quarta-feira, 30 de maio de 2012

O QUE SINTO QUANDO NÃO SINTO?


A maioria dos seres vivos que habitam o planeta é dotada de sentimentos. Por eles sentem aversão, quando dolorosos, como deixam que os seduzam quando lhes provocam prazer, felicidade e paz. O homem dotado de raciocínio e percepção pode captar padrões energéticos e outras subjetividades do ambiente em que vive, assim como outros animais possuem sentidos como faro, audição aguçada, capacidade e enxergar no escuro, sentir a presença iminente do predador, entre outras “armas” que lhe garantem a sobrevivência. Esta capacidade sinaliza, além de integridade física, sensibilidade.

Entretanto, por circunstâncias várias, pode o homem experimentar uma espécie de “analgesia”, sob forma de indiferença e desapego a qualquer manifestação que sugira instinto vital, não importando a força que tenham as inúmeras demandas externas. Crônica ou passageira, de causa conhecida ou escondida nos meandros da complexidade fisiológica e emocional, é uma situação bastante desconfortável.

Enquanto outros animais precisam de estímulo para demonstrar atitude proativa ou reativa diante de algo, os humanos, em que pese à constatação da Psicologia de que a motivação é intrínseca, como seres racionais dão peso, valor e reagem diante de estímulos, negativos ou positivos, numa convivência pacífica entre o que ocorre internamente e os fatores externos que os propiciam.

Portanto, sentir é a situação “normal” e “saudável” para todos os seres dotados desta capacidade.

Daí minha pergunta: o que sente os que não sentem? Nunca a fiz a ninguém, mas faço-a a mim porque, ainda que às vezes nada sinta, quando acontece, algo invade minha capacidade inata de sentir: o esvaziamento incomoda. Por maior que seja o vácuo onde flutuo, a sensação é de estranhamento e o não sentir torna-se mais doloroso quando sentimentos confusos e contraditórios me invadem de forma feroz e desordenada, fazendo-me sentir quase viva e quase morta: estranha contradição.

Imagino que seja uma patologia este alheamento e falta de identificação com a realidade. Os homens são seres interativos. Ao distanciar-nos dos mecanismos que nos capacitam viver em sociedade, ensimesmando-nos e criando um mundo impenetrável e pessoal onde nos escondemos e criamos “realidades” nas quais acreditamos, tornamo-nos reféns, pela impossibilidade de compreendê-las e desconstruí-las.

Confesso que muitas vezes acho este mundo por mim “criado”, povoado de “fantasmas” e recheado de fatos que me apaziguam por me distanciarem do “real” que me incomoda, é perversamente perigoso. Atravessar seu portal não garante o retorno. Tenho medo. Olho de fora como quem vê uma porta envidraçada e teme girar a chave.

Escrevendo este texto, acho que o que sente os que não sentem é medo, muito medo. Porque, para todo mundo, o limiar entre a loucura e a sanidade é tênue. Assim como o “normal” depende do ponto de vista de quem analisa qualquer comportamento ou situação.

Sem o “sentir” perdemos o amálgama que nos liga ao Todo. Esta totalidade deve ser a eterna busca humana, pois se deixarmos escapar uma das partes que a forma, podemos nos afastar, inexoravlemente, de um importante elo da vida. Sendo assim, é inevitável integrarmos um inquieto grupo de nômades, caminhando na aridez do deserto, em que pode se transformar a vida, em busca de algo que nem conseguimos identificar o que seja

ALICE ROSSINI

9 comentários:

Anônimo disse...

Muitas vezes me sinto assim e penso que estou ficando louca ou com deperssão. Agora, pelo menos, não só eu passo por isto. Desculpe mas, voce me aliviou

Penha disse...

Alice, o que voce sente é um mal que assola a humanidade. Os psicólogos e psiquiatras que o digam. O grande problema é quando isto se torna crônico e o indivíduo perde contato com a realidade. Embora exista tratamento terapêutico e medicação apropriada, acho que é uma viagem sem retorno. Portanto, é melhor não "girar a chave"
p.s. Pensei que tinha desistido de escrever

Rose disse...

De vez em quando a gente fica achando tudo sem graça, não sentimos vontade de nada, achamos que não gostamos de ninguém nem ninguém da gente. É uma sensação horrível que voce acha, será eterna. Mas a vida tem sua sabedoria e nos surpreende com fatos que nos devolve tudo que achamos que perdemos. Mas conheço muita gente que experimenta esta sensação mais frequetemente que se imagina.Daí as depressões, tão comuns nos dias de hoje.
Seu texto abordou este assunto de forma muito bem fundamentada e responsável.

Seu pai disse...

Oi, filha:Sinto-me encantado com seu artigo. Nota mil. Pena que não alcance o mundo inteiro.

Sonia disse...

Também passo por estas fases que voce chama de "analgesia" e me sinto muito mal. Ninguém entende, ficam me achando uma pessoa esquisita assim como tb acho o mundo esquisito e sem sentido. Mas passa e volto ao normal. Ja consultei minha ginecologista, poderia ser TPM. Ela mandou que observasse os periodos, se coincidiam. Sei que o que voce fala é outra coisa. É uma insatisfação que não sabemos de onde vem nem pra onde vai e porque acaba. Me identifiquei muito com seu texto e, de certa forma, me senti muito aliviada

Cecília disse...

Que bom ver que neste mundo de superficialidades existe alguem que tem conscìência de si. Fico feliz mesmo. Em que pese o preço que se paga para ser inteiro e profundo, ainda assim, qualquer coisa é melhor que deixar a vida passar em branco.
Muito bom!

AMANDA disse...

Admiro sua capacidade de falar de uma algo tão indefinível que é o não sentir. Tratou um assunto tão subjetivo com uma objetividade desconcertante. Gostei, porque agora posso identificar os momentos que, acho, todos passam mas, não identificam. Por isto devem sofrer mais

RICARDO disse...

QUE BOM QUE VOLTOU, QUERIDA! ESTAVA SENTINDO FALTA DAS SUAS INUSITADAS REFLEXÕES.

Izabel disse...

Irmã,
Cada texto você surpreende os seus leitores com temas inusitados, polêmicos e que muitas vezes sentimos, mas não temos instrumentos verbais para expressá-los.

A humanidade hoje sobre de um mal que a ciência vem tentando desvendar e que é o grande responsável pelas somatizações a ALEXITIMIA.

Adorei!
Beijos,
Bel