quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

¨O QUE TEMOS FEITO DE NÓS?¨

O ano está acabando e a condição do ser humano permanece igual. Gente matando gente com a mesma crueldade e indiferença que desmata florestas e sacrifica animais. Pior! Gente se matando de todas as formas, não só física como emocionalmente. Desconhecem princípios, negam vontades, desistem de sonhos, abdicam de si abrindo mão de lutar pelo que jamais deveria ser suprimido, a liberdade de pensar, declarar e agir. Há quem ache normal e contribua para isto. Há quem arrebente as correntes, derrube as grades e bote a boca no mundo. Mas há uma grande parte que se acomoda e, embora pense, cala-se e imobiliza-se.
Diante disto não sei ser original nem escrever algo novo. Entretanto, este exilio de si mesmo já foi denunciado e por uma mulher, CLARICE LISPECTOR.
Um amigo querido, o Psicólogo Ricardo Barreto, sempre generoso e, muito mais que eu, conhecedor e admirador da obra de CLARICE, resolve compartilhar as suas e as nossas inquietações, que o gênio da escritora, pergunta-se e pergunta-nos, num fragmento do seu pensar: “o que temos feito de nós?”

“Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós constuímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primário de nós que por amor diga : tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tanto outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo "e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."


Clarice Lispector ( Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, pg. 47/48 )

7 comentários:

APARECIDA MATOS disse...

Desde que achei que amadureci, que achei que comecei a viver, tenho me feito esta pergunta, constatemente e hoje, cada vez mais raramente, porque não gosto da resposta, principalmente, quando sou honesta comigo mesmo. Mas, o que me consola, veja a que ponto cheguei, é saber que me nivelo com grande parte da humanidade que, em nome de alguma missão, esquece-se de si mesmo e ainda orgulha-se disto, achando que está sendo heróico e fazendo parte dos bons e abnegados.

Oportuna e "inconveniente" a pergunta, pois destroi mitos e decodifica do que é ser digno de ser chamado de corajoso e honesto.

Brilhante o apagar das luzes de um ano tão intenso

AMANDA disse...

Que pergunta mais inconveniente, para quem não gosta da verdade, que é a maioria das pessoas! Seria muito bom que todos pudessem respondê-la sem constrangimentos, arrependimentos ou sentimentos de culpa. Porque, quando nos esquecemos de nós, corremos o risco de perder-nos para sempre. E se não nos importamos em nos perder, a indiferença com os outros é uma consequencia natural.
Que esta pergunta nos acompanhe e nos acorde por toda nossa vida

Cristina Alvarez disse...

Um bando sem o menor compromisso com os outros, com os animais, plantas, enfim, com a própria sobrevivência. Nem temos consciência que dependemos uns dos outros, animais vegetais, minerais para que continuemos a existir. Acho até que existe uma vontade de um suicídio coletivo. Se fizermos uma retrospectiva do que temos feito de nós somente em um ano, constatamos isto fácil.
Desculpe se estou sendo amarga mas, sua pergunta, também, nos leva a isto. Claro que existe um pouco de esperança em nós, senão seria o fim mas, o mundo está cada dia mais cinza.
Voce não tem escrito, será que não é reflexo deste sentimento? Continue mas, por favor, escreva algo que nos dê esperança!

Anônimo disse...

NADA. Melhor, um rebanho à mercê da midia e sem vontade própria. Presos aos modismos, principalmete no que se refere aos relacionamentos. Um horror!
No texto, Clarice nos mostra isto com muita melancolia.

Penha Castro disse...

Só Clarice para falar do nosso fracasso e incapacidade de evoluir com tamanha sensibilidade e de forma tão bonita. Melhor não responder sua pergunta agora, embora, seja melhor guardá-la na memória como referência

RICARDO disse...

QUE VOCE TENHA UM ANO DE 2012 DE MUITA LUCIDEZ E CORAGEM PARA CONTINUAR ESTE BLOG, SEMPRE INCITANTO A REFLEXÃO QUE NOOS LEVE À MUDANÇAS.
COMEÇANDO COM ESTA PERGUNTA QUE CLARICE LISPECTOR FEZ PARA QUEM A LEU, E VOCE NOS REPASSA PARA QUE COMECEMOS O ANO E TENHAMOS A CHANCE DE RECMEÇAR NOSSAS PRÓPRIAS VIDAS, ACOMPANHADOS DA VERDADE.

Rose disse...

Tudo que todo mundo faz, sem auto critica, sem pensar nos outros, sem pensar que a vida é uma so, sem pensar que podemos morrer ou perder quem amamos a qualquer hora, sem pensar que um louco pode explodir o mundo. Não somos a metade do podeíamos ser mas temos o dobro do que precisamos. Cada dia que passa, que leio jornais, vejo televisão, converso com pessoas, vejo o quanto estamos longe de sermos humanos e admiro a pureza dos animais. Desculpe, mas é o que sinto.