempre atendidas e nos faz usar métodos diversos, que vão da imposição à conquista mansa, ancorada na razoabilidade e na legitimidade do que é desejado ou, na manipulação em que a “vítima”, se é que pode sentir-se vitima alguém que não tem força para fazer valer seus direitos, por comodismo, oportunismo ou covardia.

Entretanto, existem categorias sociais, cuja fragilidade histórica não as dota de mecanismos capazes de atender suas vontades e as necessidades que as geraram. Precisam da tutela do Estado no que se refere às leis, e da educação que as faça sentir-se cidadãos com direitos reconhecidos.

Mas, não é tarefa fácil viver de acordo com nossas vontades, convicções e valores porque existe o "outro" que, não raro, contrapõe-se a elas. Daí os conflitos, os explícitos e os que ocorrem nos bastidores da vida de cada um de nós.

O egoísmo e o recrudescimento do autoritarismo fazem com que muitos ignorem que todos tem necessidades paridas pela força da vontade. Quando este embate ocorre socialmente, a correlação de forças que equilibra a balança define quanto e quais vontades devem sofrer intervenções reguladas pelo Estado, cujos governos, quando eleitos pelo povo, as legitima. As sociedades democráticas contam com mecanismos que denunciam seus desequilíbrios: as leis que tem como função garantir a equidade, assim como o debate político, os movimentos e os pactos sociais todos, tendo a justiça como meta a ser assegurada.

Mas, quando o enfrentamento ocorre entre quatro paredes, entre parceiros, entre pais e filhos ou até entre amigos o confronto assume características específicas, porque as armas são subjetivas. Ganha a “guerra” quem, além de mais forte emocionalmente, internalizou e utiliza técnicas que manipula o outro na forma de lidar com empecilhos até os que usam o dinheiro como fator de submissão.

Não fosse o homem dotado de vontade estaríamos na Idade da Pedra. Além do reconhecimento de que, para garantir nossa sobrevivência e o atendimento de nossas necessidades, precisamos que nossas vontades sejam atendidas de forma a intervir na realidade de forma positiva promovendo, assim, a dinâmica da vida.

A vontade nos move para frente, quando a causa que abraçamos nos aproxima ou para trás, quando a causa nos aparta uns dos outros. O resultado é análogo à “Vitória de Pirro”, expressão utilizada para uma conquista obtida a alto preço, potencialmente causadora de prejuízos irreparáveis.

Mas, o homem além de dotado de vontade também lhe é intrínseca a vocação pela liberdade. E o conceito de liberdade aqui é amplo. Liberdade que dá acesso irrestrito a todos os direitos e jamais assume caráter excludente. Portanto, tudo que a cerceia é rechaçado com revolta e indignação. De nada adianta mantermos pessoas ou povos em cativeiros porque, se a reação não for imediata, o confinamento da vontade vai minando sua verdadeira natureza e a revolta, mais cedo ou mais tarde eclode pela pressão das mãos carentes do desamor e enrijecidas pela magoa.

A revolta corroi, mas fortalece as vítimas. O algoz que até então se achava vitorioso, assume a personalidade do Rei Pirro, cujo exército sofreu perdas irreparáveis após derrotar os romanos nas Batalhas de Heracléia e de Ásculo em 280 e 279 A.C., respectivamente.

Ainda que estejamos em 2010 D.C. tanto já evoluímos quanto retrocedemos. Se pensarmos nas relações como um espaço onde possamos fazer com que nossas vontades se confrontem e do confronto se encontrem, onde nossos desejos "dialoguem", não mais sofreremos com o regozijo ilusório diante de derrotas travestidas de vitórias.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 17 de agosto de 2010

SAUDADE

No Aurélio a palavra SAUDADE é definida como “lembrança melancólica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa(s) ou coisa(s) distante(s) ou extinta(s)”

Li e reli a definição e achei-a burocrática e deficiente diante do turbilhão de sentimentos que experimenta uma pessoa quando diz sentir saudade. Mas, ainda assim, decidi desafiar o idioma e buscar dentro de mim, primeiro a motivação para falar sobre algo tão abstrato e inquietante quanto difícil de atender aos anseios e responder à percepção de quem o experimenta. Segundo, porque é um sentimento controverso, que muitos só o relacionam a algo negativo e outros o cultivam e o alimentam como se fosse uma seiva que as mantém vivas.

Sem querer fugir da resposta que propus responder-me referente à minha motivação sobre o assunto, o que me ocorre inicialmente é que qualquer sentimento manifesta-se, também, fisiologicamente. Nosso corpo é o espelho das nossas emoções. Das contrações musculares que podem atingir o mais importante dos músculos - o coração - adoecendo-o o ou fortalecendo-o até sorrisos, lágrimas ou o silêncio. Estes últimos podem ser confundidos com significados que não correspondem à verdade de quem os manifesta. Alguém pode estar a ouvir uma música que a remeta a uma situação que lhe traga felicidade ou muita tristeza. O silêncio pode ser uma forma de defender-se do sentimento, negando-o ou cultivando-o preservado, emudecido e sonolento na memória. Tanto o sorriso pode iluminar a lágrima, quanto a lágrima pode dar muitos significados ao sorriso. Podem estar de mãos dadas ou serem motivados por sensações contrárias.

Por estas e outras razões a saudade é um sentimento que possui um véu que tanto a desnuda quanto a revela. Portanto, jamais alguém deveria evitá-la. Quando decidimos que não queremos sentir saudade de alguém ou de algum momento, excluímos ou matamos mais uma vez a pessoa ou apagamos e negamos o momento que vivemos e faz parte da nossa vida que jamais deve ser mutilada, nem pelo esquecimento nem pela inutilidade de ser negada.

Resgato a saudade como um sentimento que só o experimenta quem um dia viveu o que lhe deu prazer ou com quem amava. Saudade pode ser um sentimento forte, que invade todos os nossos sentidos, mas jamais devemos evitá-la sob pena de apartar do passado o único elo que nos une às pessoas, sensações e tudo mais que acompanha os melhores momentos das nossas vidas.

ALICE ROSSINI

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

TEORIA PRATICADA

Decididamente sou uma mulher de extremos. Imprevisível e um tormento para quem comigo convive. Acordo mal humorada mas, nada impede que um que um tolo motivo me deixe eufórica e até, docemente feliz. Ou, uma razão boba e passageira possa transformar minha vida numa tragédia grega.

Há poucos minutos comi um biscoito para afastar o tédio, pois me pareceu que adoçar a boca com alguma guloseima poderia ser uma solução. Repentinamente, olhei para minha mesa de centro e nela vi uma orquídea que sobrevive desde o inicio do mês, homenagem de uma amiga pela formatura do meu filho.
Pois bem, a beleza da flor conseguiu transcender seu significado emocional de estar ligado ao evento que provocou a homenagem. Imprevisível, em vez de focar minhas emoções na saudade que as ausências dos meus filhos provocam, fiquei encantada pela perfeição da flor. Isto me fez feliz e carregou meu olhar para fora, além da varanda, quando vi a chuva caindo do céu róseo de água e, minutos depois flagrei uma estrela fugitiva e solitária que espreitava a Terra através da nesga, entre uma nuvem e outra.
Este fenômeno que deve se repetir milhares de vezes fez com que me achasse irremediavelmente feliz e só enxergasse o lado bom e belo da vida.

Continuei admirando o jambeiro, o vizinho que enfeita o lado de fora da minha varanda e que uma vez por ano chora flores cor de rosa. Lembrei-me dos macaquinhos que ignoram o perigo dos fios de alta tensão que, tais bailarinos equilibristas correm saltitantes e seguros de um lado para outro, insensatos, desafiando a vida.

Confesso que fiquei encantada com meu próprio encantamento diante de fatos tão prosaicos. Ah, esqueci-me dos morcegos que dão vôos rasantes sobre nossas cabeças invadindo nossa sala e provocando gritinhos de pavor, desconfiados da precisão dos seus planos de vôo e da competição surda que acontece entre os beija-flores e as abelhas, pelo néctar de água com açúcar que lhes disponibilizamos na nossa varanda.

Ainda ontem, tivemos todos os nossos filhos reunidos em nossa casa, hoje vazia. Mas, através deles calculei nosso potencial de multiplicação e a certeza que um dia ainda se lembrarão destas singelas reuniões de família, onde ninguém quase conversa com ninguém, mas os corações registram a presença de todos.

O olhar que fez com que me deliciasse com coisas realmente significativas é o mesmo olhar que me faz infeliz com coisas insignificantes e, sabidamente passageiras. Infelizmente nossa miopia emocional não discerne esta diferença. Por isto sofremos.

Esta "gangorra" emocional em que vivo é o que alimenta, fortalece e embeleza o que vejo, quando estou lá no alto inebriada e iludida,certa de que ela permanecerá imóvel, Ou, quando estou cá embaixo e tenho a convicção da força que me é inerente e que me impulsiona, às vezes contando comigo mesma, para o vôo que me elevará para onde possa ver a beleza da floresta inteira em vez de cada árvore com suas imperfeições.

Acho que esta “confusão” que, sem pudor explicito é que faz de mim o que realmente sou. Sem preocupações em parecer o que deveria ser.

ALICE ROSSINI

sábado, 7 de agosto de 2010

"O ELOGIO DA CEGUEIRA"

Tenho como principio não falar sobre política partidária no Verso & Reverso. Sei que bastante discutível, uma vez que o BLOG se propõe a tratar sobre assuntos diversos. Embora não impeça que seus colaboradores o façam, reservo-me o direito de ser fiel ao principio referido acima.

Entretanto, uma atitude do Presidente Lula, até prova em contrario humanitaria, na qual pede ao Presidente do Irã, Mahmoud Armadinejad que vá de encontro a um costume, cruel é verdade, mas que faz parte da cultura iraniana, que mata por apedrejamento mulheres que adulteram, tendo, antes, seus corpos enterrados até o pescoço, me fez abrir uma exceção para fazer alguns questionamentos.

Por uma questão lógica, um castigo tão severo não deve incentivar muitos adultérios. Até porque os princípios religiosos e culturais coíbem esta prática naquela cultura. Mas, durante toda historia dos povos islâmicos quantas mulheres sofrem estes e outros castigos, por adultério ou outras “contravenções”, a ponto de atearem fogo às próprias vestes, buscando na morte alternativa para a vida miserável a que são submetidas?

Que circunstâncias diferenciam Sakineh Mohammadi Ahsitiani, das “Elizas Samudios” que tornam cada vez mais elevada a montanha de cadáveres de mulheres, vítimas de violência no Brasil e no mundo? O que tem de especial esta iraniana das outras iranianas que morreram e vão morrer vítimas de atrocidades iguais ou piores do que esta, por “subverterem” os costumes ou por, simplesmente, irem de encontro às leis da natureza, envelhecendo?

Por que tanta compaixão do Presidente Lula? Ser parceiro comercial do Irã o leva pensar que Armadinejad iria contra um costume do seu povo, no qual vê justiça e pouparia da morte a mulher adúltera? Fatos como este acontecem no Irã cotidianamente, assim como as Delegacias de Mulheres em todo o Brasil recebem milhares de queixas de violência até que hottweiler's famintos de fim aos seus corpos mutilados.

Será que tanta preocupação com os problemas mundiais fez o nosso Presidente esquecer-se que foi reeleito para continuar a resolver os nossos problemas, que são muitos e passam, também, pela violência? Nego-me acreditar que o interesse pela vida desta pobre mulher tenha interesses políticos e econômicos. Esta dúvida pode tornar-se cruelmente crível de que os homens só agem em pró de outros homens quando movidos por interesses que os excluem!

Num país onde há 10 anos um jornalista famoso, réu confesso, matou com um tiro nas costas uma namorada que cometeu o erro de terminar o namoro, responde pelo crime em liberdade, por que o cidadão Luiz Inácio não usa das suas prerrogativas de Presidente da República para “agilizar” o processo? Pilhas de recursos se arrastam pelos tapetes mofados e dormem empoeirados nas gavetas entulhadas da Justiça. Por que uma instituição que se diz cega por achar-se equânime, não cumpre, enfim, seu papel e a morte desta mulher seja punida?

Achará o Presidente brasileiro que salvando a vida de uma iraniana vai redimir os sofrimentos milenares de todas as mulheres que vivem em culturas, onde a discriminação contra elas é institucionalizada?

Presidente, um titulo de defensor de causas humanitárias lhe cairia muito bem e talvez lhe fizesse merecedor de um cargo na ONU se, nosso país não estivesse ocupando o honroso oitavo e o terceiro lugares em desigualdades no Mundo e na América Latina, respectivamente.

ALICE ROSSINI

domingo, 1 de agosto de 2010

NO FUNDO DO POÇO MAS, OLHANDO AS ESTRELAS

Alguns dos leitores assíduos deste Blog devem estar achando estranha a minha ausência. Não porque sintam falta dos meus talentos literários, os quais são de gosto duvidosos até mesmo para mim, mas, talvez, pela falta da minha irreverência e esta mania que tenho de “cutucar com vara curta” assuntos por muitos conhecidos mas por poucos comentados. Eu normalmente tenho coragem de sobra para me aventurar a falar de assuntos mais atrozes. Se bem que a coragem e uma faceta que me fica bem devido ao meu tamanho. Devo reconhecer que também é uma característica dos inocentes, infantis ou até mesmo ignorantes inconsequentes.

Mas não é sobre o que eu sou ou deixo de ser que estou aqui. Hoje vou lhes contar a última sacanagem que a natureza me está preparando. Justo eu que sou tão defensor de seus direitos e valor.
Depois de nascer, crescer, estudar, namorar, competir, viajar, trabalhar, amar, beijar, casar, fecundar, construir, educar, torcer, discutir, afagar, viajar de novo, ufa!... Logo agora, quando me preparo para me aposentar e passar os anos vindouros, segundo meus planos originais num sonho acalentado desde a infância, viajando pelo mar, costurando a costa do nosso belo País, estou ficando cego da vista esquerda.

Ainda não é definitivo e não o será até que eu esgote a última opção ou alternativa, mas o processo de deterioração da córnea está galopante. O meu médico diz que faltam muitas etapas para que seja dado um veredicto sobre o final desta troca de tapas com a Mãe Natureza. Já avaliei que na pior das hipóteses, sempre terei o outro olho, o direito.

Mas visão não é testículo. Todo homem quando muda de posição em determinada situação, tem o grosseiro gesto de passar a mão "nas partes" num gesto instintivo para conferir se não perdeu nenhum deles. Às vezes só sente um e se põe a tatear procurando a outro que migra a seu bel prazer para algum canto. Mas, testículos são como as chaves do carro. Podemos até não saber onde estão no momento, mas sempre as encontramos.

A visão não, quando nossos olhos perdem a capacidade de absorver a luz, já era! Só me resta ser otimista. É isso aí! Otimista!

O pessimismo é no varejo e no atacado no jogo da incerteza. Nunca poderei perder neste jogo. É a única visão da vida na qual eu nunca poderei me desapontar. Depois de decidir o que fazer, na pior das circunstâncias, quando o melhor chegar, como deverá chegar, a minha vida se tornará uma brincadeira de criança. Não quero que o desapontamento repentino da minha esperança deixe uma cicatriz tão profunda, que a realização máxima do meu sonho nunca seja capaz de remover.

Depois de receber a notícia, a raiva e a revolta me assaltaram de uma forma silenciosa. Queria vingança, queria justiça. Lei do Talião, olho por olho e dente por dente.

Mais calmo, tomo consciência de que essa justiça só me levaria a mais cegueira. Enfim, os filhos da cegueira são o ódio e a desconfiança. Então, só me resta esperar pelo melhor já que ser cego não é ser miserável. Não ser capaz de conviver com a cegueira é que me tornará pobre, vazio e inútil. Vou pagar pra ver, com afinco, com força e com o meu bom humor de sempre. Com ele eu poderei suavizar alguns das piores etapas que a Natureza me fará ulptapassar antes vencê-la.

E, se não puder cumprir com o meu sonho de marinheiro viajando pela costa do Brasil irei a outros lugares. Certamente, Brasília será o meu preferido, quando lá vou, sinto-me mais do que nunca, juntinho ao meu dinheiro tão arduamente suado!

Quantos ao meu redor são cegos mesmo vendo? Porque vem todos os dias iguais uns aos outros. Todos os dias são diferentes e cada um traz consigo um milagre próprio de criação e sentimentos em minha vida. Não precisamos do sentido da visão para sentir estes milagres a cada dia que acontecem.

E se o mal for inevitável preferirei sentir assim, a ver as coisas como elas não o são.

FERNANDO TROVADOR

domingo, 25 de julho de 2010

ANTES DA PALMADA


Lei não combina com emoção. Embora as leis reflitam sentimentos, costumes e valores dos homens elas devem ser elaboradas distantes de fatos que provoquem comoção pública e assim, isentem-se de juízos que comprometam sua justeza e aplicabilidade.

Parece-me que o “caso” da procuradora Vera Lúcia Gomes que espancou e torturou a filha que pretendia adotar, escandalizou o país provocando revolta e a denuncia dos vizinhos à Justiça, vejam só, de uma representante da lei. O fato exacerbou na sociedade e nas autoridades o instinto de proteção ao menor.

Como não sou advogada, pedagoga ou psicóloga minha opinião é leiga e de simples mulher, mãe de dois filhos já adultos mas, com algum discernimento.

Grosso modo o Governo publicou uma lei que proíbe pais e responsáveis de darem palmadas em seus filhos. Palmadas passaram a ser sinônimo de violência. A depender da intensidade e do contexto, podem ser. Mas podem, ainda, dependendo das variáveis citadas, serem gestos educativos e sinônimos de atenção e da importância que a criança ocupa na vida de quem lhe deu a vida.

O perfil da família brasileira varia entre aquela que dorme ao relento, cujos membros mal alimentados e sem capacidade de alimentar são vítimas do descaso da indiferença e nela "subvivem" até a família inserida nas classes C, B e A que, embora livres do sereno e do analfabetismo, não estão livres de maus tratos e da ignorância.

Só que os conceitos de violência variam da mesma forma que se diferenciam a sensibilidade e o grau de instrução de seus membros.
Não é a educação formal que confere a qualquer individuo capacidade de ser pai e criar seus filhos de maneira a não submetê-los às inúmeras formas de constrangimentos e humilhações. Conheço muitas pessoas que, mesmo sem escolaridade formal possuem sensibilidade inata para educar.

Portanto, arbitrar sobre questões tão subjetivas e diversificadas é, no mínimo, perigoso como perigosa é qualquer tipo de generalização.

Que toda criança deva ser poupada de violência isto é sabido e já existe um Estatuto que lhes assegura este direito. Mas, no momento em que se pretende conceituar o tratamento violento, que no meu entendimento vai de um olhar carregado de ódio e ressentimento até uma omissão, que a faça sentir-se desprotegida, o Governo superpõe um papel ao que, constitucionalmente já é obrigado, de assegurar direitos igualmente fundamentais: moradia, uma família estruturada que as proteja, educação até, pelo menos, o ensino medio, saude, a proteção da violência urbana, do assedio de traficantes e da sexualidade precoce e insegura, dentre outros.

Sou fruto de uma geração, cujos pais sofreram castigos severos e formas de educar impregnadas de preconceitos. Infelizmente a "leitura" que foi feita dos instrumentos oferecidos pelas ciências humanas foi, além de individual, não raro, mal interpretada. Onde já havia uma crise de autoridade foi justaposta a aplicação confusa da teoria oferecida pela Ciência, desde sempre ocupada com o equilíibrio e bem estar do ser humano.

Os resultados desta lacuna foram adultos perdidos educando crianças mais perdidas ainda, onde conceitos de "certo" e "errado" confundem-se num mundo já mergulhado numa crise de valores.

Hoje a permissividade e a falta de limites colocam diante de nós um modelo de sociedade onde o mais forte, o mais rico, o mais bonito, o mais contaminado por valores, ainda que questionáveis, leva sempre vantagem diante do diferente, que é a regra. Pois, queiramos ou não, cada ser humano é único e deve ser respeitado e aceito dentro dos parâmetros de sua singularidade.

Concluindo, achava mais eficaz que o Governo, antes de entrar no mérito da forma das familias educarem seus filhos, elabore leis cujo "espírito" seja o de proteger a familia, independente do modelo em que esteja organizada, mas ancorada em valores onde a educação seja o caminho mais seguro para um futuro digno.

Aliás, leis existem, basta cumprí-las e que a todos seja dado o direito de usufruir da sua proteção.

ALICE ROSSINI

terça-feira, 20 de julho de 2010

EDITORIAL


O Verso&Reverso atingiu a marca de 10.000 acessos antes de completar dois anos de existência. Para quem começou e continua com a modesta pretensão de registrar emoções é um número bastante representativo.

Através da releitura de textos de seu editor e de seus colaboradores Bernardo Assis Filho, Lucia Araujo, Lucia Izabel, Maria de Lourdes Timbó, Fernando Trovador, Marco Rossini, Rafael Neves, Ricardo Barreto, Rozie Bahiana e Sérgio Gomes que, tão humilde e brilhantemente registraram suas emoções, reflexões e sentimentos, além da gratidão que invade sua editora é relevante a constatação de que seres humanos interessam-se por outros seres humanos, num mundo onde tudo nos leva a crer o contrário.

Não poderia ter existido este Blog sem a ajuda inestimável das Lucias da minha vida, a Araujo e a Izabel, na revisão de textos.

Comemora ainda o Verso&Reverso nunca ter recorrido à injustiça nem nunca ter incentivado o preconceito para embasar opiniões. Ao contrário, perseguiu uma postura libertária, humanista e livre, avessa a qualquer pretexto que amordace a liberdade de expressão sempre que ela surja limpa, ousada e solta, no espírito humano.

terça-feira, 13 de julho de 2010

VIVER É SENTIR


Falam do nascimento como um acontecimento traumático. E é. Não é à toa que o primeiro suspiro de um ser humano é acompanhado por um choro. Choro que nos acompanha em todas as fases das nossas vidas. Desde a primeira infância, nos afastamentos, ainda que temporários, dos nossos pais, à adolescência quando nos sentimos infelizes e incompreendidos ou quando encontramos o amor onde dor e felicidade são faces da mesma moeda, quando somando-nos tornamo-nos pais ou multipicamos-nos em netos, quando a velhice nos coloca diante da possibilidade concreta da finitude, até quando nossos filhos voam para viverem suas vidas e nos assaltam sentimentos contraditórios. À compreensão impactante do nosso alheamento ao que, certamente, experimentaram nossos pais quando a roda da vida girou também para eles, não raro lamentando suas perdas.

São sensações que só se tem consciência da dimensão quando são vivenciadas. E cada um as vivencia como quer e pode.

Quando falo em choro, me refiro ao ato de chorar como uma metáfora. Prantos são manifestações emocionais e não são só as negativas que as originam. Lágrimas, embora levemente salgadas, podem ter gosto de felicidade, de alívio, de ternura, mas também podem ser amargas como a saudade, o medo e a solidão existencial.
O ato de chorar é uma das mais contundentes manifestações de sentimentos em ebulição. Tanto apazigua quem o externa quanto inquieta a quem o contempla. Quantos sentimentos ruins não seriam enxaguados por prantos contidos e quantos bons sentimentos não seriam iluminados pela transparência cristalina das lágrimas?

É incível como os homens teorizam sobre todas as fases da vida, delas expulsando sentimentos e sensações que tanto as exorcizam quanto as engrandecem, ancorados na óbvia constatação de que acontecem, queiramos ou não. Assim, passam por todas elas enclausurados em crenças graníticas que os impedem de traçar suas próprias trajetórias, que as distanciam de paradigmas e condicionamentos já fossilizados pelo tempo, em que todo fechamento de ciclo, ou é bom ou é ruim. Maniqueísmo que engessa manifestações individuais surgidas da diversidade humana, que deveria nos aproximar em vez de nos estigmatizar.

Todas estas fases tem suas doses de dor e prazer. Mas podem ser dolorosas, principalmente, por não contarmos com a compaixão dos que já as ultrapassaram e, por saberem que sobreviveremos, banalizam nossas emoções. Ou por aqueles que já as ultrapassaram e não as vivenciaram. Por não mergulharem nos lagos misteriosos das emoções perderam a essência da vida que é sentí-la.

Entendo que este comportamento é determinado pela humanidade de cada um de nós. Determinados alheamentos são confortáveis trincheiras onde escondemos nossos sentimentos e quem de verdade somos. Quem as usa e sente-se bem, que as torne cada vez mais acolhedoras.

Quando virmos lágrimas escorrendo por faces conhecidas ou de outro alguém e ignorarmos o porquê de estarem sendo vertidas, não nos apressemos em debitá-las ao sofrimento. Corremos o risco de sentenciar pessoas à solidão por estar experimentando um momento de felicidade que poderia ser compartilhado ou de estar gritando, através do pranto “me ajude”, "não me deixe só”, “preciso de um respeitoso silêncio ou de uma confortável privacidade”.

Fiquemos, pois, atentos aos semblantes dos que nos rodeiam. Somos todos humanos, vulneráveis, às vezes fortes às vezes fracos e a roda da vida não sofre do mal da iniquidade.

ALICE ROSSINI

segunda-feira, 5 de julho de 2010

INFINITO



Pegue uma folha de papel em branco, desenhe um oito na horizontal (ou então desenhe na vertical e depois vire o papel, caso você não consiga desenhar na horizontal) e pronto: você resumiu tudo o que existe no mundo e até o que não existe. O que você acabou de fazer foi simplesmente representar o infinito em apenas um pouco de tinta de caneta ou lápis. Ou seja, todas as trilhões de coisas, informações, mentes e tudo mais que exista ou que nem sonhamos que exista.

Sabe aquelas respostas que você se cansa de descobrir, mas nada encontra? Bem, saiba que sua resposta está ai, você só não sabe onde. Ela está em algum lugar do vasto infinito, disso você tem certeza, só não dá pra o local exato. Dentro desse infinito está tudo o que não sabemos, assim como tudo o que já descobrimos. Então pra que procuramos ainda mais respostas? Não é só escrever este símbolo e pronto, ta tudo resolvido? Na próxima vez em que tiver de responder a uma pergunta, vou simplesmente escrever e um oito deitado e deixar o bilhete: “A resposta está ai, tenho certeza. Ache-a por favor”.

O poder desse símbolo é tão grande que você é capaz de fazer muitas outras loucuras com ele. Não é mais preciso inventar um jeito de clonar seres humanos, basta escrever duas vezes o símbolo do infinito e todo o universo, bem como seus habitantes, serão clonados. O fim do mundo pode chegar bem antes de 2012, é só escrever o símbolo e apagá-lo ou rasgar o papel para que todo o mundo seja destruído.
Todos os acústicos, bolas de basquete, cacetetes, dados, esquadros, fóruns, galinhas, helicópteros, imãs, jaquetas, kg, lustres, maneiras, ninhos, óticas, paquidermes, quarks, rinocerontes, sábados, tangerinas, uvas, vasilhames, wet’n wilds, xeque-mates, yards e zarolhos estão compactados neste símbolo. Até mesmo aquelas coisas que nem cabem no alfabeto estão ai, até mesmo as coisas que você pensa que não estão e as que você pensa que pensa que não estão. Bom, ta bom que isso tudo pode dar um pouco de dor de cabeça, então,melhor encerrar por aqui.

RAFAEL NEVES - estudante - 15 anos

domingo, 27 de junho de 2010

DUAS VIDAS

Este texto foi escrito tal qual um escultor esculpe uma escultura ou uma rendeira manipula os bilros que transformam o emaranhado de linhas em renda. Quase dois meses me separavam do fato que o motiva e eu já o escrevia, palavra por palavra, linha por linha, cada vez que algum forte sentimento me invadia.

Existem emoções, cuja composição assemelha-se a uma colcha de retalhos. Feita de partículas de momentos, alguns úmidos de lágrimas, outros enfeitados de sorrisos, que não podem nem devem ser monopólio de sensações solitárias. Foram vividas para serem compartilhadas, gritadas e mostradas ao mundo com o cuidado de artesão e a humildade do artista que sabe o quanto aquela obra foi cuidadosamente trabalhada para ser concluída como “prima”.

Emoções, por mais subjetivas e abstratas que pareçam se adensam e fogem pelas modulações da nossa voz, pelo brilho do nosso olhar, pelas palpitações incontroláveis do nosso coração. Se as represamos, sufocam-nos e corremos o risco de perdê-las nos meandros de outros sentimentos gerados por circunstâncias várias. Se as guardamos nas duvidosas gavetas do futuro abdicamos da capacidade de sonhar e os sentimentos, com os quais costuramos aquela colcha, talvez percam a tessitura delicada com que a construímos durante toda nossa vida.

A tentativa, às vezes vã, de desvendar o futuro com chaves emprestadas pela fé na vida pode ser uma aventura, cujo desfecho é uma pergunta sem resposta. Viver intensamente, talvez seja assumir um compromisso com o risco, experimentar com antecedência momentos ansiados ou temidos. Ficar preso à dúvida, uma opção covarde. Sempre preferi a primeira, porque sonhar talvez seja minha maior necessidade, minha primeira vocação.

Tenho alguma idéia sobre o que estou tentando descrever. Já vivenciei o fato ao qual me refiro. Certamente, o degustei de diferentes formas, já que saboreava a vida com expectativas e paladares, para mim desconhecidos e com intensidades diversas. Tudo para mim parece inédito. Nunca experimento as emoções da mesma forma, porque a cada dia sou uma e o mundo sempre será irreconhecível pois, invariavelmente, surpreendente.

Lembro-me que sensações de completude me fizeram transcender a realidade e levitar afastando-me de tudo que era mundano. Como se tivesse vivido minha vida inteira para chegar àquele momento.

Embora as personagens apenas troquem de identidade e uma seqüência diferente de acontecimentos que, entre um fato e outro se misturaram, agora se reencontram em determinado momento. É transformar a vida com toda sua amplitude em um passo, num acontecimento. Refiro-me às emoções que me inundam quando entrego aos meus filhos seus Diplomas de Graduação.

Muito mais que a certeza e o conforto do dever cumprido o sentimento é de gratidão. À vida pela emoção que tão poucos experimentam e à Rodrigo e à Matheus pela honra de dividirem comigo o que seria o clímax das suas humanas trajetórias. Vestimo-nos a rigor para nps inserir no contexto onde tornaremos a viver a plenitude das nossas existências e eles, mais que isto, a realização das suas maiores conquistas, a legitimação da posse das ferramentas que os ajudarão a desbravarem seus futuros.

Na aparência do ritual que exige sedas, becas, faixas, sorrisos, abraços e muita emoção, tudo se resume ao momento que acontece em um cenário, de um sonho tão sonhado por isso, quase irreal.

Que me estenda Matheus, suas amadas mãos como um dia segurei as de Rodrigo, e mais uma vez será entregue um símbolo de pergaminho que lhes conferem a certeza que já podem continuar seus caminhos, fortalecidos pela liberdade das suas escolhas.

Das vitórias e das dificuldades, a humildade e a coragem para fazerem de cada dia um motivo de recomeço.

ALICE ROSSINI

sábado, 19 de junho de 2010

EDITORIAL

Acho que se Jose Saramago lesse este editorial,certamente ficaria muito zangado. Porque ao ouvir a noticia da sua morte ontem pela manhã, senti a sensação que a humanidade perdeu um dos homens mais importantes para, pelo menos, dois séculos.

Esta importância que lhe confiro ele “esnobaria”, pois era um homem simples, capaz de apaixonar-se, capaz de viver este amor e conviver com seu talento com a mesma naturalidade com que observava a beleza da paisagem mágica que o acompanhava através da janela da sua biblioteca.

Mais que a Literatura fica órfão um valioso arcabouço de princípios éticos, políticos e sociais que se mantiveram coerentes até o inicio da manhã do dia 18 de junho. Avesso a qualquer tipo de censura banhava de modernidade o que para alguns ainda são necessárias a violência e o arbítrio.

Perde o mundo mais que um escritor. Perde um homem livre, que mantinha a jovialidade de ser critico voraz das causas que acreditava justas, que compreendia as circunstâncias históricas, aceitando-as ou rejeitado-as com a mesma desenvoltura e coragem.

Uma das maiores e mais nocivas “intermitências da morte” é acordarmos e descobrirmos que alguém, tão importante para o crescimento da humanidade, “não estar mais aqui”, como diria ele.

sábado, 12 de junho de 2010

SAWABONA*

Temos o hábito de confundir os significados dos sentimentos. Nomeá-los com exatidão é uma tarefa complexa porque, além de seus conteúdos serem vários e inexatos provocam sensações diferenciadas para as pessoas.

Hierarquizá-los é outro costume que muitas vezes causa estragos nas relações e compromete nossa lucidez em relação à vida. Não importa se os relacionamentos a que me refiro acontecem entre pessoas, com nossos animais de estimação ou até em relação a lugares, situações e momentos que não queremos esquecer. Vivemos cheios de conceitos e preconceitos. Achamos que tudo que sentimos tem que ser explicado, rotulado, possua qualquer sinal ou demonstre algum sintoma que lhe identifique. Por mais subjetivo que seja.

Vamos por partes. Quando resolvemos adotar um animalzinho de estimação o fazemos motivados por inúmeras razões, necessidade de companhia, de “ter” alguém que nos seja fiel, que nos ame incondicionalmente, que sempre demonstre alegria pela nossa presença e sofra com a nossa ausência. Carências nossas de cada dia ou, simplesmente porque adoramos suas presenças.

Faço analogia com o amor de um cão por seu dono, porque não conheço sentimento mais despido de razões para existir, que tudo perdoa e nada cobra, tudo dá e nada pede.

Já entre nós, humanos, para achar que podemos amar uma pessoa, precisamos de uma serie de motivos que devem ser, obrigatoriamente, identificados e valorados. Mal sabendo o quanto estamos expostos a sentimentos de naturezas várias e, por mais que nos escudemos, quando o Cupido, atração sexual ou a simpatia nos contamina, não há antídoto que nos livre de nos emaranharmos nos nas suas teias.

Assim como agimos com os animais, agimos com as pessoas. Não raro amamos o amor que sentimos por elas, o quanto ele nos ratifica como seres humanos, o significado social de fazermos parte de um par, a muleta emocional com que esta pessoa nos ajuda a caminhar na vida, o medo de uma velhice solitária, a companhia para pequenos prazeres, como ir à praia, ao cinema, ao teatro ou ao casamento da nossa melhor amiga.

Quantas vezes, ao vermos alguém desacompanhado num restaurante, especulamos penalizados, que deve ser separado, viúvo, por isto infeliz ou até que tenha algum defeito o tenha confinado à solidão.

Esta cobrança de duplicarmo-nos ou sermos um sendo dois faz com que nos atiremos nas relações, de qualquer natureza, banalizando o “encontro”, tanto em relação aos nossos sentimentos quanto às expectativas que criamos para que os outros as administrem.

Toda esta “complexidade” deve-se ao fato de sermos providos de raciocínio. Ao raciocinar impregnamos de conteúdos estranhos aos nossos instintos sentimentos que nascem de forma natural e imprevisível.

O sentimento mais forte entre duas pessoas é a amizade. Quando acompanhada pela atração sexual segue um roteiro que começa com a paixão que pode transformar-se em amor. Se conseguir ser aprovado nos testes dos desencantos, das descobertas dos defeitos, do sorrriso de um sempre contagiar o sorriso do outro, da capacidade de sobreviver às calmarias e às tormentas da vida, este é o amor que tantos anseiam e poucos alcançam.

Ainda assim não é fácil viver com quem dizemos amar, porque muitas vezes dizemos amar alguém que não suportaríamos ter como nosso amigo. E como a amizade é o sentimento que resiste ao tempo, sem ela, nenhum amor, por mais apaixonada que tenha sido sua história será capaz de testemunhar cabelos brancos e rugas que contam histórias de “Branca de neve”, “João e Maria” e “Piratas da perna de pau".


ALICE ROSSINI

* sobre estar com o amor!

domingo, 6 de junho de 2010

Rola a bola e gira a vida

Confesso que estou vivenciando esta Copa do Mundo de forma diferente. Sou daquelas pessoas que não contamina o Esporte com nenhum assunto de outra natureza. Intrigas, interesses econômicos e políticos e clichês como “desviar a atenção do povo das mazelas sociais”. Nada disto me incomoda. Durante a Copa “eu sou brasileira, com muito orgulho, com emoção”, “pra frente Brasil! Do meu coração” e acho que “vai rolar a festa, vai rolar, o povo do gueto, mandou avisar”.

Todos os anos criticam os convocados. Chamam o técnico de teimoso e o “xingam” de burro quando não dá ouvidos às 180 milhões de opiniões e convoca jogadores que, ao seu juízo, são os mais capazes de conquistar o hexa campeonato. Se convoca “estrelas”, jogadores experientes e “maduros” dizem que cedeu às pressões, que não tem poder, que quem manda na Seleção são os cartolas da CBF, etc, etc.

Ele, Dunga, que deveria chamar-se Zangado, tão econômico em sorrisos, parece que não está nem aí. Imagino que a consciência da responsabilidade que carrega é, também, responsável pela sisudez da sua fisionomia. Mas o técnico da seleção brasileira é pago para tomar decisões difíceis, assumir erros, dividir acertos e ter 180 milhões de fanáticos e implacáveis patrões, daqueles bastante intolerantes e todos "experts" em futebol.

A verdade é uma só, há décadas: se ganhamos o tão sonhado título, técnico e jogadores são endeusados e não são poucos os que especulam na “Bolsa de Valores dos Craques” o quanto em moedas passam a valer seus passes. Pena! Roubam muito da magia inerente ao esporte. Se perdermos, ah, o Presidente da República é "pé frio”, o técnico é inexperiente, não entende nada de futebol, os jogadores uns mercenários, alguns são, e muito, mas a maioria quer ganhar o título. Quem não quer? As razões deles pouco me importam. O que eu quero é ver um brasileiro erguer o tão ambicionado troféu e, de quebra, ainda faça algo inusitado como a declaração de amor de Cafu. Que sejamos também criativos no momento de reverenciar a vitória.

Esta Copa esta dividindo minhas atenções com a formatura do meu filho e a vinda de um neto. Só o coração desequilibrado e em êxtase de uma mulher para não enfartar vítima de eventos de tamanha magnitude. Embora, na escala de prioridades, formaturas só aconteçam uma vez na vida e esta é a última que vivenciarei, netos são nossa continuidade no mundo, fazem a gente voltar no tempo e, infantilizados, acharmos que passaremos a vida à limpo, Copas do Mundo, estas, acontecem de quatro em quatro anos e não são garantia de felicidade.

Não tenho dúvida que quando ouvir o Hino Nacional, um arrepio de emoção vai percorrer meu corpo e minha alma vai ficar verde e amarela. Até porque a excitação nos contamina e o espírito competitivo, característica que normalmente não faz parte do meu perfil, toma conta de mim.

A certeza que o mundo, ou grande parte dele está com as atenções voltadas para a África do Sul, só conhecida pela pobreza e pela ignorância do "apartheid" racial, é agregador por princípio, que inspira a solidariedade, que intensifica o esquecido amor à pátria e onde a violência é punida na hora em que é cometida, faz do evento um momento de relevância na história da humanidade. O olhar do mundo inteiro Oriente e Ocidente, voltado para os caprichos de um objeto esférico, a semelhança da forma do Planeta que dele se ocupa. Geralmente, a justiça prevalece, ganha quem melhor joga, quem valoriza a cooperação, quem aproveita oportunidades, quem respeita regras. E se for o nosso Brasil, com Dunga ou sem Dunga, que jogar o jogo justo e bom, tanto melhor.

Período em que, a cada jogo damos folga às nossas preocupações por, pelo menos, 90 minutos. Quando haverá no país um consenso recorde, em período pré-eleitoral, entre 180 milhões de pessoas (já pensaram na importância disto?) e todas as alegrias terão uma única e tão tola quanto decisiva importância para nossa auto-estima nacional? Coisa rápida, mas dá aquele gostinho do bom que se "parece" definitivo.

Ainda que depois sejamos engolidos pelas nossas circunstâncias, vale a pena nos dar uma trégua e sermos todos patriotas.

ALICE ROSSINI

domingo, 30 de maio de 2010

A INVISIBILIDADE -- UMA PANDEMIA

A invisibilidade é uma “doença” que atinge grande parte da humanidade. Prima-irmã da discriminação e da indiferença, já é crônica em algumas categorias de trabalhadores, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, algumas etnias e classes localizadas na base da pirâmide social.

Quando se instala nas relações interpessoais e familiares assume algumas peculiaridades.

Neste último caso, vitima mulheres, crianças e homens, independente dos papéis que assumem nos ambientes. Com relação as mulheres, idosos e as pessoas portadoras de necessidades especiais, tem raízes cravadas na ancestralidade. Não vou entrar no mérito das causas antropológicas, nem pretendo ser repetitiva, nem óbvia.

Não podemos e nem devemos generalizar a invisibilidade. Considero-a uma “doença” degenerativa, degradante e excludente. É insidiosa, indiferente à raça, classe social ou nível cultural. Entretanto, só atinge os que são ou se percebem fracos, os omissos ou os covardes. Embora considere mais covarde e omisso quem favorece ou determine a invisibilidade de alguém, através de frestas das suas fraquezas.

Ainda, no caso das relações familiares seu diagnóstico é confundido com “crise”, este saudável processo que banalizamos. Porque crise tem características outras; é pontual, tem principio e fim, é transformadora e, muitas vezes, assume caráter libertário.

O que quero registrar aqui é a necessidade de todo ser humano ser “visível” ao outro e toda existência ser considerada relevante. E isto seria determinado e condicionado pelo equilíbrio e autonomia emocionais de um lado e solidez de valores e compaixão do outro.

O grande empecilho são os condicionamentos deformados que nos contaminam, impostos pelo mundo e aceitos passivamente: machos e fêmeas, cada qual assumindo, respectivamente, os estereotipados papeis de “predadores” e de “caça” abatida e indefesa. Algozes usando como armas negligência e prerrogativas imaginárias e vítimas anulando-se por comodismo ou por fraqueza, numa "guerra" sem vencedores.

Pais e mães negligenciando filhos que, livre ou irresponsavelmente gestaram e povoaram o mundo, delegando a terceiros a responsabilidade de formá-los. Sentenciando, assim, o futuro a uma geração de seres que, de humanos, só tem a classificação no reino animal.

A intolerância entre etnias e crenças desconhece que o conceito de raça já foi modificado e avançado para o de uma única raça, a Humana e que o DEUS que muitos usam como álibi para a intolerância não fosse um ser uno, cósmico e onipresente.

Certamente que devemos dividir responsabilidades já que não superamos “explicações” e “justificativas", nem demos um salto de qualidade em questões existenciais básicas. O mundo mudou e embora tenhamos provocado estas mudanças, muitos de nós não as acompanhamos e nem as compreendemos. Infelizmente!

Refiro-me aqui, aos homens e mulheres contemporâneos que ainda se mantêm reféns do casal que vivia em cavernas; aos que desconhecem os avanços da ciência quanto às possibilidades a que tem direito os “ditos” deficientes; os indiferentes à renovação de conceitos étnicos, culturais e aos imunes ao resgate e solidificação de princípios éticos

A ausência desta consciência enfraquece a Humanidade. Os seres, ao se alienarem dos anseios uns dos outros, privam-se de um universo rico, em diversidade, possibilidades e emoções. Empobrecem-se os sonhos. E com eles as perspectivas e as esperanças.

ALICE ROSSINI

domingo, 23 de maio de 2010

O “JOVEM INQUIETO”


Pare na frente da banca da esquina da sua rua, e veja as fotos das modelos nas capas das revistas de moda feminina. Todas as manequins magrinhas, com a estrutura óssea destacando-se em proeminentes relevos. Infelizmente, as mulheres são constantemente bombardeadas com imagens de ideais corporais que beiram o impossível já que em muitos casos, ser magrinha requer expor o corpo a sacrifícios que, quando se tornam crônicos, abrem caminho à morte prematura.
Esta questão já era motivo de alarme generalizado nos centros de moda e entre a classe artística como sendo uma praga que ataca meninas e mulheres que são modelos, atrizes ou querem sê-lo. Mas isto não é tudo!

Li numa página de internet, que já nem me lembro qual, que um dos mais famosos construtores de manequins para lojas, uma empresa chamada Rootstein, lançará no próximo mês um modelo masculino novo chamado de “Jovem Inquieto”. O boneco terá como medidas, “estonteantes” 90centímetros de peito e 68 de quadril.

Segundo estatísticas, em 1990 os homens ocupavam apenas 10% do contingente de pessoas que sofriam de desordens alimentares. Hoje, já são 25% do total. A procura comercial pelo “Jovem Inquieto” reflete a proeminência de novo modelo raquítico de homem ideal, que é quase impossível de ser alcançado pela a maioria dos seres humanos normalmente formados.

É óbvio que este novo modelo de manequim, gotejou das paredes andrógenas do mundo da moda, onde a percepção geral é que o talento dos grandes costureiros se resume em desenhar roupa para esqueléticos, ou, longe de ser preconceituosa, a maioria dos “designers” reflete seus gostos ou desgostos baseados na sexualidade de cada um. E isto é preocupante porque, se o “Jovem Inquieto” retrata não só no físico como na aparência, um ser humano entre 15 e 20 anos, de formas e gênero indefinidos.

Isto pode até ser um alento subliminar, numa interpretação mais radical, a práticas promíscuas e até criminosas como a pedofilia. Esta, no momento, já tem até defesa entre uma estranha gama de psicólogos e psiquiatras, que estão qualificando-a como outro tipo de sexualidade, ou, um distúrbio psicofísico tipo alcoolismo ou vicio em outras drogas.

Era só o que nos faltava! Se bem entendo, já não se trata de fazer a sociedade aceitar naturalmente a homossexualidade, o que eu apoio e respeito. Agora se trata de convencer a mesma que ser só heterossexual é ser careta! Será que vem por aí uma campanha para enriquecer a condição de heterossexual, agregando o termo “homo fóbico”, como sinônimo?

O argumento de que o “Jovem Inquieto” está baseado na atitude e modelo físico da juventude atual é falho e absolutamente devedor de suporte estatístico. O talento de cada um dos artistas que desenha obras de arte em forma de roupa, não pode ser desculpa quando reflete possíveis e prováveis desvios comportamentais, sociais e pessoais, principalmente dentro do seu círculo de influência. A mim me parece que Jennifer Lopez, por exemplo, dona de uma bundinha linda, se vê muito melhor em qualquer das peças desenhadas pelos grandes estilistas, do que qualquer “raio-x ambulante” das passarelas de Milão, Paris e Nova York.

Os homens na sua maioria absoluta, independente muitas vezes da sua sexualidade, não se definem principalmente pela sua aparência física. A razão para este aspecto é que o poder deles não deriva da mesma. Já as mulheres, entram no prejuízo porque juram de pés juntos que a fonte do seu poder tem como suporte principal a sua aparência. Se juntarmos a esta verdade, o fato de que a grande maioria dos “designers” que comandam o mundo da moda é homossexual, aí está servida uma salada tóxica de idéias sobre padrões de beleza distorcidos e genuinamente “brochantes”.

Homens preparem-se. Daqui a muito pouco tempo, seremos nós a necessitar de terapias e mensagens destinadas a levantar a nossa auto-estima, nos lembrando, a cada momento, que é ótimo ter curvas e ser gordinho.

Ciao, Vou andando... estou morrendo de fome!

FERNANDO TROVADOR

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A MALDIÇÃO DOS NÚMEROS

Sabe aquela historinha dos carneirinhos que todo o professor de matemática conta para explicar a origem dos cálculos matemáticos? Bem, esse maldito conto sobre o dono de carnerinhos que teve de inventar a noção de “contagem” para cuidar dos animais nunca deveria ter acontecido. Eu, se estivesse lá na época, provavelmente degolaria o maldito criador antes que ele pensasse em alguma coisa que se parecesse com um “número”.

Minha aversão não é contra matemática, muito pelo contrário, algumas relações aritméticas são tão perfeitas que impressionam. O que eu poderia amassar, pisotear e jogar no lixo são os miseráveis números. Não há símbolo mais medonho e mais compressor do que eles. E o pior é que os bandidos se disfarçam, fazem-se de bonzinhos organizando nosso dia-a-dia, nos dizendo as horas, ajudando a pagar contas e melhorando o comércio. Mas se esses chatos não existissem, nenhuma dessas atividades maçantes e repugnantes existiria. Seria um grande favor, diga-se de passagem.

Números são como algemas. Como correntes que nos prendem às coisas como se fossem parasitos intracelulares obrigatórios. Um verdadeiro vírus para as pessoas. Um câncer para a sociedade. Um câncer muito bem maquiado. E por que tamanho ódio? Números destroem sonhos, acabam com a felicidade e resumem todo o processo num só resultado com poucos mais de dois dígitos.

Pense assim: uma pessoa esperando ansiosamente o dia inteiro para ir até o zoológico com a família. A felicidade e a excitação da família é extraordinária, mas mesmo que todos façam um esforcinho para sair de casa às 17h, basta ver uma placa escrito “Aberto até 16h” para todos desanimarem. Quer dizer, a alegria se dissipou no instante em que avistaram aquele grande número gerado da multiplicação de 8 com 2.

Não importa o quão grande e magnífico seja o seu sonho de se tornar o homem mais rico do mundo. Basta abrir seu saldo bancário para desanimar de vez. Mesmo que você queira se tornar uma modelo famosa, subir numa balança e ver aquele número ultrapassar 90, fará você derramar lágrimas. E não importa o quão determinado você esteja para descobrir a cura do AIDS. Basta que você não esteja entre o número de selecionados para a faculdade de medicina para que seu sonho vire cinzas.

Um aluno pode muito bem estar transbordando de confiança quanto a uma prova. Pode ter aprendido todo o assunto e memorizado todos as dicas necessárias, mas um erro na marcação das questões pode fazer com que sua nota não ultrapasse a média. Quer dizer: o moleque era inteligente e esperto, tinha estudado até descolar os olhos, mas um número resumiu todo o seu progresso em “Abaixo da Média”.

A questão é que começamos a nos achar números, visto que o câncer já consumiu todo nosso corpo. Somos o número da balança. A dosagem do remédio. A hora da reunião da empresa. O dia da viagem. A nota da escola. A temperatura do dia. O número do celular... Não é ato que, antes de mais nada, a gente só é gente se tiver CPF e RG.

RAFAEL NEVES - Estudante de 15 anos

quinta-feira, 13 de maio de 2010

AMIZADE, UMA NECESSIDADE BÁSICA

Fazendo uma faxina em minha memoria e pensando nas pessoas que conheci, troquei experiências e convivi me deparei com um débito de amigos. Tenho muito poucos, mas muito bons! Gostaria de ter muitos mais!

Alguém disse que a amizade é desnecessária, como a filosofia ou como a arte se as compararmos com as outras necessidades humanas. Não lhes dão valor para a sobrevivência humana. Mas, ao contrário disso acredito, sem sombra de dúvida, que a amizade é o ponto central da minha e de todas as vidas. Algo que valoriza a vida e torna a sobrevivência amena.

É através da amizade, da troca que fazemos com nossos amigos que assumimos a forma da pessoa que fomos, somos e seremos.

O valor da verdadeira amizade é infinito e impagável. Nada pode ser comparado ou jamais substituir a conexão genuína entre duas pessoas que não somente se compreendem, mas desejam apenas o melhor entre si. É um presente, um tesouro!

Uma amizade sustentável e longa é rara e muitas vezes quase impossível de se encontrar, manter ou, até mesmo, de ser crível. Entretanto, quanto mais fé eu tenho em mim e mais amor eu me dou a mim mesmo, mais conexões genuínas eu serei capaz de atrair e manter em longo prazo. Parece simples, não é? E em realidade me parece que é assim simples e direto.

Embora existam fórmulas para o sucesso, assim como um sem número de mapas ilustrativos, a vida nem sempre segue caminhos pavimentados. Infelizmente, emergências imprevistas e outros fatores inesperados, podem levantar obstáculos nos nossos caminhos, sombras e folhagens que obscurecem a nossa visão e nos deixam inseguros, cegos e perdidos na nossa "viajem".

A minha natureza confiante tem sido ao mesmo tempo, um presente e uma fraqueza. Quando uma pessoa me diz alguma coisa, eu sempre tomo essa assertiva pelo seu valor nominal. Nem sequer me ocorre inferir algum outro significado. Aceito a mensagem como sua palavra de honra e depois me certifico da mesma, observando as ações que solidificam as palavras.

Eu confio! Quem me conhece bem sabe que assim sou! Isto tem mantido meu coração aberto a muitas possibilidades na vida. Mas tem me dado de igual modo, muitas decepções que me deixam confuso e inseguro sobre a melhor forma de decifrar os seres humanos.

Convivendo com este “zig” e “zag”, hoje percebo muitos mais “zigs” que “zags”. O tempo e as lições aprendidas me levam hoje a ter uma visão mais cristalina e ampla, vendo algumas pessoas pouco claras, escondidas por traz de armaduras, com formatos mutantes, mas que no final, sempre terminam por definir-se. E isto é o que importa!

Um tema que sempre flutua nas minhas incursões ao reino da confiança, é a minha intuição. Posso afirmar, orgulhosamente, que ela raramente me engana! Posso até ter demorado mais tempo que o necessário para tomar iniciativas, mas administradas pelos os meus instintos, as minhas ações me guiaram ou me alertaram para o fato de que algo não se assentava comodamente em meu coração.

As minhas lições, por conseguinte, minimizavam o tempo de espera e por causa disso eu sou infinitamente agradecido aos meus instintos. É aí que a presença da verdadeira amizade se torna infinitamente inestimável. Um amigo verdadeiro sempre nos faz lembrar tudo que nos enche o coração. Nossos amigos são o espelho quando nós, invariavelmente, perdemos de vista ou esquecemos quem somos e no que acreditamos.

Eles nos recordam que as pessoas não se ferem propositalmente e podem tratar uns aos outros como se o fizessem a si mesmos. Eles nos lembram que o amanhã nos reserva infinitas saídas e iguais possibilidades que nos enchem de energia e autoconfiança para que sigamos o nosso caminho seja como, quando e onde escolhamos segui-los.

Para sempre eu serei grato a todos os meus genuínos e verdadeiros amigos. Serei grato em cada momento da minha vida. Eles fizeram que eu tomasse consciência do meu verdadeiro valor como ser humano, ampliou a intensidade da minha gratidão por todas as intermináveis alegrias que a minha vida hoje reflete e as que ainda estão por acontecer.

Não caminhes à minha frente, pois serei capaz de não te seguir.
Não caminhes atrás de mim, pois serei capaz de não te liderar.
Caminha ao meu lado e seremos amigos!

FERNANDO TROVADOR

sábado, 8 de maio de 2010

EDITORIAL

Pelo segundo ano fico imaginando uma forma não convencional de homenagear as mães. Abstraindo os interesses comerciais, reconheço como uma homenagem mais que merecida. E é sobre o jargão que se repete sem muita reflexão que “todos os dias são das mães” que quero homenagear a mãe em que nenhum dia é dedicado a ela. Aquela que a todo o momento questiona onde e em que momento errou. Aquela que chega a duvidar da sua capacidade de cumprir uma função biológica que quase todas desejam e se acham naturalmente capazes. Aquela que sai do seu “script” materno e, por amor à sua cria é capaz de cometer atos aparentemente insanos e cruéis. Aquela, cujo amor e sentimentos não são reconhecidos por uma sociedade que acredita que algumas pessoas se acostumam ao sofrimento e à privação. Que a intimidade com a dor e a insegurança endurece seus corações e relativiza suas perdas.

Refiro-me às mães de filhos que fogem aos padrões legais e morais impostos pela sociedade e, a despeito de os saberem transgressores os amam, protegem e estão sempre presentes nas suas vidas.

Dias desses, vi através da televisão duas histórias que me chocaram tanto quanto me comoveram. O choque deveu-se à crueldade com que o sistema obriga a quem só deveria amar e proteger, a acorrentar seu próprio filho, para que não saísse em busca de droga, enquanto ela tinha que sair em busca de comida. A outra, para proteger o filho da sanha violenta dos traficantes foi, pessoalmente, encontrá-los em busca da substância mortal que aplacaria o vício que o consome.

Nas duas circunstâncias, a justiça e a sociedade condenaram as mulheres. Fácil invocar leis e padrões morais quando não estamos no “olho do furacão”. Quando o fato é tão estranho à nossa realidade nos esvaziamos de sentimentos que possibilitam a isenção e a frieza para evocar uma solução jurídica.

Não vou ousar emitir minha opinião sobre o assunto da mesma forma que, no momento em que assisti a reportagem, somente uma imensa sensação de compaixão preencheu meu coração e minha razão: E se fosse meu filho? Projetei-me. Repasso a pergunta. E se fosse seu filho?

Difícil a resposta, não? Será que precisaríamos acorrentá-los para impedir que se drogassem? A maioria de nós teria condições intelectuais e financeiras para buscar ajuda mais civilizada. Será que sairíamos à procura da droga para proteger nosso filho da violência do tráfico? Mais difícil, ainda, a resposta. Muitas de nós acham que não chegaríamos a este ponto.

Não sei como os dois casos terminaram embora, pessoalmente, creio que seus desfechos serão tão sombrios quanto cruéis as circunstâncias que lhes fizeram vir a público.

Como imagino que fatos como estes são mais comuns do que nossa realidade é capaz de imaginar, da mesma forma acredito que existem situações que devem estar fora de qualquer julgamento moral ou emocional, mas sim analisados à luz da "Justiça sem venda nos olhos", dedico este Editorial onde pretendia homenagear todas as mães no seu dia, a estas duas criaturas, das quais não sei sequer seus nomes. Somente parte das suas tragédias pessoais, e do quanto seu amor foi e é incondicional a ponto de transgredir todas as normas do bom senso, achando, ingenuamente, que protegiam seus filhos.

Este é o lado real, cruel, injusto, lacrimoso, recheado de decepções e órfão de esperanças onde padecem muitas mães que vivem no mesmo planeta que nós, bem mais próximas do que imaginamos.

A elas, nossa homenagem.