domingo, 12 de setembro de 2010

DESABAFO

“Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá “

Há vários dias não me sai da cabeça este trecho da música de Chico Buarque, versos que saúdo pela sabedoria e capacidade de representar, com precisão cirúrgica, a realidade. Embora este sentimento repouse sonolento em todas as pessoas, muitas vezes a roda das nossas vidas gira contrária ao esperado e nos deixa desnorteados e vulneráveis.

A chegada da maturidade nos trás, entre outras coisas, a certeza que passado e futuro são duas entidades nas quais não temos poder de interferir. Quanto ao passado, a única "borracha" que podemos usar para melhorar nossa leitura e sentimentos em relação a ele é a busca incessante pelo autoconhecimento e muita maturidade. O futuro não passa da nossa atração pela eternidade e uma vontade, quase infantil, que tudo aconteça como planejamos. Embora o presente seja um conceito abstrato e volátil, uma vez que sua duração, medida em centésimos de segundos, logo se transforma em passado. Portanto, é sobre o presente que vivemos todos os fatos das nossas existências, qualquer que seja a importância, profundidade, raridade, casualidade e as infinitas variáveis e circunstâncias que os determinam.

Durante nossos “agoras” possuímos poder, autonomia e capacidade de fazer escolhas, de exercer o livre arbítrio. E queiramos ou não exercemos este direito até quando dele abdicamos. Ainda que resolvamos que nada faremos ou escolheremos, estamos escolhendo não escolher.Paralelo a este poder existe o poder do outro, semelhante ao nosso em todos aspectos. E este poder, queiramos ou não, interfere em nossas vidas, muitas vezes, de forma determinante.

Assim como acontecem fatos esperados e planejados por muitos anos, entre um e outro, muitos acontecem sem que nenhuma mente, por mais criativa que seja, seja capaz de imaginar. Não estou preconizando que tudo seja previsível, até porque a vida seria entediante e os conflitos entre os seres humanos exacerbados. Aí reside a beleza e o desafio de Ser e Estar, a convivência com o imponderável, com o imprevisível.

Quando somos jovens, independente das sensações de leveza e coragem com que a juventude nos preenche, a “Impermanência”, este movimento contínuo que garante a dinâmica da vida, nos estimula e nos excita. Mas o passar do tempo que tanto nos fortalece quanto nos fragiliza, permite que este vai e vem de acontecimentos empreste a cada amanhecer um sentimento de impotência e uma desconfortável expectativa, pois, não são poucas as vezes que, apesar de nossos esforços a “roda da vida” gira ao contrário e, como sempre, sem aviso prévio.

Utilizando uma imagem metafórica, sinto que acentua-me a sensação de sermos uma folha que cai aleatória de uma árvore qualquer e a natureza se incumbe, com indiferença, de levar-nos onde se lhe aprouver, usando a velocidade, tanto de brisa tranquila quanto de um furioso tornado que definem nossos destinos. Esta sensação latente em todos os homens, de forma consciente ou elaborada por mecanismos que os defendem de medos, fobias e inseguranças, e em animais que lidam com estas circunstâncias utilizando a sabedoria dos seus instintos, vem sendo exacerbada pelos fatos, bons e ruins que, confesso, não estou sabendo como lidar com a valentia compatível com meu grau de esclarecimento e tudo que já vivi.

O que me redime é a plena consciência das minhas sensações e motivos não me faltam para que sentimentos desta natureza emerjam. Não estou louca nem sou totalmente imatura. Sou sensível e tanto as minhas angústias quanto as alheias me afetam, e muito!Também não me sinto só. Os consultórios psiquiátricos estão lotados de pessoas que, como eu, tiveram coragem e humildade para pedir ajuda.

Sinceramente, não creio que alguém, minimamente compassivo, consiga amanhecer, passar o dia atento e reencontrar-se no aconchego, muitas vezes invasivo e denunciador do próprio travesseiro, sem que a angústia o invada. Entretanto, existem os mais corajosos e seguros, ansiosos por saber se a roda da vida os levará para onde, inocentemente, planejaram.

À DERLY, QUE NÃO TEVE TEMPO DE REFLETIR.

ALICE ROSSINI

13 comentários:

Penha Castro disse...

As sentimentos de desamparo e vulnerabilidade, acho, são responsáveis por muitas das nossas neuroses. Podemos dizer quee todos, de alguma forma os experimentam. Portanto, não se sinta só. Exceto na coragem de se colocar tão frágil e tão humana.
Seu texto, mais uma vez me emocionou e me identifiquei muito.

Aparecida Matos disse...

Viver é dificil porque temos que enfrentar os dois lados da vida, o seu e o dos outros, de quem não podemos nem queremos prescindir. O equilibrio entre nossas vontades e as dos que nos rodeiam e até os que estão longe mas intererem nas nossas vidas é a chave, se não da felicidade mas da paz.
A maioria de nós não o encontra e sente-se só e desamparado.
Seu texto desnuda esta condição humana e sem nenhuma vaidade coloca-se entre os que o procura.
Muito bom e certamente, muitas pessoas se identificarão com seus sentimentos.

VIC disse...

Há meses que me sinto desta mesma forma. Voce tem a sorte e a lucidez de saber as razões. Eu,nem isso.
p.s. seu blog está com algum problema, pois ja postei esta mensagem e não foi publicada

Luiz Vaz disse...

Minha Querida Alice.

Formidável seu texto.A ressalva que faço é a pessôa do poeta escolhido para iniciação de sua matéria.Grande poeta,inteligente porém,com um defeito imperdoável:Se diz Comuna,vive regado a Wisky na zona sul do Rio,faz declarações de amor a Fidel,não sai de Cuba.Para mim um calhorda,safado,Hipócrita.Mais perigoso do que,
um pau mandado do Partido.

AMANDA disse...

Alice, os sentimentos que experimenta, que representou de forma tão poética, é tão ruim que de poético não tem nada. Acho que a humanidade convive com a instabilidade cotidianamente, adoece e nem se dá conta que o medo e a insegurança são silenciosos mas nem por isso menos nocivos.
Bom ler um texto tão sincero, honesto e verdadeiro que servirá de espelho e motivo de reflexão para muita gente

ZEUS disse...

Estes inquietantes sentimentos que voce descreve de forma tão bonita, é onopólio dos sensives e inteligentes. Se paga um preço para sentar-se dante de uma maquina e transformá-la num ser "quase" vivo, que nos instiga, nos faz refletir e até nos incomoda. Pessas corajosas vão vão ao psiquiatra e,sob a proteção do silencio lhe contam suas angustias. Pessoas privilegiadas expõe suas angústias e humildemente as publica

RICARDO FARIAS disse...

VOCE DESCREVE TUDO QUE TODO MUNDO SENTE E NÃO TEM CORAGEM DE DIZER. TA TODO MUNDO NA PIOR E VIVEMOS À MERCÊ DO ACASO. ESTA COISA DE LIVRE ARBITRIO É BALELA, VEM A VIDA E MUDA TUDO E VOCE AINDA TEM QUE TER MATURIDADE E FAZER DE CONTA QUE ACEITA(RISOS)

Roseane disse...

Alice, seu texto tanto me acalmou quanto me deixou muito angustiada. Lhe agradeço pelos dois sentimentos. Um me encheu de compreensão da vida e o outro me fez pensar que vivemos todos no mesmo barco.
Prabénes!

Ana Rosa Almeida disse...

MUITO BOM O TEXTO EMBORA DEMONSTRE UM ENORME CANSAÇO EM RELAÇÃO À TUDO. COMO TODO MUNDO PASSA POR ISTO E ESTÁ DEDICADO À ALGUEM, IMAGINO QUE OS MOTIVOS PARA TAMANHA TRISTEZA SEJAM FORTES

Anônimo disse...

A vida se fosse previsível seria muito chata. Não existem só as surpresas desagradáveis mas as agradáveis e as que a gente planeja e dão certo.

Lú disse...

Alice, amiga do meu coração. Compartilho com você o sentimento que lhe levou a fazer reflexões tão profundas (e simples ao mesmo tempo) sobre o circunstancial da vida, aquilo que não dominamos e nos leva, traz e conduz ao bel prazer do destino, à nossa revelia. Belíssimo o seu texto.
Muitos são os caminhos que nos conduzem aos inesperados finais das histórias que vivenciamos, embora nem sempre sejam construídos por nós, somente. Somos impactados por tudo e por todos que nos importam, e às vezes não podemos suportar o poder devastador desse impacto, pois volta e meia estes seccionam a imagem que temos de nós mesmos. E, caso não tenhamos estrutura suficiente, nos desintegramos... Por conta disso, finais trágicos são até previsíveis, mas não menos sofridos, pois sempre esperamos que o destino "dê uma mãozinha" e faça soprar bons ventos que mudem o curso da história.
Muito linda a sua homenagem, amiga. Tenha a certeza de que você tem um papel muito importante nesse processo, e o está cumprindo com louvor. Você é o melhor que se pode ter, é tudo o que eu desejaria, em tempos de fúria.

Lú disse...

Alice, amiga do meu coração. Compartilho com você o sentimento que lhe levou a fazer reflexões tão profundas (e simples ao mesmo tempo) sobre o circunstancial da vida, aquilo que não dominamos e nos leva, traz e conduz ao bel prazer do destino, à nossa revelia. Belíssimo o seu texto.
Muitos são os caminhos que nos conduzem aos inesperados finais das histórias que vivenciamos, embora nem sempre sejam construídos por nós, somente. Somos impactados por tudo e por todos que nos importam, e às vezes não podemos suportar o poder devastador desse impacto, pois volta e meia estes seccionam a imagem que temos de nós mesmos. E, caso não tenhamos estrutura suficiente, nos desintegramos... Por conta disso, finais trágicos são até previsíveis, mas não menos sofridos, pois sempre esperamos que o destino "dê uma mãozinha" e faça soprar bons ventos que mudem o curso da história.
Muito linda a sua homenagem, amiga. Tenha a certeza de que você tem um papel muito importante nesse processo, e o está cumprindo com louvor. Você é o melhor que se pode ter, é tudo o que eu desejaria, em tempos de fúria.

Lucia Araujo disse...

O IMPREVISÍVEL

Um sábado. Não era um dia comum. Emoções, expectativas, interrogações que, há dois dias, nos inquietavam, neste sábado eram exacerbados pois, no fim da tarde, iríamos reviver a morte de uma jovem, de forma tão violenta. Embora esse encontro fosse num templo religioso, numa celebração de prece, cânticos, de agradecimento e exaltação do amor de Jesus, não foram suficientes para apagar as lembranças de fatos tão recentes e dolorosos.

Toda esta situação nos remetia a um fim de tarde triste. Era natural a previsão, pois todos os fatos compunham para o cenário.

Saí da igreja com minha filha e meus netos e, no caminho, foi sugerida por eles uma passagem numa lanchonete para uma merenda. Tal foi a minha surpresa quando foi lembrada a CUBANA. Por que iríamos para o centro da cidade? Surpreendi-me quando me informaram que havia uma CUBANA na Pituba. Minha desinformação do que muda ou permanece, mesmo no meu bairro, é surpreendente!...

Ocupamos uma mesa, pedimos sorvete, torta e começamos a conversa, risos, recordando meu tempo de juventude e mesmo maturidade, quando frequentávamos a CUBANA, numa rotina comum em várias gerações.

Aí lembranças do passado ocuparam minha mente, redirecionaram minhas emoções e o fim da tarde teve outro final, totalmente diferente do que estava previsto.

O texto de minha filha faz-me registrar estes fatos, com a licença concedida pelo coração e minha saudade.

Assim, confirmo, endosso e parabenizo-a pela sensibilidade que permeia seu texto, introduzido pela música do talentoso Chico Buarque, que nos faz o favor de poetizar o cotidiano, dando à vida um tom de suavidade e beleza.

Felizmente, a “roda viva” desconstrói nossas previsões e nos prova que as peças postas no tabuleiro da vida nem sempre se sujeitam às nossas manobras. Desviam do “itinerário” planejando e nos surpreendem com outro resultado. Ainda bem que a vida não é retilínea, as “curvas” podem fazê-la imprevisível e, consequentemente, mais interessante, instigante e menos tediosa.

Importante é que aprendamos as lições usando-as para nosso aprimoramento, sabendo que temos o livre arbítrio e presença da Misericórdia Divina.

Lúcia