Não é a quantidade de pessoas com as quais convivemos, nem seria preenchendo nossas vidas de atividades e ainda que tenhamos uma família numerosa, filhos, netos. Mesmo que nossos amigos sejam fiéis e que contemos com sua solidariedade em momentos difíceis. Sejam quais forem os artifícios que usemos para driblar o inevitável, temos que nos deparar diante da evidência de que somos sós. Não estou afirmando que somos solitários, mas a solidão, embora às vezes necessária, merecida e desejada é o desperdício da nossa privilegiada condição de seres únicos e singulares.
Nas últimas tragédias que se abateram sobre o planeta, ficou muito clara a necessidade do homem em agregar-se e solidarizar-se com a dor do seu semelhante. Por ser seu semelhante, a necessidade de sobrevivência que permeia o inconsciente coletivo nos faz acreditar que salvando os outros salvamos a nós mesmos e assim, a espécie.
Passada a comoção da tragédia, podemos “ver” e “imaginar” cada um em particular chorar suas dores, solitariamente, sem que os ombros que restaram sejam capazes de diminuí-las. Sem que um laivo de esperança e compreensão da perda como condições inerentes ao existir, diminua, um pouco, nossa angustia.
É, principalmente, na normalidade do dia a dia, onde nada de espetacular nos aflige ou indique que necessitamos da companhia alheia que esta condição de ser só, que é natural já que ímpares, nos isola e pode distorcer a visão real da vida.
Desde que nascemos, somos condicionados à socialização. Mas não deixamos muito claros os limites deste processo. Mais tarde outra necessidade se faz necesária, a individuação. A enfrentamos sozinhos e solitários tendo como base a indefinição do processo anterior. Portanto, exercer e valorizar nossas peculiaridades é uma alquimia entre o que apreendemos do mundo, nosso temperamento e nossas determinantes genéticas e culturais. Nos ensinam que devemos nos adaptar às idiossincrasias alheias. Os pressupostos do "politicamente correto” apregoam uma tolerância de mão única. E a cultura judaica cristã, na qual estamos mergulhados, servem de base para que esta “correção” crave suas garras. Ainda nos instiga a dar o outro lado da face, como Cristo o teria feito.
O fato é que, baseado nas premissas que discuto acima, não nos sentimos à vontade em admitir que sejamos sós e, muito menos de exercer as diferenças provenientes desta condição. A depender das nossas circunstâncias, escolhas e de como impomos nossa individualidade, podemos ser sentenciados à solidão. Aí, sim, quem sabe tristes e acompanhados daquela sensação de desamparo tão longinquamente descoberta e hoje tão frequentemente sentida.
Talvez seja este o mais amedrontador espectro que ronda a velhice. Neste caso a condição de ser só não se sustenta como natural. Soma-se à inevitável impotência física e provável fragilidade emocional diante dos infortúnios.
Quando jovens nos ensinam como virtudes o otimismo, a coragem e em alguns casos este ensinamento assume as características do estoicismo: Nada de queixas, estamos vivos e isto já é um privilegio. O estóico propõe viver “de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença (apathea) em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio obedece à lei natural reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo, devendo assim manter a serenidade perante as tragédias e coisas boas.”
Ora, como adaptar esta forma de pensar à nova “ordem mundial”, que é a de ser proativo inquieto e inconformado diante do que a vida nos impõe? Cremos como dogma e repetimos para nossos filhos como mantra que devemos assumir a responsabilidade por tudo que nos acontece - o que é o certo - e nos cabe mudar o curso das nossas vidas, caso ela não nos apresente como melhor opção para nos sentirmos felizes e realizados.
Aí é que o ser humano, na sua condição de só, agindo de acordo com seus próprios valores pode tornar-se solitário. Quando o “ser feliz” de um desencontra-se com o “ser feliz” do outro ou quando não reconhecemos na outra face nossa possível face de amanhã. Quando não entendemos que sempre se perde aquilo que se tem, independente de serem objetos, pessoas ou esperanças e vontades, abandonamos nossa condição de sós, diferenciados, únicos, singulares, diversos, que nos privilegia entre os seres senscientes. Transferimos-nos para condição de seres isolados, discriminados, confinados à solidão nossa de cada dia, até que a morte nos faça retornar de onde viemos.
Antes de um libelo pessimista este texto é um alerta de quem acredita que existem saídas para o Homem. Quem sabe, em vez de se enclausurar nas muralhas de suas convicções, certezas, preconceitos e medos dos sofreres, investíssemos na construção de pontes, nas quais, a ciência contemporânea, ancorada na filosofia, propiciou a aceleração na produção do conhecimento que beira a insanidade, na sua ausência de limites.
Concebidos, gestados e nascidos através do acasalamento da nossa inteligência com nossa necessidade de “estar com" com a consciência de que "vivemos sem", quem sabe, preservaríamos o privilégio da nossa unicidade.
As ferramentas estão aí: Nossa capacidade de raciocinar e a ciência. A segunda tantas vezes inútil já que a primeira pouco usamos a nosso favor.
ALICE ROSSINI
9 comentários:
Não sei se você se refere mais à "solidão nossa de casa dia" ou a solidão nossa de todos os dias. A primeira sugere uma escolha. A segunda, uma condenação.
Mesmo na maior bagunça alegre e coletiva, frequentemente nos situamos, e procuramos por nos mesmos. .
Há cerca de dois anos estou exercitando a solidão, Não duvide que é uma grande mestra e companheira.
Geralmente a gente só conhece em si aquele que está convivendo socialmente. Vestimos a melhor roupa, o mais demorado penteado, o melhor sorriso de festa. Até para ir a um funeral nos vestimos bonito e adequadamente.
A "solidão" não exige nada disso. E no entanto vamos ao mais luxuoso dos encontros.
O encontro com nós mesmos.
Não há nenhuma grande teoria, descoberta, obra prima que tenha surgido na balbúrdia. Mesmo que isso ocorra em volta, é preciso estar só
Acho que à medida que envelhecemos, aornedemos, - ou deveríasmos aprender - a desfrutar
da companhia da solidão. Porque se infancia é a bela explosão, a velhice é a bela implosão.
Se eu tivesse aprendido antes, teria ficado mais tempo só.
Somos sós. E esta constatação, sentida por nós a cada minuto vive sendo negada por uma sociedade que prega o contrario. O ser só, como voce diz é inerente à nossa humnidade. A solidão como opção sofre muitos preconceitos e juízos mas, quando desejada e vivenciada com sabedoria, certamente a condição inicial foi aceita, assim como aceitamos este sujeito (nós) que nos acompanhará pelo resto de nossas vidas.
Excelente sua reflexão.
Difícil refletir sobre suas reflexões. A resistência desta natural condição é danosa para as pessoas que convivem com o fantasma da solidão, a circunstancial. fazem concessões, abrindo mão de princípios, perseguidas pelo fantasma de encontrarem-se consigo mesmos.
A solidão é necessária, como foi dito acima, para o avanço da ciência, para o aperfeiçoamneto da arte e para o auto conhecimento
Ela não precisa ser motivo de angústia quando a condição natural de ser só é bem resolvida
CLARO QUE SOMOS SÓS. NOSSAS DORES, NOSSAS ALEGRIAS, NOSSAS PAIXÕES VIVEMOS DE FORMA QUE SOMENTE NÓS SABEMOS QUANTO E COMO. MAS NÃO ACREDITO NA OPÇÃO DE SER SOLITÁRIO, SALVO EM CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS E PASSAGEIRAS.
O HOMEM É UM ANIMAL GREGÁRIO. CONFINÁ-LO À SOLIDÃO É IR DE ENCONTRO À SUA NATUREZA.
CLARO QUE EXISTEM AS EXCEÇÕES. SÓ ELAS PODEM DIZER DAS ALEGRIAS E DAS TRISTEZA DA SUA ESCOLHA.
Devemos sim, aprender e entender que somos sós por mais que nos sintamos acompanhados de amigos e parentes. Quantas vezes um fato nos atinge de forma diferenciada e ninguem nos entende? É esta "solidão" que se apresenta e nos faz unicos, como voce diz.
Mas a solidão é necessária e benéfica quando sabemos que foi uma opção nossa ou é temporára. Prefiro acreditar que fomos criados para viver em grupos.
Nestes momentos fazemos o balanço das nossas vida e nos reencontramos com nós memos
olha, aqui pra nós. Eu odeio solidão, seja ela da forma que for. Gosto de estar sempre entre amigos e parentes. Se nós fossemos feitos pra viver em solidão não teríamos o dom da voz.
Xô. Sai pra lá solidão.
Amiga, desculpa, entendi o que voce quer dizer mas,solidão é o fantasma que mais me apavora na vida. Solidão me lembra morte, isolamento, falta de liberdade. Sei que voce deve estar pensando que tem gente que vive muito bem sozinha. Mas todas que conheço fogem aos padrões, são introspectivas, algum fato as levou a isso, enfim, o homem foi criado para viver em grupo. Sem esta caracteristica já tinha sido extinto.
ACHEI ÓTIMA A DIFERENÇA QUE VOCE FEZ ENTRE SER SÓ E SER SOLITARIO. NÃO GOSTO DE NENHUMA DAS DUAS OPÇÕES.SE A PRIMEIRA É UMA FATALIDADE, A SEGUNDA A GENTE PODE DAR UM JEITO SE ABRINDO PARA O MUNDO.
Alice,
A convivência no coletivo é tão desafiante quanto o enfrentamento com o arquétipo da totalidade - “o self”.
Somos seres geneticamente sociais mas, para conviver “plenamente com o coletivo”, faz-se necessário crer na supremacia dos interesses individuais sobre os da coletividade e esta crença está associada ao processo de individuação. Não podemos confundir individuação com individualismo. Pois, a individuação é um processo de independência psicológica e este processo só pode ser trilhado se soubermos encarar a “solidão necessária” de cada dia...
Amei o texto.
Beijinhos,
Bel
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