quinta-feira, 3 de setembro de 2009

REFÉNS DO ACASO

Não há muito tempo dei um salto de qualidade no meu processo de amadurecimento convencendo-me, emocionalmente, que somos resultados das nossas escolhas.

Confesso que esta óbvia conclusão provocou-me uma sensação de apaziguamento, já que, não atribuiria a mais ninguém nem meus acertos, nem meus erros, embora, para ser justa comigo e com os outros, não excluo a participação determinante de algumas pessoas na qualidade dos meus “saldos”.

Entretanto, ainda luto para excluir do "menu" das minhas neuroses o sentimento da culpa e seu sucedâneo imediato, o arrependimento. Continuo amadurecendo e, para ser coerente com o que acabo de afirmar, responsabilizo-me quanto à duração do referido processo, que acho, nunca devemos dar por concluído, uma vez que lhe são inerentes avanços e retrocessos.

A esta altura da vida, quando começo a colher o que plantei, refletindo sobre a obviedade de que a semeadura não é feita de forma solitária, faço uma analogia da vida com os processos da natureza, onde vários fatores concorrem para uma boa colheita. O clima e seus caprichos, a qualidade das sementes, os companheiros de lavoura, ajudando ou dificultando, a qualidade do terreno, onde semeamos, enfim, os milhares de fatores sobre os quais exercemos um limitado controle, embora sejam eles que vão certificar a qualidade dos frutos.

Isto é assustador! Você desperta pela manhã e uma incógnita lhe acompanha até o final do dia. Se chegar até lá, outra incógnita, muitas vezes mais assustadora, pelo menos para mim, esconde a qualidade das condições emocionais, com as quais se fortalece ou se enfraquece, para enfrentar os fatos que a vida, naquele dia, guardou para você.

Somos reféns do acaso e como interagimos, nossas vidas dependem também das vidas, carregadas de acasos, daqueles que nos rodeiam.

Esta “questão” que tem me angustiado diuturnamente e, certamente, residia no meu inconsciente espreitando uma fresta para vir à tona, é comum a todo ser que habita o planeta, pois esta sucessão de condicionantes é o cerne das inquietações humanas e jamais será resolvida. Diante dela nos sentimos tão impotentes quanto diante da certeza da morte.

É assim que a vida está organizada. Somos postos no mundo, através do encontro entre duas pessoas, convivemos com outras tantas e, com algumas delas criamos laços afetivos tão fortes, que definem a forma como nos relacionamos com o mundo e com nós mesmos, tamanho é o seu poder. Vínculos que têm a capacidade de fazer-nos livres ou cativos.

Mesmo aqueles que estão longe, que nunca vimos nem veremos, determinam nossos destinos. Como se a existência fosse uma enorme engrenagem onde, qualquer peça, por mais insignificante que possa parecer, tem o poder de modificar a forma da engrenagem se comportar. Portanto, aquela conclusão a que me refiro no inicio do texto, sobre ser única responsável por minhas próprias escolhas, tem um grau assustador de aleatoriedade que torna tudo relativo. E ainda nem me referi, embora tenha pensado, às outras variáveis, que são os outros seres sensíveis, os inanimados e tudo que compõe o Universo.

Consciente da minha insignificância, minha conclusão não me apequena no sentido de me sentir desimportante, ao contrário, me agiganta tanto quanto me assusta. Posso interferir até o limite da minha vontade que já sofreu algum grau de influência de variáveis desconhecidas que, adiante, vão modificar o que virá em seguida. E nesta sucessão de vontades, a minha já é o resultado contaminado por outras tantas vontades que já se consumaram.

Tudo isto, permeado de emoções e sentimentos vários, torna o processo mais complexo. Mas, não ao ponto de impedir que flua com naturalidade ou que não nos estimule a tentar compreendê-lo.

Seria este o "sal" da vida? Esta consciência convivendo com a ignorância sobre o que está sendo engendrado nos bastidores da existência? Será, realmente, excitante o desafio da incerteza dos resultados do que você acha que escolheu? Seria este o preço a pagar para experimentarmos algum tipo de tranqüilidade?

O que seria do homem se não contasse com o confortável desconforto do imprevisível? Ou se vivesse suas alegrias convivendo com a decepcionante antecipação das surpresas? Como conviveria com a angustiante e assustadora certeza sobre quando e como irá morrer? Valeria a pena saber tudo?

Ou estaria a vida sabiamente organizada a forçar-nos a viver nossos segundos dentro de uma relativa ignorância, vivenciando cada momento, cuja importância devesse conter o peso da eternidade?

Tenho certeza, que estes questionamentos parecem tolos e intelectualmente incipientes e primários para a maioria de vocês. Mas confesso que tem emprestado a cada manhã da minha vida a sensação de estar sempre estreando uma aventura, cujo final tem tantas alternativas quanto minha imaginação não tem a capacidade de prever.

Muitos saltos terei que dar até sentir-me próxima de um "desequilíbrio saudável" pois, lucidez demais enlouquece de verdade e certezas graníticas nublam a mente e levam a uma tediosa inércia.

Esta “reflexão”, vamos chamá-la assim, está me inquietando e, sem que pudesse contê-la, escapuliu das minhas angústias e fugiu pelos meus dedos, tão humildes quanto insurretos, até o teclado do meu laptop.

Escreveu-se por si só.

ALICE ROSSINI

7 comentários:

Mariana disse...

Alice,

Voce não está so nos seus medos e angústias. Somente sabe falar sobre eles e, muito bem. Mas fique, tranquila, se pensássemos mais um pouco, acho que nem poríamos filhos no mundo. Desculpe o pessimismo, Mas a vida minha amiga, é "dose pra leão"

Vitória Régia disse...

Alice,

Qualquer comentário sobre este texto, além de dificil, também sou humilde, passa por tantas coisas, que definitivamente, não sei o que dizer.

Só sei que esta ótimo!

Fernando Trovador disse...

Alice
A esta altura dos acontecimentos, qualquer comentário á qualidade dos seus textos se torna uma redundante, mas, no teu caso especifico, sempre é fácil e oportuna!

Pois é amiga. Ser feliz tem dessas coisas. As emocoes que se sentem no processo de construcao da Felicidade pessoal, passam por sintomas variados como perda de lucidez, constante questionamento, ansiedade, expectativas que acarretam ate taquicardia, incertezas, medos e at, no teu caso especifico, o enfrentamente de motins constantes desses teus dedinhos inquietos.
É, a felicidade acarreta muitas sessões de nudismo defronte dos espelhos da vida, para vermos não só as cicatrizes do tempo e do aprendizado que ele nos impõe e que nos chega de graça, mas também, como corredor de acesso ás novas e velhas emoções.
O grau de “desiquilibrio saudável”, é a escala de medição da nossa persistência e tenacidade de vivermos em constante busca da nossa paz de espírito.

Inquiete-se amiga! Faça-o sempre e muitas vezes por qualquer razão que o mereça. Quem não se inquieta, não pensa. Quem não pensa, não descobre. Quem não descobre, não ama. Por fim, quem não ama, nem é amado nem vive.....vegeta!

IZABEL disse...

Alice,

Texto excelente... Serve como um ponto de partida, para algumas pessoas que ainda não iniciaram a reflexão... Para as que já refletem, servirá de "azimute"... E para aquelas que já têm esta reflexão internalizada, servirá de constatação de que valeu e valerá a pena estarmos sempre questionando...

Amei, só não sei que ponto me encontro... hahaahhahaha... Talvez em todos... Conforme a estrutura da minha personalidade. Mas o importante é que estou ATENTA - ALERTA!!!

Beijinhos,

Bel

Marco Rossini disse...

Conhecendo como lhe conheço imagino suas angústias, conheço seus medos e tento compartilhá-los quando eles, em vez de fugirem pelos seus dedos fogem pela sua fala. Já conversamos muito sobre isto e sabemos que, como diz voce "é assim que a vida está organizada".

Sua proposta de dar o peso da eternidade a cada segundo parece-me mais lúcida e inteligente.

Entretando, não perca nunca esta sua inquietação pois é isso que faz com que o ser humano evolua e se adapte às mudanças que a vida impõe.

beijossss

Fernando Trovador disse...

Marco:

Back-up perfeito!
Ganhou pontos e subiu na cotação!
É assim que se ama de verdade.

Seu comentário está vendido pelo preço mais alto

Vayanse con Dios!

Selene May disse...

ah, ra, ra!!!
"fugiu pelos meus dedos, escreveu-se por si só"...
blza!!! poesia pura!!! a arte tomou forma!!!
muitos anos de vida, lucidez e loucura, meu bem!
bjs,