quinta-feira, 8 de maio de 2014

FRAGMENTOS DE UMA VIDA

Há 57 anos, em todos os seis de maio havia uma comemoração, o aniversário de Luis Augusto Timbó, Luca, para os íntimos. Ontem, sua esposa sentou-se à beira da cama e cantou “Parabéns pra você!” em sua homenagem.

Esta cena seria a alegre se, nesta repetição de mais de trinta anos em que o casal Luca e Lourdinha estiveram juntos, a cama não estivesse num quarto de Hospital e, em vez do sorriso disfarçado ou alguma observação carregada de um senso de humor peculiar, ela não tivesse percebido sua dificuldade para respirar.

Luiz Augusto era engenheiro e empresário. Dos bons. A competência e o raciocínio lógico foram sua marca registrada. Luca viveu a exata metade do dia seis. Morreu, pontualmente às doze horas.

Toda sua vida foi marcada pelo trabalho ético, honesto e competente, pela intensidade nas relações, pela franqueza rara e desconcertante, pela inquietação, característica natural em mentes brilhantes. Direto no trato com os amigos, os que não se incomodavam com as idiossincrasias do seu estilo, gostavam dele e entendiam que, debaixo daquele olhar perscrutador e uma postura sempre em alerta, morava um ser humano que amava a família, o mar e a aventura.  Os que não gostavam ou não possuíam a sensibilidade de percebê-lo, acho que sua sabedoria dizia-lhe que não se incomodasse, afinal, Luca sabia que ninguém possui a prerrogativa da unanimidade.

Era capaz de surpreender até sua companheira de toda a vida. Entretanto, quando sorria ou quando vociferava contra tudo que achava errado ou fugia ao seu controle, o fazia com uma verdade tão contundente que, para muitos, faltavam argumentos para contradizê-lo.

A criança que morava dentro dele adorava filmes de super heróis.  Admirava o Homem Aranha e “acreditava” na fantasia que o Super Homem nasceu da explosão de uma criptonita.

Infelizmente, Luca morreu exatamente na data que nasceu tal a vontade que tinha de fazer as coisas certas, de não deixar nada inconcluso. Só sentia-se à vontade de percorrer o caminho que achava correto e que não o surpreendesse a ponto de mudar sua rota, desviando-o para atalhos ou estradas alternativas.

Personalidade forte e presença marcante para todos que o conheceram.  Será sempre uma ausência sentida, principalmente para sua esposa, pais, irmãos, filhos, genro, amigos e familiares e a convivência, cruelmente interrompida, com seu primeiro neto, o pequeno Pedro.

Este imenso vazio que deixou em nossos corações, talvez tenha sido a única falha na sua rara capacidade de prever o imprevisível, independente da exatidão da data e da hora que “escolheu” para decretar por concluída sua breve, mas intensa existência.

Doze horas do dia seis de maio será, sempre, para quem o ama o momento da vacuidade, da lacuna e da saudade.

ALICE ROSSINI
        
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O COMETA LUCA

Falar de Luca é difícil e fácil. Difícil porque a tristeza gerada por sua ausência acaba embargando a voz e embaralhando os pensamentos. Fácil porque Luca foi e sempre será um jantar para 400 talheres.         Atitudes  polêmicas, frases marcantes,  amigo e inimigo fiel, pai presente, marido apaixonado, chefe competente, perfeccionista, exigente, entre outras qualidades e defeitos.

Há 57 anos, no dia 6 de maio, nasceu em Salvador. Nasceu, cresceu, formou-se engenheiro, casou-se com o grande amor de sua vida, formou família com dois filhos, tornou-se executivo e, por fim, empresário do ramo de seguros. Empresário muito bem sucedido. Ainda fez, como ultima tarefa, a transferência da empresa para seus dois filhos. Após 57 anos, no mesmo dia 6 de maio, morreu.

Tudo em Luca foi fora dos padrões. Se ele gostava de barco, sua lancha  tinha que ser especial.Se resolvia andar de jeep teria que estar entre os tops. Previa os riscos de sua vida com uma excelência impressionante. Queria, e conseguia, andar sempre dois passos a frente dos outros. Adorava superlativar posições.  Não era homem de média. Por isso mesmo  sempre achei que  a   frase ame-o ou deixe-o bem que poderia ter sido formulada para ele.

Luca tinha uma qualidade que me chamava a atenção. Ele sabia escutar. Sabia tirar proveito de tudo que ouvia. Tinha consciência de que nunca se sabe tudo. Em uma única noite ele navegava entre  atitudes  ranzinzas, radicais, a posturas simpáticas, liberais, humildes, inteligentes e engraçadas.

Por terem personalidades parecidas, gostava de brincar de brigar com Alice, que era carinhosamente tratada por ele como Tia Alice. Pareciam  gato e rato. Viviam as turras. Mas não dispensava um final de semana em nossa companhia. A ultima vez que saímos para o mar, ele providenciou com antecedência, asinhas para segurança de Tia Alice. Era sua maneira de demonstrar carinho.



Durante um bom  tempo usamos as noite de quinta feira para jantarmos juntos. Nossos encontros a quatro eram sempre no Bahia Marina. Ríamos sem parar. Atualizávamos nossos assuntos, comíamos e bebíamos do bom e do melhor. Claro, era sempre uma luta conseguir  com o maitre que a cebola fosse retirada dos temperos de sua escolha. Mesmo assim, quando o prato chegava ele dava uma vasculhada para conferir se sua exigência tinha sido respeitada. E quando encontrava qualquer  indício do tubérculo maldito amuava e desistia de comer. Nada o demovia desta atitude infantil. Já sabíamos. Mas também não permitíamos que o resto da noite fosse azedado pela presença da cebola. Normalmente só saíamos do restaurante com os garçons colocando as cadeiras em cima das mesas. E saíamos sempre as gargalhadas. Ah saudade....Pois é  Luca. Você é uma das saudades que, com certeza, gostaremos de ter.

MARCO ROSSINI



10 comentários:

Lu disse...

Meus queridos amigos, que linda surpresa esta homenagem feita a Luca, o homem com quem convivi por mais de trinta anos e que vocês descreveram tão bem! Ele sabia transitar e nos levar, como ninguem, entre o ódio e o amor em apenas 5 minutos. Sabia ser insuportavelmente ranzinza, e encantadoramente sedutor. Tudo ao mesmo tempo agora! Quem o conhecia, de verdade, aprendia a gostar dele - também de verdade! E vocês naõ escaparam a essa sedução - nem eu, pois continuo amando-o até hoje...
Obrigada, meus amigos. Homenagem inesquecível, assim como ele. Onde estiver, com certeza está se deliciando com mais esta peripécia: mesmo com cara de poucos amigos, ser verdadeiramente um conquistador de corações.

AMANDA disse...

Alice, senti sua falta na academia e ontem sua presença havia perdido um pouco do brilho, o amigo por quem tanto se preocupava, descansou. Agora que conheço as marcas da sua personalidade, sei o quanto uma pessoa desta faz falta, até porque voce sente pela sua amiga, segundo voce, muito querida, que cedo perdeu o companheiro.
Pela sua descrição e do seu merido ele era, realmente, uma pessoa fascinante, para deleite e para irritação de quem, com ele convivia.
É isto aí, amiga, vida que segue... Um dia, acredito que todos nos encontraremos em alguma dimensão deste infinito Universo

LIZETE disse...


Lindo esses textos o os outros tantos, mas esse nesse momento é mais especial!!!

Bjs aos dois. Saudades!

Liz


Aparecida Matos disse...

Alice,mais uma vida que acaba. Você e seu marido compreendem que tudo é finito, e as reflexões são recheadas de sabedoria.
Não conheci Luis, mas a forma como o descreveram demonstra que não é preciso ser isento de defeitos para ser cativante. O comovente depoimento da esposa ratifica as impressões de voces.
Que o tempo facilite, cada vez mais, a vida dos que o amam.

Jana e Nando disse...

Olá amigos!

Lamentamos muito a morte de Luca, vosso tão grande amigo.

Pelos vossos textos, foi bem especial para vcs. Pedimos a Deus que o tempo possa vos confortar.

Beijinhos

Jana e Nando

Penha Castro disse...


Alice,

Você conseguiu cobrir a morte de poesia. Seu texto foi simples e, como sempre,comprometido afetivamente com as pessoas. Você demonstra quando gosta. Descreveu com emoção e o seu jeito personalíssimo de dizer as coisas, "fragmentos" da personalidade do seu amigo.

O texto do seu marido, com outro senso de homor, fala sobre o cotidiano de uma convivência que me pareceu muito amiga e próxima.

Todos dois bonitos e bem escritos.

Que Luis Augusto, Luca para voces descanse em paz.

Anônimo disse...

Alice e Marcos,
Realmente lindo o texto de vocês dois. Quem conheceu Luca, como eu a vida toda, pode dizer realmente que vocês conseguiram captar a essência total dele. Não é pelo fato de ser meu irmão que o "ame-o ou deixe-o" nao é verdade. Luca era assim mesmo: fogo e água, terra e mar, yin e yung. Sincero até a raiz dos cabelos, honesto em tudo o que fazia.
Ele era pra mim muito mais do que um irmão, era meu amigo, meu porto seguro, meu conselheiro, enfim muito, muito mais.
Tínhamos uma cumplicidade incrível. Sei que ele também gostava muito de mim e sua falta me dilacera a alma.
Vou lembrar sempre de seu olhar, Alice, ao me fitar quando eu estava em prantos ao lado de sua caixão. Vi em seus olhos a mesma dor que eu estav sentindo e fico feliz em saber que Luca teve amigos tão especiais quanto você e Marcos.
Lindo texto. Me fez chorar de tristeza e alegriia ao mesmo tempo. Luca, onde estiver, também está feliz e orgulhoso de se sentir tão querido de vocês.
Beijo grande
Ângela Timbó

Sonia disse...


Amiga, como a morte não escolhe datas, escolhi o dia das mães para lhe prestar minha solidariedade. Seu compromisso com seus amigos me comove. Voce demonstra que gosta deles, da mesma forma que demonstra que os conhece. Luca, como voce e seu marido o tratava, me parecia ter sido dono de uma personalidade diferenciada. Voces além de compreende-lo o aceitavam, incondicionalmente.
Por ser dia das mães, muito oportuna a manifestação de admiração e tolerância.

ZEUS disse...


Alice, meus sentimentos à voces e à familia pela perda do amigo e parente. Já me encontrei com Luis Augusto quando ele era estudante. Fomos contemporâneos. Acho, até, que nos formamos no mesmo ano.
Lamento muito sua morte.Era, além de inteligente, um empresario muito bem sucedido

Anônimo disse...


Só conhecia a esposa de Luis Augusto através de seus comentários sempre elogiosos e compassivos. Amigos são assim, sofrem e riem juntos, concluo, também baseada nos textos. Por isto, sabendo que este blog foi concebido em homenagem a uma amiga, sei que os valoriza e cuida que permaneçam sempre por perto. Nem sempre a vida quer que assim seja. Portanto, so me resta rezar para que Deus permita compreensão`aos familiares e aos amigos.
Quanto a voce, mantenha esta qualidade agregadora, pois é assim que temos que conviver com o que a vida nos reserva.