domingo, 21 de novembro de 2010

PERGUNTAS QUE AFASTAM

“Afinal o que querem as mulheres?” Esta pergunta foi feita no século XIX por um dos homens que mais nos estudou, achando que estudando-nos conseguiria decifrar nossos enigmas. Fez ilações e criou dogmas aos quais, muitas de nós estamos presas até hoje. Se Freud fosse vivo, seria menos freudiano que muitos que dizem conhecer profundamente tudo o que “ele queria”. Ficando a pergunta sem resposta, sua condição de pai da Psicanálise deixou todos achando que a tal pergunta continha a maioria os mistérios do Universo. A pergunta cresceu, adubada pela intolerância humana e nem o tempo conseguiu relativizar sua importância.

Quando foi feita, certamente, nem nós mulheres sabíamos o que queríamos. Só o que não podíamos. Era grande a lista.

Contextualizando a pergunta cultural e historicamente ela se justificava. E olhe que estou falando do ponto de vista da civilização ocidental. Porque no Oriente, mulheres, até hoje continuam não tendo os seus direitos garantidos pouco adiantando a indignação da humanidade. Os costumes com raízes culturais “justificam” tudo!

Embora a pergunta persista, para mim perdeu o sentido. Já que todos tem os mesmos direitos, respondê-la ficou fácil e sua resposta óbvia. Queremos tudo que todos querem. Seja qual for sua opção sexual.

Queremos ser livres para amar e ser amadas. Queremos estudar, trabalhar e sermos remuneradas quando executamos funções equivalentes. Queremos ter e exercer o poder sem que para isto tenhamos que comportarmo-nos como homens. Queremos ouvir e sermos ouvidas. Queremos que respeitem nossas necessidades básicas, inclusive as sexuais. Queremos andar sozinhas sem que o medo nos acompanhe e a violência nos surpreenda. Queremos ser livres para escolher entre a maternidade ou dar outras serventias aos nossos corpos.

Enfim, queremos tudo. Nada além do que a maioria das pessoas deseja. Se não tivermos tudo, que não seja pelo fato de sermos mulheres. Que as razões sejam outras, do não desejar ao não poder possuir por milhares de outras questões. Nossos equívocos são frutos de uma cultura criada por e para os homens, que nos apartava da realidade e do contato com o desconhecido. Fizeram-nos crer que sexo sem amor era pecado, que existiam áreas do conhecimento insondáveis para nossos cérebros. Que não nos cabia questionar nem ir de encontro a costumes criados sob o signo da opressão, num mundo maniqueista onde os conceitos de pecado perseguiam a todos, indistintamente.

Uma emissora de televisão colocou no ar um seriado cujo título é a “tal” pergunta. Pois bem, a personagem principal que tenta respondê-la, perde a mulher por tê-la negligenciado em favor da premência da resposta a uma questão carregada de preconceitos. Reduz-nos a um ser que é reconhecidamente complicado sem nenhuma perspectiva de autoconhecimento. Um atestado dado pela ciência sobre a dificuldade humana de lidar com as diferenças, com os contrários. Parte do pressuposto de que a diversidade é em si um mal, um problema a ser resolvido.

Nossas diferenças, necessarias, diga-se de passagem, nos cabem entendê-las buscando um ponto de encontro no meio da ponte que nos separa. Como uma ponte não é um abismo, deve e pode ser atravessada sob pena de tornar a vida de todos muito mais dificil.

As dificuldades humanas de relacionar-se consigo, com seus semelhantes e com suas circunstâncias independem de gênero. O ser humano é conflituado e, embora busque sempre uma saída para seus problemas, tem a tendência à atribuir ao outro a origem das suas angustias.

As filosofias orientais reconhecem a dualidade como a união dos opostos para formarem a Unidade. É necessária a claridade do dia para a existência do breu da noite. Para reconhecer a sensação da plenitude há que ter conhecido a incompletude. Que a ausência da dor prenuncia o alivio da saúde.

Pois é justamente lá, onde tudo é “Um” que a mulher não completa o homem na mesma proporção e na mesma igualdade que nossa humanidade preconiza. Que as necessidades são as mesmas embora em corpos diferentes.

Dr. Freud bem que sabia o que queríamos, já que estudou nossa sexualidade, reconhecendo-a, estudou nossa capacidade de somatizar emoções quando, indo de encontro à nossa natureza, não conseguimos expressá-las. Tudo bem rotulou-nos de histéricas e colocou nos nossos ombros as mazelas humanas através de complexos e desejos de um Édipo que reconheço pelas ruas e encruzilhadas da vida, cujos protagonistas, tão simples e pragmáticos, não conseguem resolvê-los sem a nossa ajuda.

P.S: Já temos questões demais a serem resolvidas. Senhores, por favor, resolvam seus complexos ou perguntem ao Doutor.

ALICE ROSSINI

14 comentários:

Paulla disse...

Adorei sogrinha!! Muito bom!!!
Saudades de nossas conversas....beijao!!

marco rossini disse...

acho que as mulheres não sabem o que querem e nem querem que os outros saibam o que elas querem. Acho que elas acham que no dia que nós soubermos o que elas querem elas perderão o encanto e se transformarão em mentes masculinas, segundo elas, chatas, objetivas demais, superficiais e descomplicadas.
Por isso é que sempre falo que mulher é um bicho complicado. Que nem formiga

Penha Castro disse...

Nos chamar de formigas é um elogio. Elas são solidárias, precavidas, organizadas, trabalhadoras e tem a forma que a natureza lhes deu. O Marco coloca palavras em nossas bocas numa espécie de projeção da imagem que os homens tem de si mesmos. O antagonismo entre os sexos é mais prevalente entre os eles que não reconhecem a diferença como uma vantagem e sim como um defeito. Mas,nem Freud se debruçou sobre suas personalidades sem mistérios e sem nada a ser desvendado. Talvez os achasse, com conhecimento de causa, já que também era homem, chatos mesmo(risos)

Renatinha disse...

Alicinha, muito legal seu Blog! Este texto, em especial, está maravilhoso! Um feminismo moderno, conciliador, sem os ransos daquelas mulheres chatas que odeiam os homens. Sei que não é seu caso pois tem um maridão e filhos homens. Esta história de não saber o que queremos é coisa do séculos passados. Acho que se Freud fosse vivo, moderno e responsável como era, já teria modificado muitas das suas teorias a nosso respeito respaldado pelos avanços da ciência.
Adorei, parabéns!

marco rossini disse...

a formiga a que me refiro não é essa comum não. É a formiga de asas. Aquelas que aparecem em véspera de trovoada voando sem direção, sem consciencia e sem objetivo.

NETO disse...

Vou seguir o conselho, porém, como princípio temos que pensar que todos somos humanos, homens e mulheres.

ZEUS disse...

Alice, voce há de convir que as mulheres, além de diferentes de nós, ainda não se livraram de costumes e crenças do século passado ou começam a querer agir como homens, o que é outro erro. Sei que tem mulheres e mulheres. Mulheres formiga, como disse nosso amigo aí em cima e mulheres passarinho, leves, livres e desencanadas.
Mas seu texto é bastante pertinente pois acho que as mulheres ja madureceram, o mundo mudou e percebo um enorme esforço delas em adaptar-se. Quanto a pergunta, voces respondem a todo momento.

Aparecida Matos disse...

Muito boa sua crítica à pergunta que teimam em desconhecer a resposta. Óbvio que queremos tudo. Estamos no século 21 e não cabe perguntar à ninguém o que querem ou o que precisam. No mundo ocidental e livre de repressões, as pessoas buscam o que tem vontade de possuir. No mundo onde as restrições e o fanatismo esmagam os desejos, ainda assim, se deseja, e muito. Faz parte da natureza humana.
Não podemos desconhecer a importância de Freud nas nossas vidas - homens e mulheres - mas, ele criou a Psicanálise num mundo muito diferente do nosso. Quanta coisa aconteceu, a ciência, os costumes,a política modificaram tanto, que o mundo é totalmente diferente do mundo que ele contemplava e tirava suas conclusões.Muitas, diga-se de passagem, permanecem inalteradas até hoje.
Parabéns, mais uma vez!

Vitória Régia disse...

Alice,como sempre voce fala por nós mulheres num tom feminino, conciliador e moderno. Guerras já eram, principalmente com pessoas que temos que conviver. E temos que nos lembrar que não convivemos só com maridos e namorados, convivemos com filhos, chefes, colegas, amigos e temos que viver em paz.Acho que avançamos muito no que se refere aos direitos legais. O problema reside nos costumes e no entendimento pessoal.
Mas, se tomarmos consciência das diferenças de pensar e agir, temos que nos aceitar. Quanto aos costumes, só o tempo e a coragem das vitimas para modificá-los

RICARDO FARIAS disse...

CRIATURA, DESTA VEZ VOCE PEGOU PESADO (RISOS). RODOU A BAIANA COM JEITINHO MAS, RODOU. MANDOU SEU RECADO COM SEU ESTILO INCISIVO MAS FEMININO.GAROTA, VOCE E SUAS COMPANHEIRAS NÃO TEM DO QUE SE QUEIXAR, PELO MENOS NO OCIDENTE, ONDE NADA É PECADO. O QUE EU ACHO É QUE O MUNDO NÃO DEVIA ASSISTIR DE BRAÇOS CRUZADOS AO APEDREJAMENTO DE UMA MULHER LA NO IRAN, PORQUE "ACHAM" QUE ELA COMETEU ADULTÉRIO. SE A ONU, NADA CONSEGUE ATRAVÉS DO PEDIDO DE CLEMÊNCIA, QUE IMPONHAM SANÇÕES.FOI ESTE TIPO DE OMISSÃO QUE HITLER EXTERMINOU MILHÕES DE JUDEUS

AMANDA disse...

Adorei o texto. Este assunto, alem de sempre atual está em todas as bocas provocado pelo seriado da GLOBO.
Parabéns, mais uma vez voce falou por nós todas.
Não posso escrever muito, porque estou viajando.

Lu disse...

Em momento algum senti clima de guerra no texto claro e lúcido da minha amiga Alice, ela é inteligente demais para isso. Pelo contrário, ela falou, sim, de desigualdades, de contextos culturais masculinos, das nossas angústias e desejos ao não nos perceberem inteiras como realmente somos, ainda por conta não só das teorias de Freud, mas de toda história da humaninada, escrita e contada só por homens. O que me espanta é - a esta altura do campeonato - sermos chamadas de formigas voadoras, tontas e desnorteadas, como se não soubéssemos aonde queremos chegar. Espanta-me acharem que estamos fazendo um esforço enorme para nos adaptar à evolução do mundo, quando, ao contrário, a estamos protagonizando com garra e coragem. Acho até que os homens é que estão lutando para adaptarem-se, surpreendidos com a invasão e ocupação dos seus lugares e espaços, antes tão garantidos...
Fato é que, hoje, sabemos o que queremos, e o mundo é diferente daquele em que viveu o autor da célebre pergunta, para a qual tentarei humildemente tecer uma breve resposta: queremos respeito e liberdade para ser o que somos, sem termos que seguir regras, modelos, ou atender expectativas. E que nos aceitem e amem assim, com nossos erros e acertos, vendas e mistérios, que tanto fazem parte do nosso charme.
Não percebi tom de queixa, mas a única melancolia que senti no texto foi exatamente essa: a impossibilidade de sermos complementares, o Yin e Yang, homens e mulheres, uma vez que ainda somos consideradas "menores" pela maioria dos homens, o que injustamente tornaria as "metades" desiguais.
Parabéns, minha amiga, você brilhou, mais uma vez, no desenvolvimento de um tema tão complexo e polêmico como esse.
E viva as diferenças!

Fernando Trovador disse...

"Alice

Como sempre seus questionamentos e batalhas interiores comandaram os teus dedos de um lado ao outro do teclado e terminam costurando um texto de suprema qualidade… Lindo!

Com respeito ao tema, eu concordo contigo e, deixando de lado a seriedade da questão me pergunto; qual e a vantagem dos homens saberem o que querem as Mulheres? Sem mistério não há curiosidade, sem curiosidade não há procura, sem procura não há conquista, sem conquista não há compensação, sem compensação, nada vale a pena. Tudo fica incolor, inodoro, insípido enfim, desinteressante...

Beijos"

IZABEL disse...

Alice,
Realmente as nossas “necessidades” não são pertinentes ao nosso gênero e
sim a necessidades inerentes ao ser humano – e como somos “diversos” estas
necessidades vão ser – INFINITAS!

Amei este seu texto – é um alerta para aqueles que ainda separam as pessoas
em grupos “estanques”!!!

Beijinhos,

Bel

PS: Querido cunhadinho – adorei o seu comentário, reflete a sua sabedoria em lidar
com o sexo feminino – somos organizadas (dentro de nossa desorganização), determinadas
quando temos uma meta, acolhedoras quando sentimos a necessidade do outro, enfim
somos umas “formiguinhas”!!!! rsrsrsrsrrsrs – Sem esquecer que formigas também podem ter
ASAS!!! E que ASAS!!!!