quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MOMENTOS DE SOLITUDE

Sozinha em casa entreguei-me aos devaneios e neles, às lembranças da minha infância, minha adolescência quando as presenças de meus pais agigantavam-se. Mais uma vez, percebi que permearam todos os momentos relevantes da minha vida.
Entretanto, suas onipresenças não conseguiram proteger-nos, a mim e a meus irmãos, dos pequenos e dos grandes sofrimentos inerentes a cada momento.

E foi nos detalhes das pequenas coisas que suas presenças conseguiram chegar a extremos: omitindo-se por completo alheamento das nossas realidades ou imiscuindo-se por, ingenuamente, acharem-se detentores do poder de mudar tudo para o que, achavam ser o melhor e o certo.

Vivi minuto a minuto e vivendo, as horas transformaram-se em dias, os dias se multiplicaram em semanas, as semanas em meses e os meses mágica e tragicamente transformaram-se em anos. A sensação de que tudo passou muito rápido é apenas ilusória. Mas sei que vivi tudo e com todos que se interpuseram no meu caminho, para o bem e para o mal. Pela passagem do tempo e uma combinação de circunstâncias, hoje estou só e sinto tanto o peso quanto a leveza deste instante de solidão.

O tempo fez com que, ao experimentar e viver grandes momentos aprendesse que eles são construídos do que, inadvertidamente, achamos insignificante, sempre impregado de encruzilhadas nas quais tivemos que, às cegas, fazer escolhas.

Hoje, posso separar o que me tranquiliza momentaneamente, o que me faz ficar eufórica e o que me faz ser e permanecer feliz, porque ancora. Ao multiplicar-me o tempo me faz feliz em ser chamada de mãe. Ouvir a chave na porta anunciando a chegada de seres amados me tranquiliza. Ouvir uma promessa e acreditar com toda a confiança dos que amam, me faz feliz. Atender ao telefone e ouvir o “alô” com aquela voz que guarda ecos da infância tanto me tranquiliza quanto me faz feliz. Outros detalhes que podem parecer bobos, hoje assumem a enorme importância de determinar a felicidade, a tranquilidade ou a euforia.

Nesta fase da vida, difícil, diga-se de passagem, entendi o porquê tantas ações e reações paternas me pareceram incompreensíveis. Porque cada “não” tinha o peso de um veredicto e cada “sim” a leveza de um prêmio. Com a sucessão virtual de tantos “se’s” convenço-me que nada pode nem deve parecer certo ou errado, pois certezas nos aprisionam e querer mudar o passado nos rouba o sorriso.

Se pensarmos com emoção e atenção da criança que ainda brinca em nós, veremos que tudo é pequeno, mas não por isto perde a importância, e o que é grande resiste e não se enquadra nas escalas de grandezas que convencionamos. Um olhar aqui, um grito ali, a chuva de verão, a lua cheia que nos surpreende, o filme que nos faz pensar ou sair na metade, o amigo que não nos telefona e nos rouba o passado ou aquele que sabemos longe mas sempre nos acompanha. A surpresa na mesa com nosso prato preferido. A criança com olhos duros que nos pede centavos nos semáforos. Nossa cama que nos parece grande demais. O frio que esquenta nossa alma ou o calor que nos esfria num domingo tedioso.

Todos estes detalhes determinam nossa felicidade, nosso bem ou mal estar, recrudescem nossos arrependimentos, ratificam nossas escolhas, nos sugerem uma mudança de rumo, nos mostram nosso vazio de vida cheia de entulhos. Ou até que tudo está como deve ficar.

São estes fragmentos de vida que fazem parte dos milionésimos de segundos no qual vivemos toda nossa realidade e determinam nossos destinos. Aparentemente, apenas escolhas que tem o poder de eternizar situações. Certezas de hoje poderão ser as mentiras de amanhã ou mentiras de ontem são as verdades que nos sustentam hoje.

Se vivêssemos como os animais, confiaríamos nos nossos instintos. Como homens, desdenhamos das nossas intuições.

ALICE ROSSINI

9 comentários:

Penha disse...

Alice, li e reli seu texto e, confesso que invejei sua visão do passado, tantas vezes deturpada pela mágoa, pelos enganos e pela ingratidão.
O que voce apeendeu do passado,uma nostalgia sadia, a valorização das coisas sem aparente importância, as incertezas de seus pais em intervir na sua vida, talvez lhe ajudem a ter uma visão atual da vida, que muitas vezes è inexplicável e incompreensível. Seu texto está uma "obra prima" de lucidez. Fiquei emocionadissima e me identifiquei muito

Anônimo disse...

Mulher é cheia de nós pelas costas, ave maria, socorro !!! Quando não acha o que fazer, surta!

Fernando Trovador disse...

Amiga querida,

"Sao as coisas simples da vida, aquelas que muitos acham superfluas ou insignificantes, que nos dão significado à vida. Dificil e ser consciente disso e descrever todo esse emaranhado de sentimentos e emoções da forma clara e poética como voce o fez neste texto.
Sempre fui partidario da simplicidade pois só dela brotam a beleza e a verdadeira riqueza de espírito e de Vida.
Todos deveriamos ter essa mesma visão e sermos assim. Simples e belos!

Fernando Trovador"

bjs

Nando

AMANDA disse...

Este texto faz parte da historia de cada um de nós. Ele fala por nós, como se fôssemos o protagonista, como se a vida e as sensações fossem nossas.

Total identificação. Impressionante!

Neto disse...

Como sempre, continuas a escrever muito bem. Parabéns.

IZABEL disse...

Minha querida,

Veja quantos “sentimentos” você brotou com este texto!

Imagine quantas “snapses” este teu texto nos fez fazer!!! Nossa – assim você nos “enlouquece”! rsrsrs.

Obrigada, irmã por fazer um flash back tão real das nossas “vidas” – que mágico!! Hoje podemos “enxergar” por “outro prisma” tudo o que vivemos – com a maturidade de um ego “terapeutizado” - Somos felizes, pois tivemos (e temos) nossos pais presentes e mais que tudo – nos amando como suas eternas “crias” - as eternas crianças.

Que JAMAIS percamos este “status”!!!!!!!!!

Te amo,
Bel

PS: A SOLITUDE – TENHO “CURTIDO” COM UMA “DÁDIVA”!!!!

ROSEANE disse...

Alice,

Seu texto me emocionou fazendo-me voltar ao passado e, acredite, mudou minha forma de enxergá-lo. Voce não imagina como sua escrita pode funcionar como um espelho onde nos exergamos de forma real sem as deformações que as circunstâncias, ainda que passageiras, nos impõem.

Voce me fez um grande bem, muito obrigada.

Aparecida Matos disse...

Não tenho palavras para lhe falar o que seu texto mexeu em coisas que escondia até de mim mesma.
Foi uma viagem para dentro e para tras que, certamente me ajudará a olhar para frente.
Obrigada

RICARDO disse...

QUERIDA,

A SOLIDÃO É NECESSARIA PARA QUE POSSAMOS REFLETIR. OS BARULHOS EXTERNOS, AS INTERFERÈNCIAS DAS PESSOAS COM QUEM CONVIVEMOS, NOSSOS BARULHOS E FALTA DE ATENÇÃO CONOSCO NOS IMPEDEM DE VIAGENS BONITAS E PROFUNDAS COMO A QUE VOCE FEZ.
ESTÁ VENDO? FIQUEI ATÉ POÉTICO! É QUE GOSTARIA DE SER ASSIM, COMO VOCE.
PARABÉNS