sábado, 10 de setembro de 2011

AMADURECIMENTO

É invisível, porém doloroso, o penetrar da flecha. Mas pior ainda se faz a tentativa abrupta de retirar a flecha há tanto tempo em mim alojada. O puxão fora forte, levara consigo a flecha irmã, mas não o bastante para retirar a minha. Sozinha eu meu peito e incapaz de respirar sem a existência mútua de sua gêmea, só lhe resta o apodrecimento. Fenômeno que iguala até mesmo a mais impecável das princesas a um indigente qualquer. Da mesma forma que doces finos entram pela boca para se verem fétidos numa latrina suja.

Mas a decomposição não degenera a flecha, antes tão viva, sozinha. Esta atrai outros males para terminar o sujo serviço, que vão se espalhando pelo corpo e deteriorando o que sobrou de meu espírito. O que antes fora uma paixão louca e inconseqüente, fulminante e despretensiosa, é reduzida a um resquício de dignidade engolido pela mágoa. Soterrado pela vontade de que tudo não passe de um sonho, entregue ao desejo de que a ilusão não caia em desilusão.

O punho soca o chão, segurando entre os dedos o pingente que guarda tantas recordações. A pele se desprende do corpo habitado por uma alma em desequilibro. Cada pancada de arrependimento no solo duro reverbera sobre receptáculo de um coração despedaçado. Embora a vontade seja de destruir o tal pingente, os dedos estão fechados. O impacto é absorvido pela pele, que já fora prova viva de uma alma harmônica, mas que agora desaba sobre si própria a cada soco.
Transpassada pelas agulhas do sofrimento, a alma se encolhe. Procura entre os cantos do ser um refúgio, mal sabendo que encontra-se em um espaço circular. Não há para onde fugir, não há lugar que consiga esconder um espírito de tamanha extravagância. Só lhe resta a dor de cada corte, de cada perfurada, de cada ferida exposta ao mundo.
Humilhada. Sem nada que lhe dê o mínimo de esperança de um solavanco. Negada a qualquer mínima crença numa nova oportunidade. Lançada em um ciclo vicioso de dor e auto-tortura.

Lágrimas escorrem desgovernadas pelo rosto. Encharcando a cara, fazendo tropeçarem soluços, diluindo tudo de bom que a vida um dia ofertou num solvente capaz de corroer as mais finas alegrias. Em contrapartida, o fluído realça a dor, engrandece as mágoas e rejuvenesce antigos traumas. Faz arder como chama viva tudo o que um dia foi chamado de passado.

Lavada interminantemente por sucessivos prantos, uma nova retina se forma. Treinada para abstrair o menor sinal de alegria. Preparada para filtrar qualquer indício de hipocrisia, adestrada para ver nos outros interesses efêmeros. Incapaz de distinguir qualquer outra cor do cinza. Adaptada para um mundo de um sofrimento agourento que o destino prepara para o meu pobre ser.

Só me resta aquele pranto interminável e impensado, violento demais para ser freado e cego demais para não atropelar qualquer sentimento antagônico que ouse florescer. Um rolo compressor que reduz a fragmentos bidimensionais um sentimento que, se tivesse oportunidade de se desenvolver, seria impossível de se mensurar por medições tão lineares quanto as humanas. E de igual complexidade é seu executor.

Óh, como é duro o amadurecimento.


RAFAEL NEVES = Estudante 17 anos

8 comentários:

Gloria disse...

Querido Rafa. Mais uma vez, atraves
deste blogue tenho a oportunidade de dizer o quanto lhe admiro. Voce e genial. Continue sempre expressando o que lhe vai na alma.
Um grande beijo da sua fã numero um.
Ainda hei de ler um livro escrito por voce.
Gloria

Alice Rossini disse...

Rafa, mais uma vez vou lhe dizer que voce tem toda razão, crescer doi.

Com o tempo voce aprenderá a se defender e saberá que, tanto a alegria quanto o sofrimento fazem parte do existir e a diferença entre um e outro é que define a felicidade de cada um.

Mais uma vez voce conseguiu me surpreender. Precisei ler seu texto várias vezes para absorvê-lo como concebido por voce. Sua clarividência precoce é um tormento. Procure administrá-la a seu favor.

Está sendo muito gratificante para mim acompanhar sua trajetória existencial.

Obrigada pela entrega.

Beijos carinhosos

Penha Castro disse...

Rafael,

Este seu texto foi um alerta para quem o leu.Os rituais do crescimento são dolorosos. Que voce passe por esta nuvem negra do choque de realidade inerente ao amadurecer, e consiga ver as coisas de forma leve e mais colorida. Porque, na sua pouca idade, voce voce, consegue ver a vida como ela realmente é

Aparecida Matos disse...

É assim mesmo, Rafael, ao nascer voce chora, na adolescência voce não faz outra coisa e por motivos mais que banais, como voce queria que o madurecimento fosse indolor. E está apenas começando...!(risos). Trate sua cabecinha, resolva suas pendências para, quando a vida se apresentar com toda sua realidade voce tenha estrutura para manter-se equilibrado.
Muito bom seu texto, fiquei impressionadíssima

SONIA disse...

Que texto pesado. Escrito por um jovem de 17 anos, denota uma precocidade que precisa ser trabalhada. Pode ser um gênio da literatura em formação que não tenha nada que tire dele esta lucidez estonteante.
Parabéns garoto! Prepare-se para sofrer por enxergar demais ou desça ao mundo dos simples mortais e procure driblar as armadilhas da vida. Aconselho voce a pagar o preço de ter aguçada a capacidade de conhecer-se e ver o mundo do jeito que é. Nunca do jeito que a gente quer.

RICARDO disse...

RAPAZ,FUI LENDO O TEXTO E COMECEI A FICAR IMPRESSIONADO COM O PESO DELE.CONFESSO QUE FIQUEI CHOCADO ACHANDO QUE ERA DA ALICE OU DE OUTRA PESSOA. QUANDO VI QUE O AUTOR ERA UM GAROTO DE 17 ANOS, CONFESSO QUE FIQUEI ALIVIADO E ENCANTADO. ALIVIADO POR SABER QUE VOCE TERÁ TODA SUA VIDA PARA VER O MUNDO DE FORMA DIFERENTE.ENCANTADO, POR SABER QUE EXISTE UM MENINO DE 17 ANOS QUE PENSA COMO UM HOMEM DE 4O.
VOCE SERA UM GRANDE ESCRITOR, SE QUISER. SE NÃO QUISER TAMBÉM CONTINUARÁ ESCREVENDO MUITO BEM.
PARABÉNS!

AMANDA disse...

Rafael,acho que voce deve estar num dos momentos mais importantes da sua vida, talvez bom, talvez ruim mas, com certeza, decisivo para seu futuro.Viva com toda a intensidade que o momento parece exigir, pois acho que so vivendo é que se aprende.
Excelente texto, parabéns

ZEUS disse...

Nossa, que "porrada"! Mas o texto é verdadeiro e a gente sente que saiu do fundo do coração depois e um longo processo. É cara, a vida não é fácil, nao!
Parabéns! Fiquei impressionado!