“Afinal o que querem as mulheres?” Esta pergunta foi feita no século XIX por um dos homens que mais nos estudou, achando que estudando-nos conseguiria decifrar nossos enigmas. Fez ilações e criou dogmas aos quais, muitas de nós estamos presas até hoje. Se Freud fosse vivo, seria menos freudiano que muitos que dizem conhecer profundamente tudo o que “ele queria”. Ficando a pergunta sem resposta, sua condição de pai da Psicanálise deixou todos achando que a tal pergunta continha a maioria os mistérios do Universo. A pergunta cresceu, adubada pela intolerância humana e nem o tempo conseguiu relativizar sua importância.
Quando foi feita, certamente, nem nós mulheres sabíamos o que queríamos. Só o que não podíamos. Era grande a lista.
Contextualizando a pergunta cultural e historicamente ela se justificava. E olhe que estou falando do ponto de vista da civilização ocidental. Porque no Oriente, mulheres, até hoje continuam não tendo os seus direitos garantidos pouco adiantando a indignação da humanidade. Os costumes com raízes culturais “justificam” tudo!
Embora a pergunta persista, para mim perdeu o sentido. Já que todos tem os mesmos direitos, respondê-la ficou fácil e sua resposta óbvia. Queremos tudo que todos querem. Seja qual for sua opção sexual.
Queremos ser livres para amar e ser amadas. Queremos estudar, trabalhar e sermos remuneradas quando executamos funções equivalentes. Queremos ter e exercer o poder sem que para isto tenhamos que comportarmo-nos como homens. Queremos ouvir e sermos ouvidas. Queremos que respeitem nossas necessidades básicas, inclusive as sexuais. Queremos andar sozinhas sem que o medo nos acompanhe e a violência nos surpreenda. Queremos ser livres para escolher entre a maternidade ou dar outras serventias aos nossos corpos.
Enfim, queremos tudo. Nada além do que a maioria das pessoas deseja. Se não tivermos tudo, que não seja pelo fato de sermos mulheres. Que as razões sejam outras, do não desejar ao não poder possuir por milhares de outras questões. Nossos equívocos são frutos de uma cultura criada por e para os homens, que nos apartava da realidade e do contato com o desconhecido. Fizeram-nos crer que sexo sem amor era pecado, que existiam áreas do conhecimento insondáveis para nossos cérebros. Que não nos cabia questionar nem ir de encontro a costumes criados sob o signo da opressão, num mundo maniqueista onde os conceitos de pecado perseguiam a todos, indistintamente.
Uma emissora de televisão colocou no ar um seriado cujo título é a “tal” pergunta. Pois bem, a personagem principal que tenta respondê-la, perde a mulher por tê-la negligenciado em favor da premência da resposta a uma questão carregada de preconceitos. Reduz-nos a um ser que é reconhecidamente complicado sem nenhuma perspectiva de autoconhecimento. Um atestado dado pela ciência sobre a dificuldade humana de lidar com as diferenças, com os contrários. Parte do pressuposto de que a diversidade é em si um mal, um problema a ser resolvido.
Nossas diferenças, necessarias, diga-se de passagem, nos cabem entendê-las buscando um ponto de encontro no meio da ponte que nos separa. Como uma ponte não é um abismo, deve e pode ser atravessada sob pena de tornar a vida de todos muito mais dificil.
As dificuldades humanas de relacionar-se consigo, com seus semelhantes e com suas circunstâncias independem de gênero. O ser humano é conflituado e, embora busque sempre uma saída para seus problemas, tem a tendência à atribuir ao outro a origem das suas angustias.
As filosofias orientais reconhecem a dualidade como a união dos opostos para formarem a Unidade. É necessária a claridade do dia para a existência do breu da noite. Para reconhecer a sensação da plenitude há que ter conhecido a incompletude. Que a ausência da dor prenuncia o alivio da saúde.
Pois é justamente lá, onde tudo é “Um” que a mulher não completa o homem na mesma proporção e na mesma igualdade que nossa humanidade preconiza. Que as necessidades são as mesmas embora em corpos diferentes.
Dr. Freud bem que sabia o que queríamos, já que estudou nossa sexualidade, reconhecendo-a, estudou nossa capacidade de somatizar emoções quando, indo de encontro à nossa natureza, não conseguimos expressá-las. Tudo bem rotulou-nos de histéricas e colocou nos nossos ombros as mazelas humanas através de complexos e desejos de um Édipo que reconheço pelas ruas e encruzilhadas da vida, cujos protagonistas, tão simples e pragmáticos, não conseguem resolvê-los sem a nossa ajuda.
P.S: Já temos questões demais a serem resolvidas. Senhores, por favor, resolvam seus complexos ou perguntem ao Doutor.
ALICE ROSSINI
o cotidiano e suas contradições, descrito e compartilhado - Blog inaugurado em 18 de fevereiro de 2 009 - ANO VIII
domingo, 21 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
MOMENTOS DE SOLITUDE
Sozinha em casa entreguei-me aos devaneios e neles, às lembranças da minha infância, minha adolescência quando as presenças de meus pais agigantavam-se. Mais uma vez, percebi que permearam todos os momentos relevantes da minha vida.
Entretanto, suas onipresenças não conseguiram proteger-nos, a mim e a meus irmãos, dos pequenos e dos grandes sofrimentos inerentes a cada momento.
E foi nos detalhes das pequenas coisas que suas presenças conseguiram chegar a extremos: omitindo-se por completo alheamento das nossas realidades ou imiscuindo-se por, ingenuamente, acharem-se detentores do poder de mudar tudo para o que, achavam ser o melhor e o certo.
Vivi minuto a minuto e vivendo, as horas transformaram-se em dias, os dias se multiplicaram em semanas, as semanas em meses e os meses mágica e tragicamente transformaram-se em anos. A sensação de que tudo passou muito rápido é apenas ilusória. Mas sei que vivi tudo e com todos que se interpuseram no meu caminho, para o bem e para o mal. Pela passagem do tempo e uma combinação de circunstâncias, hoje estou só e sinto tanto o peso quanto a leveza deste instante de solidão.
O tempo fez com que, ao experimentar e viver grandes momentos aprendesse que eles são construídos do que, inadvertidamente, achamos insignificante, sempre impregado de encruzilhadas nas quais tivemos que, às cegas, fazer escolhas.
Hoje, posso separar o que me tranquiliza momentaneamente, o que me faz ficar eufórica e o que me faz ser e permanecer feliz, porque ancora. Ao multiplicar-me o tempo me faz feliz em ser chamada de mãe. Ouvir a chave na porta anunciando a chegada de seres amados me tranquiliza. Ouvir uma promessa e acreditar com toda a confiança dos que amam, me faz feliz. Atender ao telefone e ouvir o “alô” com aquela voz que guarda ecos da infância tanto me tranquiliza quanto me faz feliz. Outros detalhes que podem parecer bobos, hoje assumem a enorme importância de determinar a felicidade, a tranquilidade ou a euforia.
Nesta fase da vida, difícil, diga-se de passagem, entendi o porquê tantas ações e reações paternas me pareceram incompreensíveis. Porque cada “não” tinha o peso de um veredicto e cada “sim” a leveza de um prêmio. Com a sucessão virtual de tantos “se’s” convenço-me que nada pode nem deve parecer certo ou errado, pois certezas nos aprisionam e querer mudar o passado nos rouba o sorriso.
Se pensarmos com emoção e atenção da criança que ainda brinca em nós, veremos que tudo é pequeno, mas não por isto perde a importância, e o que é grande resiste e não se enquadra nas escalas de grandezas que convencionamos. Um olhar aqui, um grito ali, a chuva de verão, a lua cheia que nos surpreende, o filme que nos faz pensar ou sair na metade, o amigo que não nos telefona e nos rouba o passado ou aquele que sabemos longe mas sempre nos acompanha. A surpresa na mesa com nosso prato preferido. A criança com olhos duros que nos pede centavos nos semáforos. Nossa cama que nos parece grande demais. O frio que esquenta nossa alma ou o calor que nos esfria num domingo tedioso.
Todos estes detalhes determinam nossa felicidade, nosso bem ou mal estar, recrudescem nossos arrependimentos, ratificam nossas escolhas, nos sugerem uma mudança de rumo, nos mostram nosso vazio de vida cheia de entulhos. Ou até que tudo está como deve ficar.
São estes fragmentos de vida que fazem parte dos milionésimos de segundos no qual vivemos toda nossa realidade e determinam nossos destinos. Aparentemente, apenas escolhas que tem o poder de eternizar situações. Certezas de hoje poderão ser as mentiras de amanhã ou mentiras de ontem são as verdades que nos sustentam hoje.
Se vivêssemos como os animais, confiaríamos nos nossos instintos. Como homens, desdenhamos das nossas intuições.
ALICE ROSSINI
Entretanto, suas onipresenças não conseguiram proteger-nos, a mim e a meus irmãos, dos pequenos e dos grandes sofrimentos inerentes a cada momento.
E foi nos detalhes das pequenas coisas que suas presenças conseguiram chegar a extremos: omitindo-se por completo alheamento das nossas realidades ou imiscuindo-se por, ingenuamente, acharem-se detentores do poder de mudar tudo para o que, achavam ser o melhor e o certo.
Vivi minuto a minuto e vivendo, as horas transformaram-se em dias, os dias se multiplicaram em semanas, as semanas em meses e os meses mágica e tragicamente transformaram-se em anos. A sensação de que tudo passou muito rápido é apenas ilusória. Mas sei que vivi tudo e com todos que se interpuseram no meu caminho, para o bem e para o mal. Pela passagem do tempo e uma combinação de circunstâncias, hoje estou só e sinto tanto o peso quanto a leveza deste instante de solidão.
O tempo fez com que, ao experimentar e viver grandes momentos aprendesse que eles são construídos do que, inadvertidamente, achamos insignificante, sempre impregado de encruzilhadas nas quais tivemos que, às cegas, fazer escolhas.
Hoje, posso separar o que me tranquiliza momentaneamente, o que me faz ficar eufórica e o que me faz ser e permanecer feliz, porque ancora. Ao multiplicar-me o tempo me faz feliz em ser chamada de mãe. Ouvir a chave na porta anunciando a chegada de seres amados me tranquiliza. Ouvir uma promessa e acreditar com toda a confiança dos que amam, me faz feliz. Atender ao telefone e ouvir o “alô” com aquela voz que guarda ecos da infância tanto me tranquiliza quanto me faz feliz. Outros detalhes que podem parecer bobos, hoje assumem a enorme importância de determinar a felicidade, a tranquilidade ou a euforia.
Nesta fase da vida, difícil, diga-se de passagem, entendi o porquê tantas ações e reações paternas me pareceram incompreensíveis. Porque cada “não” tinha o peso de um veredicto e cada “sim” a leveza de um prêmio. Com a sucessão virtual de tantos “se’s” convenço-me que nada pode nem deve parecer certo ou errado, pois certezas nos aprisionam e querer mudar o passado nos rouba o sorriso.
Se pensarmos com emoção e atenção da criança que ainda brinca em nós, veremos que tudo é pequeno, mas não por isto perde a importância, e o que é grande resiste e não se enquadra nas escalas de grandezas que convencionamos. Um olhar aqui, um grito ali, a chuva de verão, a lua cheia que nos surpreende, o filme que nos faz pensar ou sair na metade, o amigo que não nos telefona e nos rouba o passado ou aquele que sabemos longe mas sempre nos acompanha. A surpresa na mesa com nosso prato preferido. A criança com olhos duros que nos pede centavos nos semáforos. Nossa cama que nos parece grande demais. O frio que esquenta nossa alma ou o calor que nos esfria num domingo tedioso.
Todos estes detalhes determinam nossa felicidade, nosso bem ou mal estar, recrudescem nossos arrependimentos, ratificam nossas escolhas, nos sugerem uma mudança de rumo, nos mostram nosso vazio de vida cheia de entulhos. Ou até que tudo está como deve ficar.
São estes fragmentos de vida que fazem parte dos milionésimos de segundos no qual vivemos toda nossa realidade e determinam nossos destinos. Aparentemente, apenas escolhas que tem o poder de eternizar situações. Certezas de hoje poderão ser as mentiras de amanhã ou mentiras de ontem são as verdades que nos sustentam hoje.
Se vivêssemos como os animais, confiaríamos nos nossos instintos. Como homens, desdenhamos das nossas intuições.
ALICE ROSSINI
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