sábado, 26 de dezembro de 2015

NO BALÃO MAGICO COM PEDRO




Convivendo mais um ano com Pedro, aprendi que a inocência permite que refaçamos caminhos que podem ser redentores e libertários, pois, as infinitas possibilidades existentes no mundo em que uma criança cresce e floresce, permitem uma imersão num universo riquíssimo em fantasias e sonhos.

Todas as terças feiras em que nos reencontramos, sei que minha vida se alarga na mesma proporção em que minha afetividade tinge-se de nuances de infinitas cores, principalmente, quando percebo que meu neto é uma criança alegre e feliz. Continua extrovertido, inquieto e a argucia e leveza do seu olhar lhe proporcionam uma precoce e lúdica percepção do mundo em que vive.

Antes de completar um ano e seis meses de vida seu vocabulário já era vasto. A cada contato me surpreende com novas palavras e expressões, que acho ainda não fazer parte do seu vocabulário. O que mais me impressiona é a suposta indiferença com que armazena tudo que ouve e, sem que ninguém espere ou pressinta, utiliza o que sabe no contexto correto.

Numa das vezes em que me despedia, Pedro não tinha completado um ano e meio de vida, esqueci-me de um dos rituais com o qual o habituei, de levar-me até a entrada do prédio onde mora. Anunciada minha partida, ele com todas as letras e uma autoridade “assustadora” disparou: “Calma vovó!”, o que me deixou entre surpresa e deslumbrada com a propriedade da expressão empregada. Outro episódio foi, quando pretendi aplicar o inverso da regra de um jogo que usei para diverti-lo, sem entender a “pegadinha” perguntou-me: “Está doida?!” Ainda surpreendente foi, a forma como resumiu com a palavra "perigo" - todos os possíveis acidentes que poderiam vitimá-lo na cozinha, descritos por mim detalhadamente, para demovê-lo da atração que este espaço sempre exerceu sobre ele. Ainda, quando momentos depois de ouvir-me pronunciar, casualmente, a palavra "exatamente", ao ser por mim perguntado quantos anos tinha, ele não hesitou em responder-me "exatamente um" no lugar do costumeiro "um só" que sempre me encantou, pela fidelidade ao tamanho da sua existência. Sua capacidade de apreender tudo que ouve atropela minhas expectativas, enfeitando nossa relação de surpresas.

Somente quem experimenta contemplar o desenvolvimento de um neto pode perceber os momentos em que “milagres” acontecem, por meio de gestos que guardam reminiscências de um passado que achávamos perdido, quando reencontramos o filho, no filho do filho. Ainda que, em respeitos às individualidades, não devesse procurá-las, elas saltam aos olhos e ao coração, vestidas da certeza de uma continuidade, que somente as descendências permitem.

Pedro possui no seu DNA os "carimbos" materno e paterno, quase na mesma proporção. Quem o conhece sempre o acham parecido tanto com a mãe, quanto com o pai.

Desde bebê sempre possuiu todos os sentidos aguçados. Ouve o telefone que ainda toca um tom abaixo do normal, o som de um jato que voa a milhares de quilômetros da Terra, assim como consegue enxergar minúsculos e quase imperceptíveis objetos a metros de distância. Com um ano e sete meses nomeava tudo que via e ouvia, começando a formular frases com dois a três vocábulos. Já nesta idade, não raro usava os verbos na flexão correta. Com quase um ano e nove meses se comunicava e definia com objetividade seus gostos e vontades. Discriminava as diferenças entre os sons de aviões e helicópteros, assim como as sirenes de ambulâncias e carros de policia. Igual precisão o fazia diferenciar o som da água que todas as tardes Bal, seu amigo jardineiro, faz jorrar da mangueira, enquanto responde aos seus chamados com um largo sorriso. Pedro também sabe o que é apenas um "barulio" e atribuiu a ausência temporária do amigo Bal, à merecidas "féris"!

Quando vou visitá-lo constato que é uma "celebridade", pois, sou conhecida como a avó de Peu, identidade que me deixa muito feliz! Assim como a emoção e o orgulho de ser sua avó conviveram, com os inúmeros sentimentos que moram dentro de mim quando, com exatos um ano e nove meses, junto com a "mamãe querida", desfilou numa promoção do Shopping Salvador, no lançamento da Coleção Infantil Primavera-Verão. Para nossa surpresa, Pedro no segundo desfile coletivo, foi a única criança que entrou dançando! A inesquecível música Balão Mágico, refez a magia de trazer a trilha sonora da infância dos meus filhos na pele macia, nos olhos inocentes e no carisma do meu neto.

Dançou não só por ser desinibido e bem humorado, mas também porque a música sempre o acalma e o diverte - bisneto e sobrinho de músicos. Assim, busquei na minha memória todas as cantigas infantis que sempre lhe inspiram sorrisos, imprimem mais brilho nos seus olhos e evidenciam a determinação de me acompanhar, permitida por sua prodigiosa memória. Com ele redescobri que o “sapo não lava o pé”, que "Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão”, que quando o “cravo brigou com a rosa” e ela “foi visitar, o cravo deu um desmaio e a rosa pôs-se a chorar”. Pedro sabe que, se sua “rua fosse minha eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhante” para ele passar. Quando me beija, ah "que beijinho doce, que ele tem, depois que beijei ele, nunca mais amei ninguém"!

Cantando com Patati e Patatá a trilha sonora que embala nossa relação, minha voz antes desafinada, aos poucos foi “redescobrindo” que dó nunca foi pena de ninguém, embora o ré continue andando para trás, o mi sempre será o pronome que não tem e o fá.. ai que falta que ele me faz! Assim sou ouvida com uma ternura que mal cabe no seu olhar. Premia-me com um sorriso que aos poucos começa a iluminar seu rosto num silêncio respeitoso, como se soubesse que estes momentos são tão fugazes, quanto as estrelas, as formas das nuvens, as fases da lua e os pássaros que sempre busca no céu. "Vovó, vem cantar pra mim"! Sua voz me convoca para uma das tarefas mais doces que as avós cumprem como ninguém!

Quando começamos a usar nossas terças feiras para passearmos além do prédio onde mora, Pedro descobriu o kit multimídia que alegra meu carro e ficou hipnotizado com os muitos gêneros musicais que ele contém. Acompanhou, com atenção, tanto músicas clássicas, quanto músicas flamencas num movimento onomatopeico com a própria lingua, no mesmo ritmo das castanholas. Esta façanha o fez deixar de irradiar a vida que sempre registra através do vidro do carro, sentado na cadeira vermelha que chama de "minha cadeira", que um dia, ao perceber minha dificuldade de abrir o cinto de segurança, me orientou: "Vovó, forte e pra baixo!"... Pedro estava certo!

Meu neto enxerga o mundo em todas as suas dimensões, assim como sabe diferir o quente do frio, a chuva do “chuvico”, a luz da escuridão, pássaros de "urubu" e todos os tipos de meios de transporte. Inclusive, que a Topic do SEDEX entrega pacotes e a outra é de "ecola". Na casa da bisa Lucia não titubeou em pedir-lhe uma vassoura quando constatou os "dedinhos chujos" de poeira. Vinte dias mais tarde, ao retornar, pediu a vassoura, desta vez em tom jocoso, divertindo-se com a própria memoria. Voltando para casa, Pedro enquanto ouve música, olha através da janela e enxerga com alegria e encantamento que um dos muitos caminhos que percorremos juntos, tem "gramas", “arviris" e "eucaliptos", arbusto que lhe fora apresentado por vovô Fernando.

Todos os argumentos "convincentes" ele usa para convocar o avô para o passeio, inclusive, o de "catar as folhinhas no chão". Enquanto isto, vovó Eliete prepara "ovinho com farofa" ou "kube" no forno que já é "quibe", preparada as fornadas que compõem seu cardápio semanal.

O segundo 12 de outubro da vida de Pedro não o encontrou com "exatamente" dois anos, mas celebrou esta data dedicada à sua infância recém-inaugurada, de uma forma tão exuberante que meu coração se prostrou agradecido a Nossa Senhora Aparecida que, gentilmente, divide com as crianças as celebrações deste dia. Dançou e subiu no palco com a banda que animava o condomínio onde juntos, comemoramos o dia. Conquistou uma bola colorida das mãos do animador, que mal teve tempo de anunciar qual a tarefa que as crianças deveriam cumprir para fazer jus ao prêmio. Meu neto com ingênua desenvoltura levantou-se e, dirigindo-se ao condutor das brincadeiras, disse que queria a bola. Sem ter como dizer não àqueles olhos inocentes, sucumbiu diante do inusitado pedido de quem, ainda não descobrira que, para ganhar alguma coisa na vida, haveria sempre que dar uma contrapartida: "Como dizer não a um pedido feito desta forma"? Cedeu o homem diante da criança.

Atualizado com sua contemporaneidade, cedo Pedro começou sua intimidade com o IPad, onde estão gravados seus filminhos preferidos, inicialmente, conduzindo com firmeza meu indicador ignorante sobre os espaços onde acessa as moradas dos personagens que enfeitam sua infância, para logo, ele mesmo possuir toda a habilidade motora necessária para fazer suas próprias escolhas. Sempre adorou aconchegar-se em meu colo e escolher, entre as milhares de fotos e vídeos que meu celular armazena, a maioria dele, os musicais que o interessam, me fazendo repeti-los inúmeras vezes. Já discrimina o som do violão, do violino, do saxofone, da flauta e da harpa, aprendidos num livrinho com o som e fotos dos instrumentos com que o presenteei. Comigo forma uma dupla onde ele toca um violão, presente de vovô Fernando e vovó Eliete e eu toco um menos sofisticado mas que, nem por isto, ele confere menos importância. Experimentei enorme emoção quando, no quarto de brinquedos procurava por seu "amigo". Achando que se referia a um dos seus bichinhos de pelúcia, descobri que o "amigo" era o violão! Abraçado ao "amigo" cantava as musiquinhas que sabia e o lá, lá, lá já serve para preencher os espaços entre uma palavra esquecida e outra lembrada.

Tudo em Pedro me encanta e parece milagroso. Ele renova meu olhar, fazendo com que, reações normais em qualquer outra criança, nele julgue surpreendentes e precoces. Esta sensação de encantamento relativiza o tempo e, no espaço que o tempo me presenteia, me flagro com o mesmo sentimento de um amor infinito que sempre senti e sentirei por meus filhos. Sua existência reacendeu a chama de uma religiosidade latente, onde encontro no seu corpo em crescimento, na sua linguagem em evolução, nas surpresas contidas nas suas reações, nas emoções demonstradas diante de pequenas e grandes descobertas, a presença de uma força acima de tudo que, por meio dele, faz com que me sinta parte do Todo.

Minha humilde e amorosa contribuição para mediar o mundo para Pedro, tem dia marcado para que se rotinize, embora me sinta à vontade para visitá-lo na hora em que a saudade aperta. E como aperta! Com minha avó e com as avós dos filhos meus, aprendi que a distância, as ausências e os intervalos levam às urgências e às surpresas, que sempre moram na espera dos próximos encontros com as pessoas que amamos. Assim, reconheço a necessidade de rotinas para seu equilíbrio emocional. Fico feliz que meu neto tenha um lar onde cresce imerso no amor de seus pais, assim como preencho de sonhos e carinhosa expectativa, os caminhos que me levam até ele.

A incipiente percepção do seu universo em expansão, não impede que nele transite com inocente autonomia, senso de humor e enorme curiosidade, que prometem otimismo e segurança diante da vida e hoje o incitam a querer segurar o vento ou o "arco irilis" que invadem sua casa. Pessoalmente já vivi a mesma experiência, e hoje compartilho o encantamento com meu neto. Quando não consegue sozinho tirar suas próprias conclusões, Pedro já começa a dar voz às suas interrogações, perguntando "o que é isso?" ou às suas surpresas, "olha vovó, um passarinho no chão!", recente descoberta de que asas são sustentadas por dois frágeis pezinhos. Suas idas à praça perto da sua casa fazem com que interaja, com pessoas de todas as idades, animais de tamanhos variados e inúmeras espécies. Seus olhos prospectam tudo que lhe parece estranho e, até então desconhecido.

Meu neto não precisa saber que minhas interrogações dançam coreografias de esperanças, medos e inúteis preocupações quanto ao seu futuro. No tempo certo, antes que imagino, Pedro vai descobrir que sua condição humana lhe faz sonhar e que sonhos são alados e infinitos. Enquanto isto, parafraseando minha mãe, mais uma vez descobrirei que "amor não é redoma".

Desejo, ardentemente, que os momentos que passamos juntos e os que ainda estão por vir repousem vivos nas prateleiras da ternura e da amorosidade que formarão o edifício da sua estrutura emocional, e que leve durante toda sua vida. Fã de Raul Seixas, Pedro canta: "Eu vou ficaaaá, ficá com certeza, maluco beleza". Que esta frase seja um mantra e inspire sua existência, fazendo com que nunca perca de vista a criança que ele é e, certamente, será por muito tempo.

Dele só quero amor. De mim só terá amor e todos os desdobramentos que este sentimento permite. Que de todos que chama de avó guarde sempre a ternura que um dia nos presenteou com a expressão "duas avózes!" registrando vovó Eliete e eu contemplando-o enquanto passeava na praça, sob a elegante sombra dos eucaliptos.

Pedro inocentemente dizia que “só tenho um ano”. Hoje, já sabe que tem "exatamente" dois. E com apenas dois anos Pedro faz o que quer do meu coração. Por esta razão, peço licença ao poeta para terminar meu relato de mais um ano convivendo com meu neto, com os versos que, no momento, mais se aproximam dos meus sentimentos:

"meu alegre coração é triste como um camelo,
é frágil como um brinquedo,
é forte como um leão.
é todo zelo, é todo amor, é desmantelo, é querubim,
é Jesus Cristo,
é Lampião..."

(Geraldo Azevedo)

Vovó Alice