sábado, 5 de novembro de 2011

Às vezes, penso

Às vezes, penso que não sou desse país.
Mas que nação seria a minha portanto? Lugar tão utópico logo viraria terra prometida, privatizada, comercializada.
Não, penso que não sou desse planeta.

E neste vasto universo, há de haver um planeta onde me sinta em casa. Há de existir um lugar onde o meu corpo possa ser mero guardador de um espírito infinito e não artigo de compra.

Às vezes, penso que não sou desse plano.
Sou um fragmento ambulante de uma dimensão além do que vejo. Um fragmento mínimo se comparado ao todo, mas, ainda assim, complexo demais para este mundo concreto. E, trancafiado por azar numa casca metamórfica que me mandam prezar mais do que tudo, respiro, me alimento, durmo. Me dizem que respirar é sinônimo de viver. Me falam que só de pé ficarei se comer. Me falam que dormir é um atraso.

Às vezes, penso no tanto de coisas que me vêm à cabeça quando durmo.
Será que outros também perdem toda essa festa interior? Ou será que realmente ficam agendando a hora de acordar para voltar à labuta?
Ando pelas ruas. Tudo é matéria.
Oca.
Auto-interpretativa.
Rasa.
Inerte.
Contada com tão poucas cores.
Conformada com tamanha simplicidade.

Habitada por seres auto-intitulados da forma como preferirem. E por um simples motivo: têm um idioma próprio. Podem dizer que são a espécie dominante e se gabar de que nenhuma outra contestou a condecoração, mas que formiga contestaria algo dito num linguajar que desconhecem? E se rinocerontes e lesmas também se vangloriassem como donos do planeta? Algum humano já parou para pensar no que elas dizem entre si?

Às vezes penso em como podem ser tão cegos.
Às vezes penso que não têm nada mais para ver.
Todos andam. Todos falam. Todos vivem
Mas nenhum deles vai a lugar nenhum além do que seus despertadores ordenam.
Ninguém diz nada que já não tenham dito antes.
Mas nenhum se preocupa em deixar uma marca no mundo que não seja a herança para os filhos.

Seria eu um Deus? O único capaz de ver além do visto, de ouvir além do dito e de sentir além do mundo.
Ou seria eu um louco? Como tantos outros que se perderam nesse mundo como eu.
Seria a massa assim tão cruel? Capaz de tamanho desperdício?
Às vezes penso que não sou desse grupo.
Ando com tortos, mudos e ocos. Cuja casca é conteúdo e embalagem. Todos iguais, feitos em série. As diferenças entre eles são o que chamam defeitos de fabricação.
Então seria eu um defeituoso? Que merece a lixeira por não andar em fila? Engaiolado no receptáculo que me limita? Corpo modelado, mente obrigatoriamente focada no que me dá lucro. Sentado em uma cadeira de uma fábrica de fazer humanos. Olhos no retângulo branco repleto de símbolos em preto ou azul. Copie rápido antes que apaguem!

Espero a hora de ser pego pelo controle de qualidade.
A multidão é meu refúgio. E meu nojo.
Às vezes penso que meu destino é sofrer.
Amo de tal forma que é pedir demais uma reciprocidade à altura. Tenho dó dos que amam pouco e, por isso, não têm nada, mas sofro mais por quem ama tanto que não há quem compreenda tão lindo gesto.

Às vezes penso que meus sentimentos me traem.
Num mundo onde estes são vendidos, descartáveis e ocos, é duro ser leal aos que artesono. Como enfrento aqueles que jogam sentimentos no ventilador? Como enfrentar aqueles que não são capazes de sentir, se um mero desequilibrio emocional me é uma desgraça? Sou um soldado nu perto de um exército de armadurados. Mas disso brota o meu orgulho.

Orgulho de receber no peito a dor de uma paixão fracassada, de uma lição amargurada, de uma verdade mal contada. Por mais sofrida e pungente que seja.
Por mais nojento que seja aqui viver.
Por mais distoante que me seja suportar.
É essa dor que me mostra o quão sortudo sou.
Por ser capaz de alcançar um outro plano.
Por ser capaz de pôr no papel mais do que a hipocrisia de uma redação.

Rafael Neves, 17 anos