sábado, 8 de maio de 2010

EDITORIAL

Pelo segundo ano fico imaginando uma forma não convencional de homenagear as mães. Abstraindo os interesses comerciais, reconheço como uma homenagem mais que merecida. E é sobre o jargão que se repete sem muita reflexão que “todos os dias são das mães” que quero homenagear a mãe em que nenhum dia é dedicado a ela. Aquela que a todo o momento questiona onde e em que momento errou. Aquela que chega a duvidar da sua capacidade de cumprir uma função biológica que quase todas desejam e se acham naturalmente capazes. Aquela que sai do seu “script” materno e, por amor à sua cria é capaz de cometer atos aparentemente insanos e cruéis. Aquela, cujo amor e sentimentos não são reconhecidos por uma sociedade que acredita que algumas pessoas se acostumam ao sofrimento e à privação. Que a intimidade com a dor e a insegurança endurece seus corações e relativiza suas perdas.

Refiro-me às mães de filhos que fogem aos padrões legais e morais impostos pela sociedade e, a despeito de os saberem transgressores os amam, protegem e estão sempre presentes nas suas vidas.

Dias desses, vi através da televisão duas histórias que me chocaram tanto quanto me comoveram. O choque deveu-se à crueldade com que o sistema obriga a quem só deveria amar e proteger, a acorrentar seu próprio filho, para que não saísse em busca de droga, enquanto ela tinha que sair em busca de comida. A outra, para proteger o filho da sanha violenta dos traficantes foi, pessoalmente, encontrá-los em busca da substância mortal que aplacaria o vício que o consome.

Nas duas circunstâncias, a justiça e a sociedade condenaram as mulheres. Fácil invocar leis e padrões morais quando não estamos no “olho do furacão”. Quando o fato é tão estranho à nossa realidade nos esvaziamos de sentimentos que possibilitam a isenção e a frieza para evocar uma solução jurídica.

Não vou ousar emitir minha opinião sobre o assunto da mesma forma que, no momento em que assisti a reportagem, somente uma imensa sensação de compaixão preencheu meu coração e minha razão: E se fosse meu filho? Projetei-me. Repasso a pergunta. E se fosse seu filho?

Difícil a resposta, não? Será que precisaríamos acorrentá-los para impedir que se drogassem? A maioria de nós teria condições intelectuais e financeiras para buscar ajuda mais civilizada. Será que sairíamos à procura da droga para proteger nosso filho da violência do tráfico? Mais difícil, ainda, a resposta. Muitas de nós acham que não chegaríamos a este ponto.

Não sei como os dois casos terminaram embora, pessoalmente, creio que seus desfechos serão tão sombrios quanto cruéis as circunstâncias que lhes fizeram vir a público.

Como imagino que fatos como estes são mais comuns do que nossa realidade é capaz de imaginar, da mesma forma acredito que existem situações que devem estar fora de qualquer julgamento moral ou emocional, mas sim analisados à luz da "Justiça sem venda nos olhos", dedico este Editorial onde pretendia homenagear todas as mães no seu dia, a estas duas criaturas, das quais não sei sequer seus nomes. Somente parte das suas tragédias pessoais, e do quanto seu amor foi e é incondicional a ponto de transgredir todas as normas do bom senso, achando, ingenuamente, que protegiam seus filhos.

Este é o lado real, cruel, injusto, lacrimoso, recheado de decepções e órfão de esperanças onde padecem muitas mães que vivem no mesmo planeta que nós, bem mais próximas do que imaginamos.

A elas, nossa homenagem.

9 comentários:

Sérgio Gomes disse...

Realmente duas situações emblemáticas, problemas dos homens que, ao contrário dos demais animais, vão lambendo as suas crias pela vida a fora...
Na natureza, os filhos logo vão, e não é raro que acabem copulando com as próprias mães, que nem mais reconhecem os filhotes adultos.
Ontem, no Globo Repórter, a história da mãe, catadora de lixo, que conseguiu colocar o filho mais velho na faculdade de medicina, o rapaz passando no vestibular em primeiro lugar.
Quantos sonhos não passavam na cabeça daquela orgulhosa e paupérrima mãe recifense, ao ver o filho quase doutor e já arrimo da família, de repente confundido com um traficante na favela em que moravam, e friamente assassinado com um tiro na cabeça?
Tão trágico esse mundo, tão duro esse Brasil, tão improvável, que tendem mesmo os mais bem aquinhoados a fecharem os olhos, fazerem de conta, tornarem-se até alienados de uma situação que não parece mesmo ter solução, abrigado-se nos condomínios, e pedindo a Deus que os filhos não caiam no cruel mundo das drogas...
Parabéns, você meteu o dedo na ferida. Esse é o outro Brasil. Ainda bem que vivemos no bom lado de cá...
Beijos
Seu cunhado

Penha Castro disse...

Não são para esssas mães que o comércio dedica seus esforços mercadológicos camuflados de amor filial. Essas mães a que voce se refere, so ocupam espaço nas páginas policiais e quando falam sobre elas, esquecem que são mães com os mesmos sentimentos e instintos das mães das propagandas de perfumes.
É assim nosso país, injusto, desumano e, pior, moralista.

Brilhante seu texto e humana sua lembrança.

Parabéns para voce e todas as mães

VIC disse...

PARABENS pelo dia das MÃES
PARABENS pelo texto muito bem escrito!
PARABENS pela tema que é solidário, engajado e fala muito da sua sensibilidade.

Aparecida Matos disse...

Fazer festa, encher shopings, poluir a televisão de propagandas e até dar notícias "terriveis" sem nenhuma piedade é coisa de homens e sua pequenez diante de datas e fatos importantes. Escrever o que escreveu, ainda que a realidade lhe indique o sentido de pensar diferente é coisa de gente sensivel, inteligente e humana

Parabens!

RICARDO FARIAS disse...

EMOCIONANTE SEU TEXTO. SE SUA INTENÇÃO FOI SER JUSTA, HUMANA E FAZER COM QUE SEU BOLG FALE O QUE TODOS ESQUECEM OU NEM PENSAM, CONSEGUIU.
PARABÉNS!

Anônimo disse...

Alguem se lembrou que mãe, não importa que filho tenha, é MÃE!

PARABENS!

Fernando Rodrigues disse...

Como sempre, voce botou pra quebrar, e quebrou, perdoe a redundância, mitos, fantasias e falsas imagens que refletem pobreza de espirito e tresloucada confusao sobre como é realmente ser mae e sofrer no intento. Uma beleza de visão.

AMANDA disse...

É isso aí! É muito fácil amar aqueles bebezinhos cor de rosa, aquelas criancinhas educadissimas e aqueles jovens preocupados como agradar "a mamãe" no seu dia.
Vá amar um filho drogado, que so lhe dá preocupações, que faz "pega" com seu carro, que o delegado lhe chama para tirá-lo da cadeia. No mundo das mães também há um submundo de decepções e tristezas que ninguem fala. Como se o mundo fosse todo cor de rosa.
Excelente reflexão. Confesso que a princípio fiquei chocada com o "peso" de texto mas, alguem tem que falar isso!
Muito bom!

IZABEL disse...

Alice,
esta foi a homenagem mais UNIVERSAL que eu já li.
Adorei.

Beijos,
Bel