segunda-feira, 3 de maio de 2010

O NUMINOSO


Não ter opção religiosa nunca foi um problema na minha vida. Embora minha idéia de Deus tivesse sido antropomórfica por curto período da minha vida, nas horas difíceis sempre transcendo conceitos e realidade em busca de compaixão como todo ser humano consciente de sua fragilidade. Na “agonia” aconchego-me ao Deus da infância, sentado num trono, barba branca e, misericordioso o suficiente para “solucionar” e “acolher” a necessidade que, aquela circunstância me levou até ele.

Sempre pensei que deveríamos possuir princípios e valores que abrangessem uma filosofia capaz de sustentar e responder, minimamente, questionamentos existenciais e aos que a ciência ainda não consegue explicar. Daí minhas incursões pelo Budismo que, despindo-o das questões místicas e religiosas, responde a muitas das questões que alimentam as inquietações humanas e as minhas, em particular.

Mas o tempo, testemunha e coadjuvante tanto da nossa ignorância quanto da nossa lucidez nos obriga a fazer questionamentos mais sérios e mais urgentes, diante da contundência com que as circunstâncias nos surpreendem.

Não perco tempo, preocupada com a existência ou não de um Deus. A natureza já nos responde o que poderia ser nossa “grande dúvida”. O equilíbrio do Universo, o amanhecer seguido do breu da noite, o vai e vem das marés, os vulcões cuspindo fogo das entranhas da Terra, o vento, o frio, o calor, todos os seres senscientes, cada qual com suas peculiaridades e sua busca incessante pela preservação e em outras infinitas coisas, mais pequeninas, mais sutís e mais determinantes como o amor, o ódio, os impulsos, os medos. Tudo isso denuncia a existência de um ser superior, de uma “consciência cósmica” que impõe vitalidade e harmonia ao todo.

O que realmente me preocupa é a existência do homem tal qual ele é: dotado de inteligência e raciocínio que lhe impõe uma busca incessante de “algo”, que acha, o tornará feliz. Muitos pensadores e filósofos ocuparam-se com esses “porquês” e a escassez de respostas ou sua imensa produção, nunca tiveram o poder de apaziguá-los.

Vive o homem perplexo diante da grandiosidade do que seria a finalidade da sua existência, contraposta à certeza que um dia a morte põe um ponto final em tudo, independente do estágio em se encontre o que o “trouxe” até aqui: projetos, filhos, profissão, ideais, amores, desamores, anseios, arrependimentos...

Agora, a pergunta é minha. Tantos sentidos, tantos significados conferidos às nossas vidas e a morte, de um momento para o outro, esvazia e invalida tudo. Será? Tudo isto termina quando o último suspiro acontece?

Não tenho resposta. Nem a que me convença da existência de outro plano carregado de novos sentidos nem de que tudo acabe por aqui mesmo, que nosso destino é virar pó e lembranças, boas, más, marcantes ou, até que sejamos rapidamente esquecidos, por nossa vida ter sido tão vazia e rasa, que nenhuma marca indelével ou tênue tenhamos deixado na memória de alguém.

Assisti ao filme da vida de Chico Xavier. Obvio que não o vi esperando respostas às minhas perguntas, embora, o espiritismo e sua doutrina façam parte das minhas reflexões. O que impacta é a personalidade digna, humilde e insubmissa do médium. Insubmissa, não como sinônimo de arrogância ou a existência do menor vestígio de indignação ou impaciência com os homens ou com todos os empecilhos que enfrentou, mas sim pela tolerância, compreensão e condescendência que demonstrava frente às falhas humanas e às viscissitudes da vida. Sabia-se um espírito em evolução, uma pequena peça na engrenagem do “plano divino”.

Era humano. Tinha coragem de demonstrar medo. Sentia saudade das pessoas queridas que perdesse para a morte. Era vaidoso com sua aparência e, algumas vezes, com a fama que adquiriu. Mas, predestinado. Contava com a ajuda de seu "mentor", Emmanuel, para mostrar-lhe, impiedosamente, as falhas da sua humanidade incipiente.

Não vou falar das inúmeras “provas” que lhe foram permitidas mostrar aos homens atestando a veracidade da sua crença. Não. Não me cabe por falta de conhecimentos, por falta de convicção e por achar que, seu maior testemunho e sua verdadeira missão não teriam sido aquelas.

O que desconcerta o homem comum sentado na sala de projeção é a prova da existência, na vida real, da bondade incondicional, da humildade à prova de qualquer manifestação de força espiritual e da tolerância consigo e com todos, tanto os que o amavam quanto os que o criticavam.


No filme pode-se perceber, que Chico Xavier esteve neste planeta, sofreu, serviu, marcou e morreu. Morreu? Para seus seguidores espíritas continua sua existência em outros planos. Marcou a todos. Mas nem o letrado nem o ignorante pode provar que ainda “exista” em outras dimensões. Portanto minhas interrogações e a de milhares de seres humanos permanecem.

Além das projeções normais com os personagens, ao levantarmos das confortáveis poltronas da sala de projeção nos deparamos com o desconforto das nossas já viciadas dúvidas inquietando-nos e incomodando-nos na inércia do nosso tédio intelectual.

ALICE ROSSINI

7 comentários:

Aparecida Matos disse...

Este texto deixou alguns de boca aberta sem saber o que fazer ou o que dizer. Porque pensar sobre estas questões faz parte da natureza humana. Como também não tenho respostas, vou elogiar a forma clara, simples e direta com que voce declarou suas duvidas e deixou muito claro que a humanidade vive dentro deste labirinto.

Amanda disse...

Como eu gostaria de acreditar que depois que morremmos não terminamos! A simples idéia de virar pó, ser apenas uma lembrança me angustia muito. Por isto vivo tudo que tenho que viver.

Ricardo disse...

Ei menina! Desta vez voce foi longe! Imagino o que se passa na cabeça de uma pessoa inteligente e sensível como voce. Imagino que sua cabeça borbulha(risos)E quando isto acontece escreve coisas lindas mas tão subjetivas que, confesso, acho que ninguem pode responder. Voce mesma confessou ser impossivel.

Acredite que tem gente que acha que sabe tudo.

Parabens pela efervecência!

Vic disse...

Alice, felizmente não tenho suas dúvidas. Sou espírita kardecista e tenho certeza que iremos para vários planos a depender do nosso grau de evolução. Mas acho suas duvidas e ansiedades bastannte pertinentes e normais. No final das contas estamos todos buscando respostas para tudo. Espero que, inteligente como é, um dia, em qualquer lugar e em qulquer época encontre as suas

Beijos

Anônimo disse...

Faço parte de uma família de espíritas. Não sei como se consegue viver sem acreditar que depois desta vida louca não tenha mais alguma coisa.

Ter uma religião, crer em algo além de nós nos conforta e nos fortalece nos momentos difíceis.

Penha Castro disse...

Acho que comungamos as mesmas dúvidas. Acho que viver não é prêmio, portanto, imagino que deve haver alguma coisa que justifique tanto sofrimento pontuado de alguns momentos de felicidade. E ainda temos o "dever" de perpetuar uma espécie que, acho, está perdendo todas as suas caracteristicas principais quando usa a inteligência para enganar, matar, prejudicar e todas as mazelas que so os humanos possuem.

Às vezes desisto de pensar nisto e vivo cada dia mas, de vez em quando me bate uma "depré" acompanhada de ansiedade que volto a imaginar qual o sentido de tudo.

Ao ler seu texto minhas confusões mentais voltaram. Obrigada pela forma leve e simples que fez com que retornassem.

Anônimo disse...

Dizem que os que não crêm pelo amor, são obrigados a acreditar pela dor. Não estou dizendo que isto é uma regra, até porque suas dúvidas parecem que lhe fazem sofrer. Mas, procure ter fé. Quem tem fé, tem força para enfrentar a vida com coragem e resignação.
Falo assim porque não sei conviver com dúvidas