Sabe aquela historinha dos carneirinhos que todo o professor de matemática conta para explicar a origem dos cálculos matemáticos? Bem, esse maldito conto sobre o dono de carnerinhos que teve de inventar a noção de “contagem” para cuidar dos animais nunca deveria ter acontecido. Eu, se estivesse lá na época, provavelmente degolaria o maldito criador antes que ele pensasse em alguma coisa que se parecesse com um “número”.
Minha aversão não é contra matemática, muito pelo contrário, algumas relações aritméticas são tão perfeitas que impressionam. O que eu poderia amassar, pisotear e jogar no lixo são os miseráveis números. Não há símbolo mais medonho e mais compressor do que eles. E o pior é que os bandidos se disfarçam, fazem-se de bonzinhos organizando nosso dia-a-dia, nos dizendo as horas, ajudando a pagar contas e melhorando o comércio. Mas se esses chatos não existissem, nenhuma dessas atividades maçantes e repugnantes existiria. Seria um grande favor, diga-se de passagem.
Números são como algemas. Como correntes que nos prendem às coisas como se fossem parasitos intracelulares obrigatórios. Um verdadeiro vírus para as pessoas. Um câncer para a sociedade. Um câncer muito bem maquiado. E por que tamanho ódio? Números destroem sonhos, acabam com a felicidade e resumem todo o processo num só resultado com poucos mais de dois dígitos.
Pense assim: uma pessoa esperando ansiosamente o dia inteiro para ir até o zoológico com a família. A felicidade e a excitação da família é extraordinária, mas mesmo que todos façam um esforcinho para sair de casa às 17h, basta ver uma placa escrito “Aberto até 16h” para todos desanimarem. Quer dizer, a alegria se dissipou no instante em que avistaram aquele grande número gerado da multiplicação de 8 com 2.
Não importa o quão grande e magnífico seja o seu sonho de se tornar o homem mais rico do mundo. Basta abrir seu saldo bancário para desanimar de vez. Mesmo que você queira se tornar uma modelo famosa, subir numa balança e ver aquele número ultrapassar 90, fará você derramar lágrimas. E não importa o quão determinado você esteja para descobrir a cura do AIDS. Basta que você não esteja entre o número de selecionados para a faculdade de medicina para que seu sonho vire cinzas.
Um aluno pode muito bem estar transbordando de confiança quanto a uma prova. Pode ter aprendido todo o assunto e memorizado todos as dicas necessárias, mas um erro na marcação das questões pode fazer com que sua nota não ultrapasse a média. Quer dizer: o moleque era inteligente e esperto, tinha estudado até descolar os olhos, mas um número resumiu todo o seu progresso em “Abaixo da Média”.
A questão é que começamos a nos achar números, visto que o câncer já consumiu todo nosso corpo. Somos o número da balança. A dosagem do remédio. A hora da reunião da empresa. O dia da viagem. A nota da escola. A temperatura do dia. O número do celular... Não é ato que, antes de mais nada, a gente só é gente se tiver CPF e RG.
RAFAEL NEVES - Estudante de 15 anos
11 comentários:
Rafa, mais uma vez sua sensibilidade e sua percepção me emocionam. Não sei se é bom, aos 15 anos ter uma visão tão concreta da vida ou se esta lucidez precoce é o seu já reconhecido talento brotando cheio de criatividade, fantasia e uma necessidade premente de enxergar a vida como ela é...
Parabéns, querido, seus textos valorizam o Verso & Reverso.
Com apenas 15 anos observar a importancia e a determinação dos números no nosso dia a dia é realmente tarefa para quem, além de possuir o poder de correlacionar fatos, atitude própria dos escritores. Voce, garoto, será um dos observadores atentos do cotidiano, suas contradições e suas inúmeras facetas.
Excelente e original seu texto. Parabéns!
Rafael, com certeza voce será um escritor. Lembro de um texto seu muito interessante e tão criativo quanto este. Sua percepção do quanto somos, muitas vezes, transformados em números e o quanto eles são capazes de mudar nossas vidas foi um grande saque.
Adorei.
Rafael
que belíssimo texto. Não lhe considero mais uma promessa. Voce já é um talentoso alquimista das letras. Escreve com emoção, inteligencia e estilo. Parabens Rafa. Tenho orgulho de te conhecer. Espero que tome gosto e nos brinde com novos textos no verso & reverso
Que idéia deste garoto! Voce promete hein, rapazinho? Não é que ele fez uma correlação perfeita entre seres humanos e sua banalização tendo os números como instrumentos malditos?
Ótimo, parabens!
Rafa
Que maneira tão simpática, bem humorada, inteligente e quase musical em nos fazer saber que voçe chegou à triste conclusão de que não somos mais do que numeros, neste planeta onde a densidade demogràfica cresce em progressão exponencial. Parabéns, seu futuro está 70% desenhado e voçe tem 1 chance em 1 de se tornar um grande escritor.
Fernando Trovador
EXCELENTE A RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE COISAS TÃO ESSENCIAIS COM OS NUMEROS. ELES SÃO CAPAZES DE ENGOLIR TUDO. O TEXTO FOI ESCRITO COM HUMOR, LEVEZA E SENSIBILIDADE. RAPAZ, TEM CERTEZA QUE VOCE SO TEM 15 ANOS?(RISOS). QUANTA MATURIDADE. PARABENS
Rafael,
Um dos indicadores de inteligência é saber correlacionar fatos e eventos. Você correlacionou - números/tempo, com uma sensibilidade madura fantástica.
São nos pequenos – grandes detalhes que a vida acontece.
Parabéns, este seu texto abre atalhos para grandes reflexões.
Um beijo,
Izabel
Rafael,
Há muito tempo não leio um texto tão original. Voce conseguiu perceber o poder dos números na nossa vida.
Hoje temos que conviver com muitos: senhas, registros de documentos, de prontuários, de inscrições, que vão da fila em restaurantes à cadeira do teatro. Ainda tem as estatisticas sinistras que temos que rezar para não sermos mais um dado numa delas.
Sua visão é critica, isto nos oferece um pouco de esperança, por voce ter apenas 15 anos.
Rafa,
voce foi brilhante em sua percepcao do poder dos numeros em nossa vida. Realmente, identificar-se com os numeros e ter nosso destino ditado por eles constitui-se um grande probema. Obrigada por nos presentear com um texto tao inteligente e leve. Voce e' incrivel!
Rafa,
Vc está se superando a cada dia, e nos proporcionando bons momentos. É bom saber que, apesar de vermos e ouvirmos tantas coisas tristes no nosso dia-a-dia, há alguém que nos faz ler coisas tão bonitas para levantar o astral e ter esperanças de dias melhores. Parabéns! Te amo!
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