sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

UM ANO COM ELE
Sempre foi um sonho. Sabia que muitas etapas teriam que ser cumpridas para que se tornasse realidade; formaturas, noivados, casamentos. Vieram, então as aposentadorias e uma casa quase vazia. Um “script” conhecido e nada original.  Um cenário perfeito onde, somente o frescor de uma criança poderia tornar mais alegre e cheia de nuances as cores da minha vida.
Há um ano, aos vinte e sete dias do mês de dezembro, nascia Pedro, meu neto, meu sonho. Acho que já escrevi neste BLOG, que os sentimentos que invadiram meu coração eram imensos e profundos, mas leves. Como energia limpa, livre das impurezas da existência. Não me dava conta que era protagonista de apenas um capítulo da natureza que se cumpria. Sentia-me imersa num milagre que só merece quem tem méritos nesta ou em outras existências.
Sobre o olhar amoroso de toda a família e para mim, especialmente, Pedro foi crescendo, crescendo e, com apenas um ano de vida, já cravou raízes profundas no meu coração. É como a maioria das crianças, inquieta. Dona de um carisma incontestável, não tem uma pessoa que lhe estenda os braços que ele não aceite o colo. É risonho e chora pouco. A curiosidade é uma das suas mais marcantes características. Ouve tudo e observa todos os detalhes ao seu redor, no chão, nos brinquedos, nas pessoas, até onde seus olhos alcançam. Tem o hábito de encarar as pessoas. Olha-as, demoradamente,  nos  olhos. Quando os meus encontram os seus, me perco tentando imaginar as interrogações, as exclamações e os sonhos que moram nos olhos de Pedro. 
 A terça feira me veste de criança, me despe de cremes, hidratantes e perfumes e, com meu neto, reaprendo a brincar. No quarto onde o tatame colorido alegra o cenário, no qual, juntos nos divertimos, já sou intima do seu ursinho bilíngüe, o Ted e sei da sua predileção por um antigo móbile onde um pássaro chilreia o “Noturno de Choppin”, fazendo-o sorrir aquele “sorriso de rosto inteiro”. Sim, porque Pedro sorri com os olhos, bochechas e, por enquanto, com os quatro dentinhos que enfeitam suas gengivas que se preparam, a espera dos outros “companheirinhos.
Sentada no chão, na quina do armário para protegê-lo de acidentes, contemplo com a calma e com a solenidade que o momento requer o desenvolvimento do seu equilíbrio, as modificações da sua fisionomia, o enriquecimento das suas linguagens, as mudanças do seu olhar quando sabe que está fazendo algo proibido ou no seu sorriso, quando sua determinação o faz alcançar algo que lhe parecia impossível. Assalta-me um ingênuo desejo de congelar o tempo, que transmuta os momentos em simples lembranças. Sinto uma saudade antecipada desta fase, onde cada vitória de Pedro, por menor que seja é sempre compartilhada. Ah! Se eu pudesse perpetuar a inocência do meu neto, mantendo-o inocente e longe da maldade dos homens!
Não escapa a minha percepção quando o quarto de brinquedos já o satura e é chegada a hora de Pedro olhar, através da janela, João e Malu, seus amiguinhos, brincando no “playground”ou as luzes dos carros no lusco fusco do entardecer. Ele gosta de ver o mundo, ainda uma montagem incompreensível, mas fascinante que, aos poucos, vai fazendo sentido.
Logo que escurece seus olhinhos não desgrudam da porta da entrada esperando “mamã”, única criatura capaz de devolver-lhe a vivacidade e a energia.
Há um ano Pedro está na minha vida. Logo que seu retrato foi emoldurado pelo porta-retrato que passou a morar no meu criado mudo, todas as manhãs nos olhamos, e dele tiro forças para levantar e enfrentar mais um dia, a estranheza deste planeta que Pedro encara com um irrefutável senso de humor, parte do seu jeitinho de ser e que encanta a todos que o conhecem.

ALICE ROSSINI

quinta-feira, 8 de maio de 2014

FRAGMENTOS DE UMA VIDA

Há 57 anos, em todos os seis de maio havia uma comemoração, o aniversário de Luis Augusto Timbó, Luca, para os íntimos. Ontem, sua esposa sentou-se à beira da cama e cantou “Parabéns pra você!” em sua homenagem.

Esta cena seria a alegre se, nesta repetição de mais de trinta anos em que o casal Luca e Lourdinha estiveram juntos, a cama não estivesse num quarto de Hospital e, em vez do sorriso disfarçado ou alguma observação carregada de um senso de humor peculiar, ela não tivesse percebido sua dificuldade para respirar.

Luiz Augusto era engenheiro e empresário. Dos bons. A competência e o raciocínio lógico foram sua marca registrada. Luca viveu a exata metade do dia seis. Morreu, pontualmente às doze horas.

Toda sua vida foi marcada pelo trabalho ético, honesto e competente, pela intensidade nas relações, pela franqueza rara e desconcertante, pela inquietação, característica natural em mentes brilhantes. Direto no trato com os amigos, os que não se incomodavam com as idiossincrasias do seu estilo, gostavam dele e entendiam que, debaixo daquele olhar perscrutador e uma postura sempre em alerta, morava um ser humano que amava a família, o mar e a aventura.  Os que não gostavam ou não possuíam a sensibilidade de percebê-lo, acho que sua sabedoria dizia-lhe que não se incomodasse, afinal, Luca sabia que ninguém possui a prerrogativa da unanimidade.

Era capaz de surpreender até sua companheira de toda a vida. Entretanto, quando sorria ou quando vociferava contra tudo que achava errado ou fugia ao seu controle, o fazia com uma verdade tão contundente que, para muitos, faltavam argumentos para contradizê-lo.

A criança que morava dentro dele adorava filmes de super heróis.  Admirava o Homem Aranha e “acreditava” na fantasia que o Super Homem nasceu da explosão de uma criptonita.

Infelizmente, Luca morreu exatamente na data que nasceu tal a vontade que tinha de fazer as coisas certas, de não deixar nada inconcluso. Só sentia-se à vontade de percorrer o caminho que achava correto e que não o surpreendesse a ponto de mudar sua rota, desviando-o para atalhos ou estradas alternativas.

Personalidade forte e presença marcante para todos que o conheceram.  Será sempre uma ausência sentida, principalmente para sua esposa, pais, irmãos, filhos, genro, amigos e familiares e a convivência, cruelmente interrompida, com seu primeiro neto, o pequeno Pedro.

Este imenso vazio que deixou em nossos corações, talvez tenha sido a única falha na sua rara capacidade de prever o imprevisível, independente da exatidão da data e da hora que “escolheu” para decretar por concluída sua breve, mas intensa existência.

Doze horas do dia seis de maio será, sempre, para quem o ama o momento da vacuidade, da lacuna e da saudade.

ALICE ROSSINI
        
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O COMETA LUCA

Falar de Luca é difícil e fácil. Difícil porque a tristeza gerada por sua ausência acaba embargando a voz e embaralhando os pensamentos. Fácil porque Luca foi e sempre será um jantar para 400 talheres.         Atitudes  polêmicas, frases marcantes,  amigo e inimigo fiel, pai presente, marido apaixonado, chefe competente, perfeccionista, exigente, entre outras qualidades e defeitos.

Há 57 anos, no dia 6 de maio, nasceu em Salvador. Nasceu, cresceu, formou-se engenheiro, casou-se com o grande amor de sua vida, formou família com dois filhos, tornou-se executivo e, por fim, empresário do ramo de seguros. Empresário muito bem sucedido. Ainda fez, como ultima tarefa, a transferência da empresa para seus dois filhos. Após 57 anos, no mesmo dia 6 de maio, morreu.

Tudo em Luca foi fora dos padrões. Se ele gostava de barco, sua lancha  tinha que ser especial.Se resolvia andar de jeep teria que estar entre os tops. Previa os riscos de sua vida com uma excelência impressionante. Queria, e conseguia, andar sempre dois passos a frente dos outros. Adorava superlativar posições.  Não era homem de média. Por isso mesmo  sempre achei que  a   frase ame-o ou deixe-o bem que poderia ter sido formulada para ele.

Luca tinha uma qualidade que me chamava a atenção. Ele sabia escutar. Sabia tirar proveito de tudo que ouvia. Tinha consciência de que nunca se sabe tudo. Em uma única noite ele navegava entre  atitudes  ranzinzas, radicais, a posturas simpáticas, liberais, humildes, inteligentes e engraçadas.

Por terem personalidades parecidas, gostava de brincar de brigar com Alice, que era carinhosamente tratada por ele como Tia Alice. Pareciam  gato e rato. Viviam as turras. Mas não dispensava um final de semana em nossa companhia. A ultima vez que saímos para o mar, ele providenciou com antecedência, asinhas para segurança de Tia Alice. Era sua maneira de demonstrar carinho.



Durante um bom  tempo usamos as noite de quinta feira para jantarmos juntos. Nossos encontros a quatro eram sempre no Bahia Marina. Ríamos sem parar. Atualizávamos nossos assuntos, comíamos e bebíamos do bom e do melhor. Claro, era sempre uma luta conseguir  com o maitre que a cebola fosse retirada dos temperos de sua escolha. Mesmo assim, quando o prato chegava ele dava uma vasculhada para conferir se sua exigência tinha sido respeitada. E quando encontrava qualquer  indício do tubérculo maldito amuava e desistia de comer. Nada o demovia desta atitude infantil. Já sabíamos. Mas também não permitíamos que o resto da noite fosse azedado pela presença da cebola. Normalmente só saíamos do restaurante com os garçons colocando as cadeiras em cima das mesas. E saíamos sempre as gargalhadas. Ah saudade....Pois é  Luca. Você é uma das saudades que, com certeza, gostaremos de ter.

MARCO ROSSINI



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

EDITORIAL

 
Cinco anos se passaram. Aparentemente, quase tudo continua igual, embora, saibamos que não está, porque impossível. É assim a vida, a cada milésimo de segundo, tudo muda. A transformação é contínua, inexorável.
 
O espaço de tempo onde existimos fez com que muitos de nós ganhássemos experiência, entretanto, a maioria vive em superfícies tranquilas e seguras, e nem sabe o que fazer com ela. Outros aproveitaram a oportunidade, procuraram entendê-la e tornaram-se pessoas melhores. Algumas amarguraram e perderam-se, inclusive, de si mesmas.
 
Conquistamos e perdemos pessoas e coisas. Muitas, apenas, nos visitaram e se foram sem deixar marcas. Felizmente, grande parte delas continua e estão, delicadamente, hospedadas em importantes escaninhos das nossas emoções. Indiferentes, importantes pilares que nos ratificavam ruíram, impedindo que fôssemos o que pretendíamos ser. Mal sabemos como desmoronaram.
 
Ganhar, perder, sorrir, chorar, agradecer. Ignorar o bem que recebemos ou re significar os maus momentos como necessários e importantes testes para nossa capacidade de enfrentar as armadilhas da vida. A sabedoria em reconhecer a legitimidade do ciclo inerente à existência, nascer, crescer, morrer, pois, assim ela está organizada e nada podemos fazer para que aconteça de outra forma. Inverter a ordem natural.
 
Nosso único poder repousa sobre nós mesmos, reciclando nossas infinitas formas de enxergá-la, enquanto tentamos entendê-la. Um dos objetivos pessoais do ser humano poderia ser o de buscar a flexibilidade sem, entretanto, perder princípios. Arigidez pode ser fatal para a evolução, para a simplicidade, para a humildade, para mudanças que melhorariam as relações entre as pessoas, e entre elas e o Planeta.
 
Reitero que este BLOG nasceu motivado por uma grande saudade. Um vazio cheio de motivos, histórias, significados, perguntas sem respostas, conteúdos de paz, melancolia e uma perda que a fé de muitos, nos faz acreditar que um dia reencontraremos quem perdemos. Alguém que possuía as retinas sintonizadas com tudo que a vida tem de bom, nossa inesquecível KILMA.
 
Mais uma vez se faça um singelo registro de uma data que se alimenta tanto pela existência, quanto pela falta. Os cinco anos deste BLOG, cujos motivos e motivações sempre serão associados à vida e à alegria de alguém, que sempre tentava enxergar com simplicidade e amorosa leveza, a complexidade e a importância dos compromissos que justificaram e tornaram exemplar sua breve existência. Porque, além de simples e despretensiosa, sua determinação em privilegiar o exercício do bem, fez com que nunca desistisse de lutar e, jamais, transigir.
 
Entretanto, muitos foram presenteados com pontos de luz, onde puderam depositar o estoque de amor e aceitação que existe em cada um. Ainda foram criadas novas e consistentes possibilidades de momentos felizes, da mesma forma que nossos impulsos destruíram pontes e inviabilizaram caminhos que nos ligavam a verdadeiros afetos.
 
As crianças estão crescendo, outras a violência tem levado cruel e prematuramente, e muitas ainda virão. As árvores, a cada ventania, tiveram suas folhas renovadas, assim como flores brotam a cada primavera. Um lado do planeta esteve mais frio, outro mais quente. A vida manifestando-se independente e ferida mostra seu lado perverso. Com a incompreensão do homem, novas guerras eclodiram, enquanto, outras continuam teimosas e inúteis. Alguns preconceitos foram discutidos, muitos de nós assumimos novos conceitos, outros, entretanto, os recrudesceram. Aconteceram muitas paixões, muitos desamores e outros tantos, ratificados pelo tempo de compreensão e paciência.
 
Enfim, por que não fazer como Clarice Lispector, numa das visitas à própria lucidez?: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
 
Embora, cada momento seja diferente do anterior e o futuro uma incógnita, o que se mantém constante são as saudades e algumas inconstantes razões, para que este BLOG continue a existir.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

PEDRO, MEU NETO


Você não imagina as infinitas formas, por mim sonhadas, de como aconteceria o nosso primeiro encontro. Nem como muda a noção de tempo quando sabemos que, em outro sagrado ventre, está sendo gestado o filho do seu filho. O caminho entre a excitante expectativa do plantio, até a euforia da colheita, passa por uma espera povoada pelo desejo de que o fruto seja suculento, porque o precedeu, o milagre da flor, na qual, foram depositados fragmentos de vida que completam o encanto de tudo que amadurece naturalmente. Nesta árvore o fruto prescinde de seleção, porque gerado sob o signo do amor e da aceitação. A existência só acontece porque nada se fecha. Há vontades, desejos, completude. Mãos que se entrelaçam, cuidam, amparam, recebem, acariciam.
No espaço, onde me aliei ao tempo, construí um calendário virtual no qual, amorosamente, registrei o desenvolvimento do seu corpo material e, nas tentativas de transcendência para planos superiores desejei o aperfeiçoamento do seu corpo sutil e do seu equilibrio emocional. Ouvi o “tum tum” do seu coraçãozinho batendo, quase no mesmo compasso do meu, quando a emoção me pega “de jeito”. Contei seus dedinhos e, embevecida, contemplava suas perninhas em formação, que vão me fazer correr pelas praças da vida, quando sua vitalidade infantil alimentará minha vontade de continuar por aqui. Enquanto isto, me preparo para responder os “porquês”, produzidos pela sua imaginação e curiosidade. Mais tarde, levado pelas descobertas, ultrapassará as misteriosas portas da adolescência, correrei, então, atrás dos seus pensamentos, tantas vezes desordenados e sempre cheios de dúvidas irrespondíveis.

Pois é, Pedro foi nos braços do seu pai que o vi pela primeira vez, igual a quase todas as avós. Entretanto, a emoção que senti foi completamente diferente da que imaginei. Desigual, tanto nas subjetividades, quanto na substância, a qualquer uma que já vivenciei em toda minha vida. Uma sensação inigualável conseguiu emoldurar o quadro, no qual, coberto pelos aparatos cirúrgicos vi as mãos que lhe seguravam com a delicadeza firme de quem tenta reter uma nuvem que, a qualquer momento, poderia evaporar ou como quem carrega uma peça de cristal puríssimo e frágil.

Reconheci no olhar do meu filho um brilho quase infantil, que passeava entre o sonho e a crença, diante de um milagre que se apresentava com a força da realidade. Confesso, meu querido, que meu raciocinio, diante daquele momento indizível, indicava que, enquanto seu pai lhe carregava, você carregava seu pai e os dois sustentavam a leveza do imenso amor que me invadia e que possuía o peso do sentido de toda minha vida.

Naquela sala, que reunia olhares ansiosos, havia outros avós, mas somente um olhar, entre mãe e filho formava uma corrente, não importando quanto fugaz me pareceram aqueles minutos e quão desnecessário o vidro que, ao invés de nos separar, aproximava-nos, dando significados àquele momento. Seus olhos abertos pareciam procurar os detalhes desorganizados naquele pequeno mundo recém - apresentado.

Enquanto isto, já vigilante, eu pensava: “Você é Pedro, nome que significa pedra. Um diamante garimpado ao longo da vida para ser burilado com o esmeril do amor, do comprometimento e da responsabilidade, para possuir luz própria". Brilho que iluminará os caminhos onde outras pedras existirão. Muitas delas servirão de alicerce para sua vida, algumas serão observadas para evitar que lhe impeçam de caminhar, outras continuarão, pois, tropeçando aprenderá a defender-se das próximas. Quanto às mais perigosas, rezarei aos deuses da Sabedoria para que as supere e aos da Bondade, que lhe ajudem a estar atento, separando as que terá que carregar e evitar as que lhe machuquem mais que o necessário, somente o suficiente para que você seja uma pessoa generosa, humilde e serena.

Como, ainda, não sabe como “funcionam” os avós, adianto-lhe a certeza que lhe ajudarei, sempre, a tornar seus caminhos mais amenos. Se este mundo fosse meu, “eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante, só pra ver, só pra ver Pedrinho passar”...

Sabe Pedro, vovó um dia foi neta, a primeira, como você. Breve entenderá o poder desta corrente amorosa que liga as pessoas. Você tem o privilégio de possuir quatro avós, uma bisavó e dois bisavôs. Sua corrente, além de forte, é longa. Minha história foi marcada pelo privilégio de ter uma avó que me aguardava nas férias com uma coleção de bonecas de pano “fabricadas” por ela, e um cesto onde colecionava pequenos retalhos coloridos, para cobri-las de lindos vestidos. À luz de um candeeiro que desenhava sombras nas paredes, minha cabeça sonolenta acomodava-se no aconchego do seu colo, onde todos os dias me ninavam as mesmas histórias, povoadas de fadas, monstros, lobos e outros seres encantados. Tudo pura imaginação, convivendo com momentos que tomavam as formas da verdade. O som do ranger das pesadas rodas de madeira, de carros arrastados por bois, que vendiam leite nas portas centenárias das casas de portas e janelas verdes e paredes brancas de uma cidade que, um dia, o levarei para conhecer.

Lá, sinos convocavam pessoas para a Missa do Galo, jeito mágico, como há muitos anos, celebrávamos o Natal. Estes sons retive-os nas lembranças e, até hoje, me levam àqueles momentos onde aconchego, disciplina e simplicidade formavam a equação que foram sedmentando, nas poucas certezas que ainda tenho, a necessidade e o direito de amar e sentir-se amado.

Ainda neta, fui mãe e devolvi ao seu pai o privilégio “daquela” figura mágica e lúdica, em versões contemporâneas, mas com os mesmos exageros na quantidade e na qualidade de amor adocicado, que só as avós possuem. Vó Ariadne e vó Lucia servirão de inspiração para que consiga enfeitar seu existir de sonho e fantasia. Através de seus exemplos, tentarei ser doce e moderna, esforçando-me, com vovó Eliete, a ensinar sua imaginação a bater asas para além do óbvio, onde o infinito é o limite do vôo, encorajando-lhe à inquietar-se diante dos mistérios da vida, a nunca abrir mão de ser livre e jamais ficar indiferente diante de uma injustiça. Procurarei ser carinhosa na infância, acolhedora na adolescência e testemunha participativa nas circunstâncias que a vida o obrigará a enfrentar.

Hoje, lhe recebendo em minha vida, filho do meu filho, meu neto esperado desde sempre, meu sonho sonhado através de vivências felizes, que me fizeram perceber a importância da harmoniosa convivência entre aqueles retalhos coloridos que o tempo reuniu em reminiscências inesquecíveis, ensinaram-me que certos amores não têm começo nem fim, simplesmente existem.

Por hora, me situo entre a fantasia e a realidade, vivendo esta experiência onde se reaprende a importância dos detalhes, dos cheiros, dos sons. Sinto as sensações de cada minuto que desfila na minha frente, lenta e atentamente, despido daquela pressa “boba” da juventude quando olha para as interrogações do futuro. Este papel é de mãe e pai. À sua mãe, matriz que tornou meu sonho realidade, minha eterna gratidão e o meu mais profundo afeto.

Avós, ao contrário, vivem todas as sérias tolices do presente. Embora falante, meu espírito recolheu-se a um silêncio contemplativo, aprendendo que a vida acontece a cada segundo em que a construímos e que, coração não tem tamanho. Quanto mais vive, mais aprende a amar.

P.S. Este texto só foi totalmente concebido, no dia 27 de janeiro, quando Pedro completou 1 mes de vida.

ALICE ROSSINI