terça-feira, 14 de junho de 2011

FELICIDADE, UMA QUIMERA?

A Psicanálise reconhece como parte do comportamento humano e define como Mecanismo de Defesa atitudes que nos “afastam” dos problemas que incomodam e que, muitas vezes, sem tentar resolvê-los e refletir sobre eles, achamos mais fácil “fugir pela tangente” como se diz na linguagem popular. Ouso defini-los, sabendo que estou sendo reducionista e omissa quanto à complexidade da doutrina freudiana.

A repressão, a racionalização, a sublimação, a projeção, o isolamento, a negação, entre outros, são mecanismos identificados por Freud e, por mais contestado que o cientista seja hoje, pessoalmente, identifico vários deles ao meu redor. Inclusive em mim mesma, embora tenha a mania de desmascará-los, o que faz com que me sinta vulnerável e desnuda.

Por favor, não me achem pretensiosa por estar escrevendo sobre um assunto que foge, completamente, à minha formação. O “problema” é que eu me interesso pelas artimanhas humanas e, além de pensar sobre elas, presto muita atenção em quem as utiliza. Atire a primeira pedra quem, de vez em quando, não dá um drible num fantasma que não quer ou não consegue exorcizá-lo por medo ou até, por nem ter consciência que exista.

Ao refletir sobre o assunto imagino e me corrijam psiquiatras e psicólogos, que os mecanismos existem para nos garantir uma coisa que nos sentimos obrigados a ser o tempo inteiro: felizes. Mas a felicidade é um conceito além de difícil definição, é pessoal e a sensação nunca é permanente. Claro que as coisas não são tão simples assim e não tenho intenção de explicá-las. Apenas uso-as como lastro para meu texto.

Mesmo assim, fazemos qualquer coisa para alcançar esta “tal felicidade” porque hoje é símbolo de sucesso e vivemos uma cultura que a ninguém é permitido demonstrar qualquer tipo de fraqueza e nos é insuportável a sensação que podemos perder o controle das nossas vidas, inclusive, imaginem, dos sentimentos, nossos e dos outros.

Vamos fazer uma suposição louca - Saramago já o fez com relação à Morte - na qual, a vida seria uma sucessão de momentos felizes, claro, resultado de outra sucessão de escolhas acertadas. O que aconteceria, pensando rápida e superficialmente? Ser feliz não constituiria nenhum motivo para ser celebrado, porque a rotina, aquela palavrinha temida pela grande maioria, faria da felicidade uma regra imutável. Seria terrivelmente sufocante viver sob regras imutáveis! Quanto às escolhas acertadas, qual o parâmetro que usaríamos para valorá-las como certas, já que não saberíamos o que seria considerado errado? Os conceitos de certo e errado carregariam que conteúdos? Outro detalhe importante é que nossas escolhas dependem das escolhas de outrem.

Sentirmo-nos eternamente felizes nos colocaria na superfície da existência, portanto não nos convocaria para a reflexão. Que chance teríamos de experimentar todos os sentimentos humanos que nos enriquecem, ensinam-nos a comparar gostos, sensações, saborear e digerir as diversas faces da tristeza, de como é bom o sentimento de saciedade de fome, de abraços, de beijos, de sexo, de amor? Nossos pensamentos e reflexões seriam pobres, pois viveríamos à tona, sem descermos às profundezas do nosso inferno, onde buscamos força para compreender, ser tolerante, ser forte e aceitar que existem os fracos e os intransigentes. Que existem as diferenças.

Como buscaríamos as razões de tudo, senão nos subterrâneos das nossas reflexões que uma vida de prazeres e felicidade nos roubariam?

Quando perdêssemos alguém a quem amamos, como suportaríamos o sofrimento inerente à perda? Porque, por mais felizes que fôssemos não estaríamos livres da inexorabilidade do distanciamento das pessoas em busca de seus projetos pessoais, da própria felicidade e pela morte, da qual, jamais fugiremos. Paradoxalmente, se conseguíssemos fugir dela, nossa pretensa felicidade foge pela mesma porta.

Por todas estas impossibilidades, usamos nosso Ego - eu novamente enfrentando terreno minado - lançando mão de mecanismos que nos dão o suporte para conviver com a vida como ela é.

Pois é este lado da vida que, unido aos momentos de plenitude, compreensão e realizações, emprestam riqueza, densidade e diversidade sem as quais seria insuportável existir.

ALICE ROSSINI

10 comentários:

Luciano Augusto disse...

Felicidade, uma constante invenção!
Bj

Gloria disse...

Felicidade completa em todos os sentido. Impossivel
Beijos

Penha disse...

Não se preocupe em citar Freud porque voce o faz com muita propriedade. É uma pessoa informada e o legado de Freud extrapola as formações de psiquiatras e psicólogos. Como voce, também vejo muita gente usando o que ele chamou de "mecanismos de defesa". Isto ajuda a tornar a vida menos pesada. Muito poucos tem condição de enxergar tudo e manter o equilibrio.
Seu texto além de bem escrito, está criativo e inteligente. Dismitifica conceitos que alimentamos em vão.

Rose disse...

O texto está lúcido, criativo e, como sempre, muito bem escrito.
Felicidade é, realmente, uma quimera. A cada minuto das nossas vidas estamos com um estado de espirito diferente, as circunstâncias mudam, para melhor ou para pior. Portanto, a idéia é viver cada momento sem pensar muito na qualidade de prazer que estamos sentindo. Porque isto, só o futuro poderá responder

AMANDA disse...

Menina, voce consegue dar nó em pingo d'água! Que texto mais "infernal", no bom sentido. Faz a gente mudar todos os conceitos e achar que tudo na vida é relativo mesmo. Depende do ângulo que voce olha. E voce olha por cada ângulo! rs
Olha, adorei, foi um dos melhores que ja saiu desta sua cabeça inquieta

Anônimo disse...

Vou continuar anônimo.Por favor, não é covardia é timidez, acredite.
Este texto tem uma estrutura fantástica. Voce brincou com o raciocínio, com a lógica e com os argumentos. Quanto a falar de Freud, não se reprima. Êle é tão popular quanto deve ser mal entendido e já superado em algumas coisas.Mas este "tal de mecanismo de defesa" vemos pessoas toda hora se enganando e achando que estão enganando os outros com eles.
A busca da felicidade é necessaria e um direito mas, deve ser comedida. Senão ela está tão perto que não conseguimos enxergá-la

Aparecida Matos disse...

Alice, o homem para sentir-se feliz lança mão de todos os artifícios que sua imaginação lhe disponibiliza. Freud,voce falou com muita propriedade, observou estes mecanismos e os sitematizou.Como voce, eu e todos lançamos mão deles para fugir do sofrimento. Legítmos, tanto o uso dos mecanismos como a vontade de fugir do sofrimento. A questão é não deixar que isto extrapole os parâmetros de normalidade, que também são relativos, e nos tornemos uma mentira.
Um dos melhores textos que escreveu, parabéns

JOANA D'ARC disse...

Excelente seu texto sobre o que os seres humanos são capazes de fazer para se iludirem. Freud captou muito bem todos as formas e hoje,só não as reconhece quem não quer.
A neurose em que a felicidade se transformou foi muito bem comentada por voce.Séculos atrás a ciência as classificou, demonstrando que Freud está na moda(risos)

VIC disse...

Todo mundo fala em Freud, profanando seu nome, interpretando sua doutrina de forma errada e tido o cuidado de registrar que está fora da sua área, usa o que ele deixou, de forma a embasar seus textos. Este está super interessante porque voce fez uma ponte entre uma "paranoia" do mundo de hoje, que sente-se obrigado a se dizer feliz e os tais "mecanismos de defesa" que ele deixou sistematizado, para acreditar que isto é verdade.
Adorei. E pode citar Freud ou outro filosofo qualquer, porque até profissionais da área fazem. E de forma errada e inadequada, o que é pior!

Lú disse...

Usei seu blog, e seus sempre maravilhosos textos, para demonstrar minha saudade... Saudade que busquei minimizar visitando seus escritos sempre cheios de sentimentos e verdades pessoais. Saudade que busquei driblar enviando uma palavra, um comentário, um "flash" do meu pensamento, amiga!!!
* * *
O fardo da felicidade constante - aquela que nem sempre sentimos mas precisamos demonstrar porque é o que esperam de nós - é relativo, e depende da cabeça de cada um. Somos o que pensamos, nos transformamos naquilo que pensamos, sofremos ou nos alegramos por conta do que pensamos. Se formos fortes o suficiente para manter nosso pensamento e ego sempre em alta. Ou seja, a felicidade está na maneira como vemos e interpretamos o mundo à nossa volta. O difícil é sermos superiores ao meio que nos cerca, é direcionarmos nossos pensamentos para que sempre vejamos as situações de forma positiva. E os nossos hormônios? E os imprevistos da vida? E as perdas não planejadas? Assim sendo, felicidade em tempo integral é mesmo uma quimera. Você arrasou!!