Em todas as fases da vida: infância, juventude, maturidade e velhice, o homem, principalmente, perde mais do que ganha. Exceto no nascimento, começo de tudo - o sopro da vida é uma dádiva. Questionável, pois, a partir do momento que nascemos, iniciamos nossa inexorável caminhada para a morte. Uma visão realista, do roteiro assumido, mas nem por isto amarga.
Na infância, em todas as culturas do mundo, dito civilizado ou onde valores humanitários são cultuados, uma boa parte das crianças tem a prerrogativa de ser protegida dos percalços da vida. São poupadas de milhares de formas, até de caírem quando começam a dar os primeiros passos. Nesta fase, temos pressa em envelhecer. Justo quando a vida ainda não aconteceu, quando tudo é possível, quando acreditamos em fadas e duendes, quando acreditamos em mitos e heróis, os bons ou os maus e queremos que o tempo passe e acelere seu próprio ritmo.
Desde que nascemos, nosso futuro está sendo esboçado nos eternos “agoras” do nosso existir e, quem sabe, o que chamam de livre arbítrio não seja uma espécie de álibi com o qual justificamos nossos desfechos? Não que ache que não somos responsáveis por nós mesmos, mas nossas escolhas sofrem tantas interferências alheias às nossas vontades, que nossa força ao tê-las feito, relativiza-se.
Quando jovens, a rebeldia santa e cheia de certezas é acompanhada de uma vontade reincidente e insana de tudo questionar e de achar verossímil toda e qualquer possibilidade de mudar o mundo para o que julgamos melhor, sob o aval de uma ingenuidade primal. Apaixonamo-nos pelo amor, e por acharmos que é recíproco, cremos que jamais seremos feridos por ele.
Mas o tempo possui sua força transformadora e, afogados nesta provável metamorfose, que muitos chamam de maturidade, sensatez ou equilíbrio, grande parte perde-se de si próprios. Fatos nos ensinam que nada é branco nem preto e que o cinza é a regra. Verão não é sinônimo de céu azul, nem o outono pretende ser somente uma estação, onde as folhas amarelam e caem. Sofremos a síndrome das folhas secas e ficamos à mercê dos caprichos dos ventos. Como nem sempre depois da tempestade vem a bonança vamos, aos poucos, perdendo a ingenuidade e substituindo as crenças.
Repentinamente, descobrimos a fuga da criança que achávamos, continuaria colada na melhor parte de nós. Deixou-nos sem a leveza que sabe que a escuridão é passageira, a qualquer momento as luzes se acendem e nos mostram que estamos em lugares que têm perigos e também esconderijos salvadores.
Perdemos a inocência e a ingenuidade a acompanha. Nossa maior perda existencial, pois com ela esvaiu-se, salvo uma lucidez insana, que a vida pode, de vez em quando, ser leve e cristalina.
E nem sabemos quando, nem como, isto acontece.
Como algumas vezes não temos controle de nós, o peso das certezas nos sufoca, as maldades aprisionadoras nos assaltam e achamos que, repentinamente, de pássaros livres nos transformamos em seres engaiolados e cheios de medos.
Achando que duvidar é sinal de ignorância e garantia de quem perdeu o rumo; voltar atrás sintoma de insegurança; sorrir mal dos alienados; enganar-se sinônimo de ignorância; ser introvertido e contemplativo prerrogativa de desocupado, desejar ser ganancioso e não desejar fracassado.
Só vejo criança pular muros, desobedecer a regras que acha absurda, falar com desconhecidos, pedir desculpas, chorar e sorrir muito.
Talvez por isto, muitas ainda sejam leves e sintam-se felizes.
ALICE ROSSINI
9 comentários:
Alice, por incrível que pareça, voce falou do peso que a vida vai nos obrigando a colocar nas nossas costas, com sua sustentável leveza ao abordar assuntos que estão longe de serem carragados confortavelmente.
Sua reflexão sobre a trajetória humana onde vamos perdendo crenças, sonhos e com eles a ingenuidade e a leveza é genial. Infelizmnte ao perdermos as certezas não nos tornamos leves. Mas pessoas inseguras e cheias de medo. Seu texto está irretocável e, infelizmente, retrata a mais pura realidade.
A correlação com o título do livro de Milan Kundera adequou-se, maravilhosamente, ao conteudo da crônica
Quanto mais vivemos mas pesados ficamos. Infelizmente a vida não deixa que nossos sonhos permaneçam. O jeito é adequá-los ao momento e não deixar nunca de ter um desejo, por mais sem importancia que seja. O que realmente importa é o que somos
Voce, fez a pergunta que todos nós nos fazemos todos os dias. Quando eu fiquei amarga? quando eu fiquei maliciosa? quendo fiquei descrente? Quando perdi a esperança? Seu texto é uma pergunta que deixa pistas para respostas cruas e duras. As perdas fazem parte do crescimento e da "maturidade" castradora que, se de um lado nos dá forças do outro, nos tira a leveza e torna nossos corações pesados como chumbo. Dificil fazer um comentário para este texto. tive que relê-lo algumas vezes. Nunca mais faça isto(risos)
Muito boa sua colocação sobre a vida e suas fases. Também acho que o homem, até por possuir inteligência, vai perdendo quanto mais vai amadurecendo. O medo da morte tira de nós qualquer capacidade de continuar ingênuos e leves. Infelizmente, crescemos e ficamos "ajuizados" e chatos
ADOREI O TEXTO. MAS SAIBA QUE NÃO VEJO MAIORES PROBLEMAS EM FICARMOS MENOS INGÊNUOS COM O PASSAR DO TEMPO. ISTO NOS AJUDA A NOS PROTEGER DA VIDA, QUE NÃO É FÁCIL PARA NINGUEM. PENA QUE, QUANDO SOMOS CRIANÇAS, NÃO APROVEITAMOS A PROTEÇÃO E A "LEVEZA" PRÓPRIAS DESTA FASE
A maturidade tem mesmo seu peso, e certamente bem menos encantos que desencantos. O preço da leveza que perdemos é incalculável, embora ficarmos mais densos seja o que nos torne aptos a sobreviver num mundo pobre de respeito, ética e valores.
Talvez isso explique a excitação que o ato de transgredir nos causa, reinventando a sensação de voltarmos a ser crianças aprontando alguma peraltice.
É duro encarar, com melancolia, a falta que nos faz - sob a luz da inocência - pular muros, driblar regras, pedir desculpas...o que, na maturidade, está sempre acompanhado de um interesse maior envolvido.
Muito denso, o seu texto. Talvez você esteja mais leve por tê-lo escrito, postado e compartilhado. Gostei da linha de raciocínio, mas não vamos nos deixar abater pela depressão! Antes, como disse o comentário acima, vamos nos convencer de que só assim, "pesados", conseguimos sobreviver.
Adorei seu texto. Me tocou tanto que agradeço os comentários feitos acima. Fiquei, realmente, tão emocionada que não tenho mais nada a dizer.Parabéns.
Mais uma vez voce mergulhou fundo e nos fez perguntas inquietantes. Quando perdemos a inocência e a ingenuidade? E por que temos que perdê-las? Se voce quer saber, acho que voce não perdeu nem uma nem outra. A demonstração é a coragem de perguntar. Mas sempre será esta mulher que tem o peso dos seus questionamentos, o que não significa perder a leveza.
Belo texto
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