À medida que meu tempo vai passando chego à conclusão que nada sei. Aos poucos vou desconstruindo algumas certezas. Garanto que é difícil e doloroso. O que me parecia obvio e com consequências quase previsiveis, repentinamente vira dúvidas e questões. Alguns pilares ruíram, deixando meu edificio de convicções quase que condenado. Tudo isto, se não varrermos com cuidado e discernimento viram entulhos. Alguns poucos, a duras penas, joguei fora, outros ainda pouco elaborados e mais renitentes, continuam mas, como fantasmas. E a vida, indiferente, mostrando o quanto tudo é impermanente, mutável.
Não nos conhecemos. Nossas reações, nossos desejos, nossas possibilidades de apaixonamento, aos quais, muitas vezes, insensata e desavisadamente dizemos “nunca” ou nos atiramos ensandecidos, assim como nossos anseios, que vão se modificando e nos surpreendendo. E surpresa não é prerrogativa de jovem imaturo. Até a morte, mesmo a iminente, ainda nos surpreende!
Em relação aos outros o desconhecimento é quase que total. Os distanciamentos das circunstâncias que envolvem vidas alheias, além de nos fazer ignorantes sobre suas razões nos podam a compaixão quando sucumbimos aos atos de julgá-los ou rotulá-los. E é sobre este “outro” que mais achamos que sabemos. Quando vemos alguém circunspecto achamos que está triste. Quem sabe não estará recordando um maravilhoso momento? Quando vemos alguém rindo e brincando achamos que está feliz e sem problemas. Pode estar apenas se doando uma tregua. Quando alguém nos olha nos olhos, nunca lemos pedidos de ajuda, nem tristeza, muito menos uma necessidade de um encontro. Quem sabe o desejo de compartilhar uma alegria, dirimir uma dúvida ou a premência de uma palavra que a ratifique. Ou um re-encontro com as pessoas que tornamo-nos que só é percebido através da visão dos atentos. Desviamos os olhos! Negamos-lhe um olhar mais demorado, mais profundo. Logo eles, que falam tanto!
A tragedia deste estado de alienação do outro é que, depois que as pessoas se vão e afetos se volatizam, fatos esclarecem motivos que nos explicam quem realmente foram. Quando mais precisamos da compreensão sobre os mecanismos da vida e decifrar parte dos seus enigmas, descobrimos que nem nos esforçamos para merecer, um pouco que seja, da verdade que também é relativa, multifacetada e mutável. E nos enredamos mais na nossa ignorância se não tivermos a humildade de reconhecer nossos equívocos.
Como nossa interação direta são com as pessoas, justamente elas são alvos preferenciais e cômodos dos nossos enganos. De repente, descobrimos que nem tudo é o que parece. Que nem tudo que achamos condiz com o que queremos e o que fazemos. E o que achamos que tinha a solidez do granito, qualquer ventania é capaz de dispersar.
O outro será sempre um eterno desconhecido, ainda que viva do nosso lado. Ególatras nem percebemos que, como nós, mudam, sofrem, envelhecem, amadurecem ou permanecem estagnados num tempo que já superamos. Não sei a forma de resolver esta questão humana de assumir a mais perigosa das aventuras, penetrar nos bastidores das nossas e de outras vidas, com objetivo de tirarmos delas conclusões definitivas.
A única coisa que sei é que devemos achar menos e sentir mais.
ALICE ROSSINI
7 comentários:
Alice. Achei genial a maneira como voce colocou o que lhe vai na alma. Acho que me identifiquei com voce.
Um grande abraço.
Gloria
Esta sensação de estarmos sendo julgados e, claro, injustiçados, é terrível. Ninguem sabe o que se passa nas nossas cabeças, nas nossas casas, nos nossos quartos. Não sabem o que sonhamos e o que nos frustra. Ainda assim, rotulam, julgam e punem.
Ao fazerem isto, além de ficarem vulneráveis aos mesmos julgamentos e punições, nós homens não perdem a chance de serem crueis. Excelente texto. Muita gente deve ter vestido a carapuça.
Acho que a maior distração do ser humano é "achar" ou "opinar" sobre a vida dos alheia. Em português claro, FOFOCAR..Sempre que "achamos" algo sobre alguem, este alguem nunca saberá o que achamos. E, se tivermos a chance de dizer-lhe o faremos com o discurso impregnado de conveniências, certos que a verdade incomoda. Mas, que verdade sabemos sobre os outros? A que eles aparentam. Nos enganamos! Não dizemos a verdade nem para nós mesmos! Por que? Porque dói. Esta é a desculpa que achamos para tirar o foco de nossas e lançarmos sobre os outros. Até porque, nos outros não dói como em nós.
Excelente texto. Garanto que muita gente vai se enxergar nele.
Este texto é a descrição da propria vida. As pessoas vivem julgando tudo. Na maioria das vezes sem saber as variáveis do que está sendo comentado. Pior, sem a conciência que um dia podem ser elas o pivô de acontecimentos que julgam e rotulam, valoram.
Muito bem lembrado mais este hábito humano de falar do que e de quem nao conhece
FALAR DA VIDA ALHEIA É A MELHOR DIVERSÃO DAS PESSOAS.MUITO POUCAS TEM A CONSCIÊNCIA QUE, AO JULGAREM TAMBÉM SERÃO JULGADOS COM O MESMO RIGOR E FALTA DE INFORMAÇÃO COM QUE JULGAM OS OUTROS. ESQUECEM TAMBÉM QUE O MUNDO DÁ MUITAS VOLTAS E O JUIZ DE HOJE PODE SER O RÉU DE AMANHÃ.
MUITO BOM O TEMA ESCOLHIDO. DEVE TER MUITA GENTE COM AS "BARBAS DE MOLHO"
Talvez este seja o âmago da questão humana. Sem conhecer a si, sai por aí julgando e infernizndo a vida alheia.
Achei ótimo!
ESTAVA VIAJANDO E NÃO LEVEI MEU LAPTOP. MAS SEU TEXTO É O RETRATO DA NOSSA SOCIEDADE. TODO MUNDO FALA DE TODO MUNDO.A FÁBRICA E BOATO ESTÁ CADA DIA MAIS RENTÁVEL E, O PIOR, SOMOS UM BANDO DE IGNORANTES. A COMEÇAR PELOS NOSSOS REPRESENTANTES. ISTO É ATÉ COERENTE: COMO INFORMADOS VÃO REPRESENTAR IGNORANTES? AFINAL NOS OS ESCOLHEMOS.
ADOREI!
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