sábado, 12 de junho de 2010

SAWABONA*

Temos o hábito de confundir os significados dos sentimentos. Nomeá-los com exatidão é uma tarefa complexa porque, além de seus conteúdos serem vários e inexatos provocam sensações diferenciadas para as pessoas.

Hierarquizá-los é outro costume que muitas vezes causa estragos nas relações e compromete nossa lucidez em relação à vida. Não importa se os relacionamentos a que me refiro acontecem entre pessoas, com nossos animais de estimação ou até em relação a lugares, situações e momentos que não queremos esquecer. Vivemos cheios de conceitos e preconceitos. Achamos que tudo que sentimos tem que ser explicado, rotulado, possua qualquer sinal ou demonstre algum sintoma que lhe identifique. Por mais subjetivo que seja.

Vamos por partes. Quando resolvemos adotar um animalzinho de estimação o fazemos motivados por inúmeras razões, necessidade de companhia, de “ter” alguém que nos seja fiel, que nos ame incondicionalmente, que sempre demonstre alegria pela nossa presença e sofra com a nossa ausência. Carências nossas de cada dia ou, simplesmente porque adoramos suas presenças.

Faço analogia com o amor de um cão por seu dono, porque não conheço sentimento mais despido de razões para existir, que tudo perdoa e nada cobra, tudo dá e nada pede.

Já entre nós, humanos, para achar que podemos amar uma pessoa, precisamos de uma serie de motivos que devem ser, obrigatoriamente, identificados e valorados. Mal sabendo o quanto estamos expostos a sentimentos de naturezas várias e, por mais que nos escudemos, quando o Cupido, atração sexual ou a simpatia nos contamina, não há antídoto que nos livre de nos emaranharmos nos nas suas teias.

Assim como agimos com os animais, agimos com as pessoas. Não raro amamos o amor que sentimos por elas, o quanto ele nos ratifica como seres humanos, o significado social de fazermos parte de um par, a muleta emocional com que esta pessoa nos ajuda a caminhar na vida, o medo de uma velhice solitária, a companhia para pequenos prazeres, como ir à praia, ao cinema, ao teatro ou ao casamento da nossa melhor amiga.

Quantas vezes, ao vermos alguém desacompanhado num restaurante, especulamos penalizados, que deve ser separado, viúvo, por isto infeliz ou até que tenha algum defeito o tenha confinado à solidão.

Esta cobrança de duplicarmo-nos ou sermos um sendo dois faz com que nos atiremos nas relações, de qualquer natureza, banalizando o “encontro”, tanto em relação aos nossos sentimentos quanto às expectativas que criamos para que os outros as administrem.

Toda esta “complexidade” deve-se ao fato de sermos providos de raciocínio. Ao raciocinar impregnamos de conteúdos estranhos aos nossos instintos sentimentos que nascem de forma natural e imprevisível.

O sentimento mais forte entre duas pessoas é a amizade. Quando acompanhada pela atração sexual segue um roteiro que começa com a paixão que pode transformar-se em amor. Se conseguir ser aprovado nos testes dos desencantos, das descobertas dos defeitos, do sorrriso de um sempre contagiar o sorriso do outro, da capacidade de sobreviver às calmarias e às tormentas da vida, este é o amor que tantos anseiam e poucos alcançam.

Ainda assim não é fácil viver com quem dizemos amar, porque muitas vezes dizemos amar alguém que não suportaríamos ter como nosso amigo. E como a amizade é o sentimento que resiste ao tempo, sem ela, nenhum amor, por mais apaixonada que tenha sido sua história será capaz de testemunhar cabelos brancos e rugas que contam histórias de “Branca de neve”, “João e Maria” e “Piratas da perna de pau".


ALICE ROSSINI

* sobre estar com o amor!

11 comentários:

MARCO ROSSINI disse...

Amor, só nós dois é que sabemos quanta verdade existe neste seu brilhante texto. Quanto mais o tempo passa tenho certeza que alcançamos "o que tantos desejam..." Somos nossos melhores amigos e sabemos que não é fácil. É esta base solida que torna nossa relação tão gostosa, tão surpreendente e tão apaixonada.

E vá se preparando para contar historinhas porque, enfim, estamos nos multiplicando

Te amo

Seu amor

IZABEL disse...

Alice,
primeiramente, quero registrar a minha felicidade em ler a linda declaração de amor que o meu cunhado fez pra você....

Hoje, o que buscamos é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista – individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto.

Quando cumprimentamos o outro com – SAWABONA... Respeitando-o... Valorizando-o... E tendo a certeza de que esta pessoa é importante... Aí sim... Podemos ter a certeza que ela “existe em nós” e que esta existência pode se perpetuar nas teias invisíveis que nos une.

Obrigada querida... Mais um texto para reflexão e auto desenvolvimento.

Um beijo,
Bel

Aparecida Matos disse...

Alice, voce como sempre foi ao ponto que define o sucesso das relações. Se quando começassemos a nos relacionar com alguem, tivessemos a tranquilidade de nos perguntar se a queriamos como nosso amigo, tenho certeza que os casamentos demorariam mais de acabar ou, talvez, nem acabassem. Porque a amizade é a base de todos os sentimentos humanos, principalmente o que priorizamos, que é o amor apaixonado.

Muito boa sua análise. Como sempre carregada de sensibilidade sua percepção.

ZEUS disse...

Sempre ahei isto. Nunca namorei com alguem so por atração sexual. Tem que ter inteligência, simpatia e muitos encontros de valores. Sem isso a relação, ou tem vida curta ou longa e tumultuada. Acho a última pior.

Quando voce diz que a amizade é um sentimento que pode não terminar e pode transformar-se em amor, voce desvenda o mistério dos relacionamentos.

Parabéns! Inteligência misturada com talento, sagacidade e sensibilidade. Assim são seus textos

Penha Castro disse...

Alice, que linda associação voce fez da amizade com o amor! Tem que ser e é assim. Relações que não possuem a amizade como base, morrem muito cedo. Muitas vezes nem dasabrocham. Olho ao redor e vejo exemplos lindos e ricos e também muito tristes. Casais que fundaram suas relações em atração sexual, afinidades supreficiais, hoje vivem como inimigos que se toleram. Os mais corajosos partem para "outra". Já os que cultivaram o respeito, a admiração, que se gostam como pessoas, com suas qualidades e defeitos, amadurecem juntos e muitos atravessam a velhice de forma bonita e enfrentando juntos as circunstancias adversas e vivendo a delicia dos netos e o prazer de terem seus filhos por perto.

Talvez esta tenha sido o mais lucido dos seus textos

AMANDA disse...

Alice, voce diz tudo que eu penso! Como gostaria de colocar em palavras meus penamentos! Olha, todo mundo, acho, pensa assim mas age de forma inversa e quebra a cara. Por que, ne? Acho que são os instintos que embotam o raciocinio que voce acha que atrapalha. Somos instintivos quando deveriamos agir como seres que pensam e pensamos demais quendo deveriamos deixar os instintos nos guiar.

IZABEL disse...

Filha,
como sempre, você aborda temas que são parte do nosso cotidiano, mobilizam emoções e nos remetem a todas as fases de nossas vidas – atemporais.

Quero, no entanto, centrar meu simples comentário na SOLIDÃO. Ela me afeta diretamente, pois o Decreto TSS (sem nº) determina que a Tristeza, saudade, Solidão são inevitáveis na vida das pessoas da 3ª idade, ou melhor, idade, onde me incluo.

Não vou negar que há nisto uma verdade. A volta ao passado provoca (e é bom que o faça) o TSS. Mas só que isto não deve apoderar-se de nossas vidas. Nesta fase, muitas pessoas acomodam-se no seu casulo e esquecem que podem e devem libertar-se desse estigma. Reformular a vida dedicar-se a uma atividade de ajuda ao próximo, inteirar-se das notícias, estabelecer um canal de relação coma família, amigos ex-companheiros de trabalho e de estudo.

Tornar-se útil por iniciativa própria, numa atitude proativa. À sua volta há sempre várias opções. É só ter vontade, determinação. Ninguém escapa da Solidão. Um convívio amistoso com este S é até possível. Ela está presente em nossas vidas, independente de idade. Quantas vezes ouvi jovens usarem o jargão – “estou só na multidão”.

Eu mesma cito o exemplo. Certa vez, voltando de um encontro familiar inesquecível, deparei-me com a Solidão e está assim registrado:

“Meti a chave na porta
Um grande susto levei
Estava ali “presente”
“Alguém” com quem me abracei

Este alguém também chorava
E perguntei o porquê
“Alguém” me respondeu:
- Senti falta de você

E juntas, como amigas
Abraçamo-nos com gratidão
E formamos uma só pessoa
Eu e a solidão”

E, para concluir, respondo o seu SAWABONA, dizendo – SHIKOBA.
Nada então, mais verdadeiro que esta prova de que não estou SÓ – “eu existo para você” e para minha Bel, meu Luciano, meu marido, meus netos e, futuramente, meus bisnetos.

Beijos,
Mãe

IZABEL disse...

ERRATA PARA O COMENTÁRIO ACIMA:

FOI POSTADO POR LÚCIA E NÃO IZABEL!!!

Alice Rossini disse...

Não é costume o "blogueiro" responder a comentários. Mas quem está quebrando o "protocolo" não é a Editora do VERSO&REVERSO mas, uma Filha respondenndo a sua Mãe.

Mãe que nunca associo à velhice, à inutilidade, ao ancronismo de idéias, ao apego às convenções.

Voce, minha mãe é o meu maior parâmetro de modernidade.

São longínquos e vários os exemplos: voce sempre reciclou lixo, sempre soube que a água era um bem que deveríamos economizar, voce sempre teve uma postura de proteger a Natureza, voce nunca teve uma demonstração de preconceito racial, nunca foi homofóbica, sempre ajudou a todos que de voce se aproximaram, independente de classe social ou nivel cultural.

Voce, enquanto funcionária pública, serviu ao Publico com dedicação e cônscia da importância do seu papel. Fez da sua aposentadoria um "apostolado" pela caridade autosustentável, criando com amigos uma Findação, onde, além de acolher crianças carentes, ensina-lhes um oficio, propociona aos seus pais emprego e condições de aspirar a uma vida digna.

Voce, além de ser um porto seguro nas nossas vidas, sempre fez a diferença no mundo.

Através da contemplação da sua existência eu continuo acreditando no Ser Humano

O orgulho e o amor que sinto por voce e por meu pai me estimulam e me impulsionam a continuar existindo.

Sua filha

RICARDO FARIAS disse...

TANTO O TEXTO QUANTO OS COMENTÁRIOS MERECEM COMENTÁRIOS (RISOS). CONFESSO QUE FIQUEI SEM PALAVRAS.
VOCE SO PODIA TER UMA BOA GENETICA. VIR DE UMA FAMILIA DIFERENCIADA E BEM ESTRUTURADA. SEUS TEXTOS REVELAM SUA ORIGEM E ESTA SUA RESPOSTA À SUA MÃE SO CONFIRMA TUDO
PARABÉNS

Lú disse...

Li, emocionada e com interesse crescente, o delicioso texto por você escrito, minha amiga. Confesso que o título, a princípio, ao contrário de curiosa me deixou arredia quanto ao conteúdo, tanto que só o li hoje, num momento em que a vida corrida me deu trégua suficiente para por em dia os atrasados, incluindo aí a leitura do seu blog.
Mas fui pega de surpresa. Uma surpresa boa, de quem começa uma leitura de maneira leve, descompromissada, e ao ir sorvendo as palavras embarca de cabeça nos seus significados e se percebe embriagada, como se estivesse sendo desnudada, a alma invadida e devassada pelas verdades ali contidas.
O texto parece escrito para mim, de tanto que reflete como sinto os relacionamentos, de tanto que se afina com o que teci, inconscientemente ou não, como parâmetros para minha vida. Eu teria me orgulhado de mim, se o tivesse escrito. Você conseguiu captar e expor, de forma simples e profunda, conceitos quase inconfessáveis (porque íntimos de cada ser humano), como a nossa ratificação como pessoa a partir dos nossos relacionamentos. Quase como se os sentimentos que nutrimos pelos outros, e os que nutrem por nós, ou o simples fato de sermos merecedores do amor de alguém, validasse a nossa existência. Ao mesmo tempo em que isso nos fragiliza, nos dá o suporte que precisamos para enfrentar o mundo.
Com chave de ouro e sua costumeira elegância você pontua os “testes dos desencantos” e as “descobertas dos defeitos” como provas de fogo (ateado continuamente pela convivência e rotina), e a sobrevivência a elas como sustentáculo para uma relação longeva, que evolui do amor à amizade, ou vice-versa. Inevitavelmente, todo relacionamento posto à prova do tempo se desgasta, mormente se usamos como moeda de comparação o seu teor original. O sucesso - “que todos anseiam e poucos alcançam”, segundo a sua fala, talvez esteja em acompanhar - e aceitar sem dor - as etapas dessa mutação, nos transmutando também continuamente de maneira a nos permitir acompanhar as mudanças em nós mesmos e no outro.
A sensação de completude é o premio a ser conquistado. Difícil é tirar o ego do ser humano desse processo, de modo a permitir que a individualidade de cada um seja respeitada e preservada nessa evolução a dois. Talvez aí esteja a razão do seu título – Sawabona – que continuei, mesmo após concluir a leitura, sem associar muito bem ao texto, e só agora ao postar esse comentário tenha compreendido o significado.
Apesar de que, para mim, nem título é preciso para fazer do seu texto um testemunho precioso. Sensível, forte e verdadeiro, assim como você.
Sawabona, amiga!