sexta-feira, 13 de março de 2015

O PT não é o inimigo. E o impeachment não é a solução - muito pelo contrário.


O PT não é o inimigo. E o impeachment não é a solução - muito pelo contrário.

O que farei aqui é uma análise da atual conjuntura política brasileira, sem perder de vista o contexto macroeconômico global. A partir daí, apontarei o inimigo do desenvolvimento e bem-estar do povo brasileiro, bem como a tática para superá-lo. Antes de começarmos essa análise, pedirei que as leitoras e os leitores estejam com dois princípios teóricos na ponta da língua. Cada um deles, por sua vez, exigirá abandonar um princípio hegemônico correspondente.

Primeiramente, vamos analisar as decisões, manobras, atores e atrizes políticas não apenas pela escala de competência. Em vez disso, vamos introduzir como central o interesse político. Por exemplo, em saúde, não há uma competência neutra e técnica que permita a um governo melhorar a saúde. O que existem são projetos diferentes de saúde, como o projeto privatista de saúde (focado em hospitais centralizados, privados e tomados pela lógica curativa da saúde) e o projeto da Reforma Sanitária Brasileira (saúde 100% estatal, organizado em rede de serviços descentralizados, focados na lógica preventiva e equitativa). A maneira como a saúde concretamente se expressa na sociedade é resultado do embate entre esses diferentes projetos. Se as forças privatizadoras estiverem maiores, a saúde caminhará para o lado privado - e vice-versa. Analisar os interesses políticos em vez da competência neutra exige, por sua vez, que pensemos em papéis sociais, que nos levam às classes sociais. Isso mesmo, vamos voltar falar de trabalhadores e burgueses.

O outro princípio é justamente essa compreensão do resultado (a aprovaçao de uma lei, a reduçao de alguma taxa, etc.) como fruto de uma correlação de forças. Ou seja, o preço de algo não sobe ou cai apenas porque uma pessoa quis ou porque não foi capaz de manter o preço original, mas porque a disputa de forças, atores e projetos políticos teve essa síntese. Isso pode nos levar, obviamente, a incluir na análise elementos além da conjuntura direta, como elementos estrangeiros, elementos históricos e elementos ideológicos. O governo não é, portanto, uma estrutura unificada e homogênea, mas, sobretudo nessa última decada, é uma estrutura de coalisão entre diferentes classes sociais. Os passos do governo são reflexos da força ou da fraqueza de cada uma dessas classes.

Estamos bem até aqui? Pois bem, então vamos à análise cuja síntese é: o Partido dos Trabalhadores não representa o inimigo do povo brasileiro. Portanto, tirá-lo do poder não é uma tática política que fará bem à população. O real inimigo do nosso povo é tão histórico quanto seus problemas: a exploração capitalista.

Voltemos agora ao início do desenvolvimento de um país aqui no Brasil. O objetivo por trás de delimitar as terras americanas que compreenderiam o Brasil (território) e em construir entre todas as tribos indígenas, invasores europeus e africanos sequestrados um único povo (nação) foi apenas um: exportação. Ouro, açucar, Pau Brasil, café, ferro, soja, borracha, a produção brasileira de 1500 a 2015 tem como destino os mercados estrangeiros. 

Mas lucramos com a venda dessa matéria-prima, não? 
Bom, num primeiro momento lucramos, mas depois precisamos comprar as máquinas feitas com o nosso ferro, as carnes alimentadas com os nossos grãos e por ai vai. E, como sabemos, os produtos industrializados são mais caros do que sua matéria-prima. Ou seja, desde o início, o papel do Brasil foi apenas um grande fornecedor de matérias-primas para países industriais e um grande consumidor de produtos industrializados por esses mesmos países.

Não é difícil chegar à seguinte conclusão: por que não rompemos com essa lógica? Por que não desenvolvemos nossa própria indústria, não assumimos a autonomia por nossas riquezas naturais e não construímos nossa própria nação? E a resposta é que, por todos esses cinco séculos, as forças políticas propícias à espoliação brasileira sempre foram mais fortes do que as forças que lutavam pela soberania nacional. Na verdade, as forças estrangeiras que fazem persistir a exploração de nosso país são tão mais poderosas do que as nacionalistas que se dão ao luxo de competir entre elas mesmas, alternando entre as nações que nos exploram: Portugal, Inglaterra, EUA...

Qualquer tentativa de consolidar aqui um projeto nacional de desenvolvimento foi cruelmente massacrado pelas forças exploradoras, o chamado Imperialismo.  A experiência de Canudos foi massacrada pelo Estado brasileiro, sofremos um golpe militar em 1964 quando as ruas e o presidente falaram em reformas estruturais (agrária, urbana, universitária), a última greve dos petroleiros (1995) foi interrompida com tanques de guerra do exército federal e, mais recentemente, o Partidos dos Trabalhadores é altamente criminalizado pelos veículos de comunicação. E não é o caso de achar que não há nada de irregular no partido, mas de se perguntar por que os veículos de comunicação não noticiam a privataria tucana, o mensalão tucano (travado no STF há 10 anos) ou o recente escândalo do banco HSBC (cujos 20 bilhões de reais envolvidos são dez vezes maiores do que os 2 bilhões do Lava-Jato). Por que a Globo é tão seleta no partido que quer criminalizar? Não nos esqueçamos que a emissora admitiu ter manipulado o debate entre Lula e Collor e confessou ter apoiado a ditadura militar

Em suma, nunca houve um rompimento com essas forças imperialistas. Nunca uma organização política brasileira de desenvolvimento nacional rompeu com a exploração capitalista, como aconteceu em Cuba, por exemplo. Tanto porque, de um lado, essas organizações brasileiras jamais tiveram força para isso, quanto, do outro lado, as forças imperialistas contaram com maior força política para se assegurarem (exército, mídia, propriedade privada) e souberam utilizar táticas mais eficientes. Uma dessas táticas, por exemplo, é se adiantar às forças nacionais. Por exemplo, quando as revoltas e levantes de negros e negras no período monárquico foram substituidas pela Princesa Isabel como protagonista da abolição da escravatura. Ou seja, quando há uma chance de forças nacionais avançarem na luta política, as forças imperialistas adiantam a vitória, porém sem entregar o jogo por completo (no caso, abolindo a escravidão sem qualquer reparação ou inclusão social).

Nessa disputa entre forças imperialistas e forças nacionais, o que foi, então, a chegada do PT ao poder? O básico que precisamos entender é que o PT não tomou o poder, ou seja, não é ele quem governa o país

Mas como assim? Não foram Dilma e Lula os presidentes?

Lembra que disse que o governo é expressão da luta de classes num país? Tanto em 2002, quando Lula foi eleito, quanto em 2014, quando Dilma foi reeleita, a classe trabalhadora não estava organizada ao ponto de ter força para vencer as forças imperialistas. Se assim fosse, a retalação imperialista teria sido muito maior. Por exemplo, poderíamos ter sofrido um novo golpe militar. Se os EUA articularam o golpe de 1964 (acredito que ninguém tenha mais dúvidas disso) quando Jango anunciou a Reforma Agrária, por que não reagiu de maneira semelhante quando Lula, membro do Partido que nasce no mesmo período de lutas que o MST, chega à presidência? É lógico que Lula representava uma ameaça muito menor aos imperialistas!

Mas então como Lula e Dilma venceram as eleições se a classe trabalhadora não tinha força para tal?

Porque, além de o governo ser uma composição de forças, uma coligação também é. No caso de Lula e Dilma, suas campanhas não eram exclusivas do PT, elas contavam também com representantes da burguesia, que garantem até hoje que o governo não rompa com a exploração estrangeira. Essa aliança com a burguesia nos ajuda a entender o porque de os EUA não terem reagido a Lula da mesma maneira que reagiu a Jango - e, é claro, o fato de esse último estar no periodo de Guerra Fria.

Então, se o PT chegou ao poder com ajuda da burguesia, não adianta nada para a classe trabalhadora?

Isso, obviamente, diminui a capacidade de disputa da classe trabalhadora no governo. Afinal, aquele Lula que dirigia as greves dos metalúrgicos e aquela Dilma que lutou contra a ditadura militar passam a ter que negociar com os empresários dos planos de saúde, do agronegócio e dos grandes bancos por uma "migalha". Essa "migalha", por exemplo, é o Bolsa Família, que utiliza apenas 0,45% do PIB, enquanto que 47% continua sendo usado para pagar a dívida externa. Isso mesmo, enquanto a gente acha que o mensalão causou problemas no orçamento do país, precisamos conviver com uma dívida inacabável, imoral e irregular que consome metade do dinheiro do país (20 mensalões por dia, aproximadamente). É quase como se metade do nosso trabalho fosse pra doar dinheiro para meia dúzia de ricos, que detêm essas dívidas.


Apesar de serem "migalhas", é indubitável o resultado positivo do Bolsa Família, das cotas raciais, do Água para Todos, Luz para Todos, Brasil Sorridente e outras políticas públicas vistas durante os períodos em que o PT encabeçou a presidência. Obviamente, essas políticas só podem existir desde que não atrapalhem o enriquecimento das forças imperialistas, ou seja, só vai melhorar o SUS enquanto isso não atrapalhar as clínicas privadas.

O problema, no entanto, é que a conjuntura atual é de Crise Econômica mundial, estrutural e rasteira. Essa crise felizmente foi adiada no Brasil por termos diversificado os parceiros econômicos (passamos a comercializar mais com países ainda não atingidos pela crise, como China, e menos com países já atingidos pela crise, como EUA e Europa). No entanto, a crise chegou na China, chegou nos BRICS e, portanto, chegou aqui. A economia está arrefecendo, e não sejamos ingênuos de achar que Dilma quer que isso aconteça. Ninguém quer.

Ou seja, com a economia diminuindo, algum setor vai ter que ter cortes de gastos, certo? E aí voltamos à velha disputa de classes, que se dá também dentro do governo. Quem vai arcar com a crise é o capital financeiro, que aliás é o causador da crise, ou os trabalhadores? Apesar dos trabalhadores serem maioria e necessários à produção de riquezas, são eles que sofrerão os maiores danos da crise, por justamente (como já falamos) não estarem organizados para fazerem frente ao Imperialismo. Agora dá para entender melhor os cortes nos direitos e benefícios trabalhistas, os problemas com o financiamento do FIES, o corte de 7 bilhões para educação… tudo isso é feito para que as elites, que têm mais força no governo, não precisem “arcar” com a crise.
Não sejamos bestas, pessoal! Não dá para achar que Dilma quer quer as conquistas dos últimos governos do PT sejam jogadas fora! Isso é reflexo de uma crise. Será que não lembramos das manifestações na Europa inteira porque a crise afetou a previdência, a saúde pública e os direitos trabalhistas? Foi a mesma coisa lá, aqui só demorou um pouco mais para chegar. Em tempos de crise, a tolerância do Imperialismo com as “políticas sociais” são muito menores e, seja aqui, na Europa ou nos EUA, são os trabalhadores e as trabalhadoras quem sentem na pele essa crise.
Então, tirar Dilma do poder é a solução? Óbvio que não! Você nem precisa defender o PT para entender que os problemas do Brasil são históricos, que nunca rompemos com os sangue-sugas que nos colonizaram e que, até hoje, ainda ocupamos a posição de economia dependente. Hoje, essa política imperialista não é exatamente a mesma do período colonial. Ela é expressa atualmente pela corrente neoliberal. O neoliberal prevê a desarticulação do Estado com o mercado, permitindo às empresas privadas ocuparem cada poro da vida das pessoas, colocando a lógica no lucro em espaços de garantia da dignidade humana básica, como saúde e educação.
A frente encabeçada pelo PT hoje, chamada de neodesenvolvimentista, não rompe com o neoliberalismo que vivemos brutalmente nos governos de Collor e FHC, mas colocam o desenvolvimento nacional como um dos objetivos do governo. Basta comparar o valor de mercado da Petrobrás e sua produção antes e depois dos governos do PT e perceber que há uma preocupação com o desenvolvimento do país, e esse desenvolvimento depende de empresas estatais! Uma política neoliberal vai totalmente na contra-mão, pois prevê a privatização das empresas. Nos governos FHC, áreas estratégicas da economia e infra-estrutura foram vendidas a preço de banana, como a Light, a Vale do Rio Doce, Embraer, Telebrás, toda a rede de transporte ferroviário, toda a rede de comunicações… tudo foi vendido! Até a Petrobrás teve 40% de suas ações vendidas na década de 90 e chegou a se chamar “Petrobrax”, para facilitar a pronúncia dos gringos. Dá para imaginar estruturar um país se o Estado não tem controle sobre as empresas que fazem o país funcionar? Por isso que, embora a classe trabalhadora e os defensores do desenvolvimento nacional não tenham forças para combater o Imperialismo, ter o PT no poder é melhor do que ter um governo 100% neoliberal.
Agora, vamos tentar formular como tirar o Imperialismo do poder em nosso país. Afinal, como ele se mantem no poder há tanto tempo se, por todos os motivos que expliquei, é o inimigo número um do nosso povo.

Há inúmeras ferramentas de controle do Imperialismo em nosso país, vamos a elas: da maneira como se dá o processo eleitoral nesse país, é impossível que forças políticas nacionais, trabalhadoras e que pensem o desenvolvimento do país estejam no poder. Acredite, dos 600 congressistas e senadores, 240 são empresários e 160 são latifundiários. Qual a chance que uma divisão mais justa da terra tem de passar num congresso como esse? Isso se perpetua porque as eleições são disputadas pelo dinheiro. Uma campanha política que não milhões e milhões de reais envolvidos simplesmente não é vitoriosa

Isso permite, como já dito, que representantes dos planos de saúde, por exemplo, financiem candidatos. Afinal, o candidato, seja ele honesto ou não, PRECISA de dinheiro para sua campanha - é uma imposição cruel do sistema. Como sabemos, ninguém “doa” milhões de reais assim do nada, né? É lógico que a empresa de plano de saúde faz um “investimento”, na verdade. E que inimigo pior de uma plano de saúde do que um sistema de saúde público que funcione da melhor maneira possível? A primeira coisa que o deputado eleito pelo dinheiro dos planos de saúde fará será impedir os avanços do SUS, obviamente! O resultado disso é que, dos 100% de dinheiro público que vai pra saúde, 55% é para a saúde privada! Isso mesmo, dinheiro público é usado para ajudar clínicas privadas. Mesmo que mudemos de presidente, a estrutura do governo é essa, o congresso é o lar de empresários.
Outro importante recurso usado pelo Impearialismo é, como já dito, a grande mídia. Não sejamos bestas, há um motivo para a Globo fazer um show televisivo com a Operação Lava-Jato ou com o Julgamento do Mensalão e não fazer o mesmo com qualquer coisa semelhante envolvendo um outro partido. Menos de dez famílias dominam a comunicação nesse país, ou seja, é um monopólio cruel. Quando nos fazem achar que a regulação da mídia vai contra a liberdade de expressão, eu lhes pergunto, é possível para um jovem negro da periferia se expressar a nível nacional? Mesmo que ele se esforce, será que é possível falar mais alto do que a Globo com esforço individual? Será que novelas racistas como “Da Cor do Pecado” e “Sexo e Suas Negas” devem ser mais veiculados do que a expressão legítima do povo negro?
Então, a solução é qual afinal?
Relaxem, a solução não termina em “defender o PT”. Antes de escolher se vai defendê-lo ou não, espero que tenha conseguido entender que ele não é o problema. E a única razão para que defendê-lo no governo é de que, no contexto atual, trata-se da proposta menos dominada pela lógica neoliberal. Mas eu disse no início do texto que nossos problemas são maiores do que o PT, maiores do que o PSDB, maiores do que a crise econômica… então, serei justo com vocês e dizer que a solução precisa ser tão histórica quanto, e dar um fim nesse inimigo secular: O Imperialismo.
A tática para tal precisa de muita organização de nós, que queremos o desenvolvimento do país, então romper com o Imperialismo não acontecerá enquanto não despertemos a vontade de lutar contra a exploração capitalista em todo o povo. Até lá, a proposta da Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político é uma tática interessante para conseguir uma Reforma Política (ou seja, mudar a maneira como a política é feita, não apenas o presidente) e acumular forças para nossa libertação nacional.

RAFAEL NEVES