domingo, 25 de abril de 2010

RODA DA VIDA

A existência humana é composta, grosso modo, de quatro ciclos: Infância, juventude, maturidade (fase adulta) e velhice. A passagem de um ciclo para outro causa choques, estresses e crises para a grande maioria das pessoas.

O ritual do nascimento causa um “trauma” tanto a quem dá à “luz” da vida, quanto para quem a recebe. O primeiro suspiro é inaugurado com um choro e, para a matriz desta vida as mudanças são radicais. Da saída da infância para a adolescência acontecem crises, choros e revoltas, algumas vezes com causas objetivas e a maioria pela complexidade que envolve a passagem da condição de criança, tutelada, cercada de restrições e proteção para outra fase, onde não se sabe em que categoria se enquadra nem onde é enquadrada, porque as restrições e a proteção apenas mudam de foco.

Muitos conseguem passar incólumes para a fase que é denominada adulta, onde se exigem maturidade e equilíbrio, mas nem sempre é o que acontece. Quantos arrastam correntes de rancores e “traumas” sem que a vida, com a sabedoria das suas lições, com a velocidade alucinante da comunicação, com os avanços de técnicas terapêuticas que, também, ensina a auto analisar-se consiga exorcizar demônios, fantasmas ou revelem quimeras de infância?

Embora quase todos temam a velhice, por suas inúmeras desvantagens, achamos que a vida nos recompensa com alguns privilégios e que os exercemos com sabedoria e clarividência.

A aposentadoria, “instituição” que nos envia um recado da nossa desnecessidade, também nos proporciona o tempo que tanto almejamos para fazermos tudo que o redemoinho da maturidade e a pressa da juventude nos roubou: o grande prazer de ser dono do seu tempo, a chance estudar um idioma, a tentativa de meditar, o privilégio de passar uma tarde numa livraria admirando e acariciando estantes, lendo orelhas de livros até encontrar aquele que nossa necessidade buscava.

Filhos formados, independentes e criando suas próprias familias. Quando isso acontece, nos sentindo envelhecidos ou não, fechamos um ciclo. Viramos o que achamos ser a última página das nossas vidas. Só nos esquecemos, ocupados que estamos com nossas dores, que todas as páginas que viramos estão em branco e, guiados pelas mãos delicadas do destino, podemos escrever nelas o que quisermos. Quanta responsabilidade! Quem não sonha com um desfecho, no mínimo, digno de ser passado adiante?

Por pragmatismo ou por defesa começamos a descobrir as vantagens da entrada neste desconhecido mundo; espaço na casa quando muitos a reformam para caber suas novas expectativas, louças e cristais inacessíveis esperando netos traquinas, liberdade para viajar só batendo a porta sem precisar de uma logística que possibilite a continuidade do que ficou, enfim, uma pretensa e oceânica liberdade.

Não é este o maior anseio do ser humano? Ser livre? Pois bem, esta fase, como tudo na vida, tem seu lado sombrio e melancólico. A sensação é que este “esvaziamento” acontece repentinamente, embora percebamos a desaceleração das solicitações, o alargamento dos nossos espaços, a substituição da urgência pelas lembranças, mas a presunção de uma crise faz com que neguemos os sinais e preenchamos este momento de atividades, o que de alguma forma é salutar, se não estivermos utilizado-as para nos esconder. Se seu ritmo não fosse tão frenético que nos sobrasse tempo para refletir.

Como disse acima, é tão mágico o vôo pelo oceano da liberdade, quase conquistada, quanto amedrontador. Teriam nossas asas força e densidade para o vôo que, por melhor acompanhados que estejamos, é “solo”? Pela gravidade do momento, chega a hora que decidimos, por nós mesmos, sem nada que nos justifique, qual o formato que desejamos para o resto das nossas vidas. Atualmente, é freqüente chamarmos “resto” o que é apenas “metade”.

Mas quando se trata do ser humano, suas neuroses e medos, toda a gama de sentimentos é possível. Nem precisa declarar que este é o momento que atravesso e sobre o qual reflito, bendigo sorridente, mas, também, sofro.

Fecho, simbolicamente um ciclo com a formatura do meu último filho. A sensação de que estou vivendo meu último sonho sim, porque mães se apropriam e vivem os sonhos dos filhos, transmitindo-me a idéia de que todos os espaços se abrirão para uma estonteante liberdade, confesso a esta altura da vida que não sei se estou preparada. Por isto, tenho medo.

Desculpem os que já têm suas teorias prontas, seus projetos em andamento, um plano B nos esconderijos dos seus cérebros. Desculpem os resolvidos e maduros, desculpem os mais ricos de ideais, mas minha sinceridade é maior do que tudo isso que listei acima, embora não me sinta tão despreparada assim, já que tenho consciência da gravidade que o momento assume em mim.

Algumas coisas eu aprendi na vida ou sempre fizeram parte de mim: Dar o nome exato aos meus sentimentos, enxergar suas nuances e que existem situações sobre as quais só podemos opinar, salvo os embasados teoricamente, enquanto não as vivenciamos.

ALICE ROSSINI

10 comentários:

Penha Castro disse...

É a vida como ela é. Felizmente sua sinceridade foi maior que se mostrar madura para o óbvio que voce ja sabe. Suas reflexões são um comovente desabafo, mas farão vir à tona nas pessoas, sentimentos que elas vivem, não assumem como naturais, fazem discursos "emocionalmente" orretos ou adoecem.

Parabens pela coragem.

Aparecida Matos disse...

Não se desculpe. Voce fez um relato fiel da trajetória de cada um de nós. Um dia vamos ficar meio perdidos, olhando para o depois e nada vermos. Com sua sensibilidade e inteligencia, voce ja preencheu sua vida de coisas boas e úteis, este Blog é um exemplo, e certamente vai se adaptar.

Achei ótima a parte em que pede desculpas aos maduros e teóricos. São uns chatos com discursos prontos e obvios

Ulisses Rebouças disse...

De tudo que voce escreveu o que mais me identifiquei foram os recados que mandou aos equilibrados, os maduros, os que "criam os filhos para o mundo"(como se ao formar um filho a intençãoo não seja torná-lo independente), aos cheios de projetos para mudar o mundo e outros donos da verdade que andam por aí.

Sou um cara normal. Olho meus filhos e fico imaginando quando eles sairem de casa. Já percebi que voce também é normal, está feliz mas sente o outro lado da questão.

A gente só sabe como reage aos fatos mais naturais da vida na hora que eles accontecem.

Achei que se expôs com humildade e honestidade.

Vic (Vitoria Régia) disse...

Sei o que sente: saudade de um tempo que não volta mais e que, equivocadamente, achamos que não aproveitamos.

Sua humildade em não procurar álibis para escamotear o que todos sentem e não assumem, é, como disseram acima, comovente.

Seu depoimento me emocionou pela sincera exposição das suas dores e das suas alegrias.

O tempo vai lhe mostrar como se adaptar

Luiz Augusto Vaz disse...

Minha Querida Alice.
Seu texto é profundo,inteligente prá não dizer elaborado por uma pessoa adulta e que compreendeu o ciclo da vida

Seus medos são infundados pois,soubestes fazer a lição bem feita.Os que te amam,sabem que fostes e és uma guerreira.Bola prá frente!!.Tens muito ainda para oferecer.

Se eu tivesse recurso,seu BLOG iria para as prateleiras de uma livraria com direito a tarde de autógragos pela mais nova escritora baiana.

Um beijão
Tio Luiz

Um beijão.

Ana Maria disse...

Não sou madura nem dona da verdade mas, acho que tudo que escreveu faz parte da vida e voce, que tem tanta consciência de tudo, também deve ter a certeza que tudo passa e não devemos duvidar da nossa capacidade de superação.

Achei seu texto educativo pois, além de demonstrar humildade, mostra que tudo tem dois lados.
O fato de estar feliz com a formatura do seu filho não lhe deixa cega para as "desvantagens" que isto possa lhe trazer através da sua ausência. Esta sindrome, mais cedo ou mais tarde, todas nós passamos

Anônimo disse...

Alice,
Há dias li um poema (acho que foi de Fernando Pessoa) que fala sobre os ciclos da vida e ele diz “arrependo-me de não ter trazido o passado na algibeira”.
Realmente, nesta fase da maturidade, onde me encontro, sinto que o sentimento mais presente é a saudade, pois ao contrário do poeta, eu “trouxe o passado na algibeira”. O que não impede que eu sinta alegria de ver meus filhos felizes, acolhendo-me e valorizando-me. Meus netos conseguindo vitórias. Tudo como “programei”. Afinal, olhando o passado eu aceito o presente e tenho fé no futuro.

Não há como negar que existem limitações, mas estas podem ser aceitas e preenchidas com outras atividades. O segredo é aceitá-las sem revolta e também sem passividade.

Parabéns, Alice pelas reflexões que seu texto me proporcionou. Eis porque sou uma mãe e avó muito feliz!!!

Beijos,
mãe

IZABEL disse...

Alice,
o comentário acima foi como "amônimo" - não foi a minha intenção... Foi falta de experiência, rsrsrsrsrsrs

Foi mainha que pediu para eu postar para ela. LOGO - LÚCIA DISSE:

IZABEL disse...

Alice,
Bem, agora vai o meu comentário.
Amei o texto. Nos proporciona, reflexões acerca de algo tão simples mas ao mesmo tempo tão complexo... Nós temos uma inspiração muito boa (nossa mãe), de como vivenciar estes ciclos com sabedoria.

Beijinhos,
Bel

Unknown disse...

Alice,
Inteligente, sensivel e muito sábio.

beijão,
Orlandinho