quinta-feira, 24 de setembro de 2009

ABORTAR PARA VIVER

Passamos uma parte das nossas vidas nos convencendo que existem fatos que só acontecem com os outros. Principalmente, os trágicos. A outra, tentando negar nossa intuição, que muitas vezes nos sinaliza o futuro.

Quatro viagens internacionais num curto espaço de tempo foram motivos suficientes para justificar meu pouco entusiasmo por esta última.

Ainda na sala de espera do aeroporto de Salvador, descobri que o médium José Medrado seria nosso companheiro de vôo e, claro, devidamente acompanhado por Dr. Bezerra, seu guia espiritual.

Lembrando que não tenho asas para voar e todo o Atlântico pela frente, minhas convicções de que depois da morte só sobrevivem as lembranças de quem parte e o legado da saudade para quem fica, mostraram-se não tão fortes assim.

A possível presença da Entidade me “emprestou” certa sensação de segurança e um conforto emocional que minora a sensação de desamparo e impotência que experimento sempre que entro num avião. A sensação é tão forte que anula o medo natural sentido por mim e por grande parte das pessoas.

Sinto-me totalmente entregue ao que alguns chamam de destino, mas que, no caso, é o somatório de uma serie de fatores que determinam o sucesso ou o fracasso de voar sem ser pássaro.

Pois bem. Obedecendo ao horário previsto, o avião começa os procedimentos de “descolagem”, segundo o Português falado em Portugal.

“Aceleração um”, segundos depois “Aceleração dois” quando, uma forte e inesperada trepidação suspende a respiração dos quase trezentos passageiros do pássaro de ferro. Os poucos cinco ou seis segundos seguintes que o piloto precisava para decidir entre a “Aceleração três”, esta irreversível, ou abortar a decolagem foram decididos a nosso favor. Se continuasse, a aeronave não teria velocidade suficiente para sair do chão. Numa manobra de habilidade e experiência, o aparelho para abruptamente a poucos metros do final da pista.

Poucos segundos foram suficientes para que nossas vidas fossem salvas e para que o pânico de perdê-las se instalasse no avião, sentimento facilmente captado em situações desta natureza. Foi tudo tão rápido que, pessoalmente, fiquei estranhamente calma.

Um instintivo alerta pela descarga de adrenalina e, mais tarde, a “quase” certeza de uma morte indolor. Psicologicamente, pelo alheamento do que estava por vir e, fisicamente porque, carregado de combustível, o avião explodiria logo que acabasse a pista.

Passado o susto, tento analisar as necessidades humanas numa situação na qual sua sobrevivência ou a de quem ama fuja ao seu controle. A primeira é a de ter suas perguntas respondidas; o que aconteceu, por que aconteceu e o que ocorrerá daqui pra frente. Esta ultima, certamente, uma penosa “via cruci” de dúvidas e surpresas desagradáveis.

A situação de impotência diante de fatos que abalam nossa segurança potencializa nossa necessidade de compreender para justificar o acontecimento. Pelo menos é assim que sinto. Hoje, entendo a persistência de parentes de vitimas de mortes trágicas em nunca desistirem de respostas às suas dolorosas e, muitas vezes, irrespondíveis perguntas.

Outra conclusão é a “certeza” de que fatalidade é um conceito além de amplo, relativo. Partindo do pressuposto de que para todas as coisas que envolvam pessoas e, claro, sua sobrevivência com segurança, existam protocolos que, se seguidos, evitariam a maioria dos acidentes, tendo a concluir que a maioria deles não é observada com a seriedade proporcional à importância da vida como valor a ser preservado.

Para isto seria necessário que a vida humana fosse verdadeiramente valorizada, pois no caso do nosso avião, ficou muito claro, que houve negligência por parte da companhia, pois, a simples não observância dos pneus da aeronave seria a causa de mais uma tragédia que mudaria e destruiria vidas de forma irreversível.

Uma pergunta me inquieta e uma “certeza” me oferece a verdadeira dimensão de cada vida em relação a tudo que vive no Universo.

A pergunta é; muda, a vida, seu curso normal desviando-se para um atalho ou, o que chamo de atalho é o verdadeiro caminho?

A “certeza”, se ainda as tenho, daí ter aspeado a palavra em todo o texto, é de que tudo continuaria acontecendo independente de mim, embora de outra forma e com outros sentimentos mas, pelo mesmo caminho e desviando-se por outros atalhos. Disto, tenho certeza. Sem aspas.

ALICE ROSSINI

10 comentários:

IZABEL disse...

Alice,
Inicio este meu comentário, falando de FALTA! Falta dos seus textos das suas provocações, pois segundo Victor Hugo, quando... “Fazes-me falta, estou ausente de mim própria.” E quando há falta morremos... “Morremos a cada dia, a cada dia falta uma parte da vida.” Séneca.

Nunca tinha pensado que no ato de abortar, a vida pudesse se fazer presente!! Graças a DEUS houve um aborto... Bendito ABORTO!!!
Como estamos muitas vezes “ignorantes”, dos nossos destinos... Sentimos-nos, às vezes senhores do “universo” e ele nos mostra de forma - sutil que somos “reféns”...

Mais uma vez, obrigada por quebrar o meu “modelo mental”, de que o ABORTO, só pode trazer a morte, mas que também pode trazer, ou preservar vidas!!!

Bjsss,

Bel

Penha Castro disse...

Que bom que voltou. Alìás, quase não voltava, Deus nos livre! Como sempre um texto gostoso e uma forma peculiar de enxergar os fatos.

Bem vinda.

beijoss

Vitória Régia disse...

Alice,

Que coisa! Imagino o pânico das pessoas ja apavoradas com tantos acidentes. Voce, como sempre, vendo as coisas ao seu jeito (risos). Parabéns pelo texto e pelo desfecho da quase tragédia.

Beijos

Sérgio Gomes disse...

Então vocês já estão de volta - e graças a Deus vivos, por conta de um aborto providencial, rsrsrsrs...Um beijo em você um abraço no Marquinho.

Mariana disse...

Bem vinda com vida! Menina, não temos segurança em lugar nenhum! Graças a Deus não era sua vez de partir. Já pensou, quem iria continuar escrevendo o VERSO&REVERSO? Só voce sabe escrever direto aos nossos corações.
Seu texto além de refletir o momento que passou refete, também, a pessoa que voce é.
bjss

Marco Rossini disse...

Voce, ao seu jeito, conseguiu captar os segundos de terror que só nos conscientizamos da gravidade, depois que passaram.

Sua análise sobre o que sentem as vitimas de acidentes desta natureza está corretíssimaa, pois, a necessidade de explicações é muito forte e é o que menos temos.

Felizmente estávamos juntos e juntos revivemos.

Seu texto está ótimo.

Beijossssssssssssss

IZABEL disse...

Cunhado,
Que comentário LINDO!!! Demostra que vcs estão apaixonados!!!

Bjsss,

Bel

Eliane disse...

Amiga,

Felizmente, o destino tinha reservado dias maravilhosos nessa viagem que comecou com tamanho susto!!

Beijos
Eliane

LU disse...

Inspiradora reflexão em Antinha,acho que foi iluminada pelo "guia" , quem sabe?

bjs

LU

Anônimo disse...

QUE BOM QUE VOLTOU SÃ, SALVA, LINDA E SORRIDENTE.