terça-feira, 23 de março de 2010

"Voar é somente para os pássaros?"

Liberdade é um conceito que, de vez em quando, me obceca. Com a mesma intensidade do seu contrário que é a tirania, o autoritarismo e o aprisionamento em todos os seus sentidos. Acho-os perigosos porque tanto um conceito quanto o outro estão sujeitos a infinitas armadilhas. Possuem sutilezas que facilmente confundem quem os exerce.

Temos exemplos na história e em todas as relações humanas. Todos os movimentos libertários, em que pesem as boas intenções de seus idealizadores, cedo ou tarde tendem a desvirtuar-se para a tirania. Simplesmente porque quem os idealiza vê seu contrário como “inimigo”. E, na espécie humana, inimigo, se incomoda muito, destrói-se. De tantas formas quanto à inteligência humana for capaz de imaginar. E pensar que é na diversidade e na divergência que as grandes mudanças e transformações acontecem.

Nos movimentos sociais, o feminismo é um exemplo clássico de descontentamento, explosão, radicalização, conquista e imposição de um novo modelo de ser mulher. Hoje, embora reconheçamos os avanços e a importância daquelas valentes criaturas que se perguntaram, “por que não?” temos que estar atentas para não cairmos em armadilhas que como as anteriores, nos engessam. Porque ideias são concebidas para evoluírem e devem se questionadas sempre. Senão deformam-se e transformam-se em dogmas.

Algumas Revoluções eclodem com o objetivo de mudarem modelos sócio-econômicos impregnados pela desigualdade e pela injustiça. Não tardam seus idealizadores transformarem-se em tiranos que justificam sua perpetuidade no poder a salvaguardar os princípios que os motivaram.

Mas estas situações são facilmente diagnosticáveis e não faltam quem as denuncie e tentem modificá-las. A falta da liberdade e a tirania que me incomodam são as que nós mesmos permitimos. As que escrevemos nas entrelinhas das nossas histórias. E, como na literatura, elas têm poder e função inolvidáveis.

Quando acordamos pela manhã e decidimos que nada vamos fazer para que a rotina, atividade ou projeto que nos desagrada nos avilta ou nos apequena continue sendo executado, amparados pela nossa prévia, covarde e cômoda decisão.

Que vamos continuar indo para o trabalho ainda que não nos realize nem faça a diferença na vida de ninguém, só na nossa e, para pior!

Quando vendamos nossos olhos, impedindo nossas retinas de refletirem as milhares de possibilidades, belezas, verdades ou mentiras, pouco importa que a vida nos disponibilize e só dependem de nós para serem escolhidas.

Se achamos que agimos livremente, sem influência do nosso comodismo, dos condicionamentos que nos impuseram, sem as algemas das nossas covardias, estamos tão emaranhados nas armadilhas que nem as reconhecemos. Se soubéssemos quanta tirania impõe-se quem sonega de si mesmo o direito de duvidar.

Enfim, são estes pequenos, grandes, reles, profundos, determinantes ou reversíveis veredictos que proferimos à nossa revelia que tentam apagar a chama libertária que todo ser possui, humano ou não.

Existem duas palavras, um verbo e uma preposição que tem o poder de nos transformar no que os outros quiserem: TEM e QUE. Coloca-nos numa formação militar em que todos “têm que” olhar para a mesma direção, uniformizados num perigoso consenso, em torno de um mesmo propósito, indiferentes às milhares de possibilidades que correm paralelas a essa marcha monótona e quase fúnebre.

O medo de sermos rotulados de “diferentes” faz com que não nos permitamos qualquer descompasso. Porque o sair do passo, por erro ou ousadia, cobra seu preço. A punição é a certeza o prêmio a dúvida.

Imagine o que seriam dos seres, o humano em particular, não fossem os inquietos, os insatisfeitos, os gulosos, os insurretos, os audazes, os ousados, os devassos e, principalmente, os infelizes! Aqueles que estão sempre procurando “um não sabem o que, não sei onde, nem sabem pra que...”

Estes últimos são os responsáveis pelas grandes guinadas da humanidade, para o bem e para o mal. O que acreditamos ser loucura e amargura pode ser uma lucidez quase insana que os faz clarividentes a tudo que precisa ser mudado.

Queiramos ou não, esta “felicidade cômoda” que idealizamos e que buscamos incessantemente é que nos faz emaranharmo-nos nas armadilhas e escorregarmos no fio da sutileza entre escolher sermos livres e infelizes, cativos ou felizes e todas as formas em que o ser humano determina como quer, pode ou deve existir. Todas as possibilidades podem fazer parte de nós, mas sob a eterna vigilância das nossas consciências.

A sensação de ter asas deve ser maravilhosa. Ir ou fugir para onde ventanias ou brisas lhe levarem deve ser a essência dos pássaros que, metaforicamente, traduzem e resumem o sonho de Ícaro: voar. Mas, segundo a mitologia, a recomendação do sonhador para o próprio filho que o acompanharia era voar, nem muito próximo do Sol nem muito perto do Mar. Asas, para quem não é pássaro são frágeis.

ALICE ROSSINI

clique no link abaixo e poderá fazer as mesmas reflexões, cantando

http://www.youtube.com/watch?v=LQTvC0ffFA4

10 comentários:

Penha Castro disse...

Menina, que soco no estômago! Fantástico seu texto, leva à milhares de reflexões e questionamentos que, se fizermos de verdade teremos que ir fundo demais em partes nunca antes visitadas, o que pode ser perigoso. Melhor deixar quieto(risos)

Quanto aos questionadores, aos insatisfeitos e aos infelizes, devemos a eles o nivel de auto conhecimento que o ser humano tem de si. Pagaram o preço por terem tido uma vida tumultuada mas, eu legado redimiu a humanidade: Freud, Nietzsche, Kant e outros

Penha disse...

Uma amiga lendo seu texto me chamou atenção para o link abaixo. Como completaram-se texto e música.

Idèa gennial aliar as duass formas de expressão.

Minha amiga ficou "amedrontada" de fazer um comentário. Disse que seu texto está "bem escrito demais".

O proximo voce escreve mal, e terá muita mais gente comentando(risos)

Mas por aqui no trabalho seu Blog faz o maior sucesso!!

Aparecida Matos disse...

O texto provoca reflexões sobre conceitos de liberdade x autoritarismo. Como uma pode ser a causa e a consequência da outra. Porque é assim mesmo, quando nos sentimos cerceados, procuramos quebrar com tudo. Ao quebrarmos assumimos compromissos com o que ansiamos como se fosse a única verdade. Aí começa o que voce chama de tirania. Ficamos atrelados ao que conquistamos.

Perfeita sua colocação que idéias são concebidas para serem debatidas e, se preciso modificadas.

Será que somos livres? Se não somos, quem serão nossos carcereiros? Nós? Os outros? Por que deixamos que nos tirem o bem maior, que todos os seres necessitam?

Questões que dariam um livro e muitas noites insones (risos)

É isso que voce quer? Depois nos dá um refresco com uma musica maravilhosa que tem tudo a ver com que voce questiona.

Luiz Augusto Vaz disse...

Querida Alice,
Seu artigo me fez pensar que:Voar é um sonho que o humano sempre tentou e só foi possível com os veículos para tal fim. Em se tratando de voar para a liberdade questionaria com quem,onde vou chegar e se essa liberdade será perene.

Políticamente falando, a História está cheia de exemplos de liberdades roubadas.Para citar exemplos: nas revoluções Francesa,Bolchevique e tantas outras. No nosso caso, em 64, ouvi a Mirian Leitão(presa política pelo regime dos generais,segundo ela),contar na CBN que esteve recentemente em uma palestra,com as presenças de várias ex-presas políticas, onde cada uma falou sobre sua luta pela liberdade e democratização do país a um grupo de estudantes na Federal do Espírito Santo.

Ao término do seu relato onde disse ter sido torturada,um aluna a questionou: A senhora foi presa, torturada,privada de sua liberdade,lutando pelo atual estado de coisas que aí está?

O exemplo responde ao meu questionamento: COM QUEM vou voar?

RICARDO FARIAS disse...

BOTOU PRA QUEBRAR HEIN MULHER! VOCE É REALMENTE INCRÍVEL. JÁ ESTAVA COM SAUDADE DOS SEUS TEXTOS POLÊMICOS,PROFUNDOS E CHEIOS DE PERGUNTAS QUE SÓ UMA TESE OU UMA VIDA PARA RESPONDER

PARABENS.

Vitória Régia disse...

Como sempre o texto instigante e valente. Sem medo de ir à fundo nas questões que incomodam e que nos deixam procurando saidas que, muitas vezes, sabemos que não existem. Mas, parar de perguntar, nunca!

IZABEL disse...

Alice,
Mais um texto para nos instigar. Muitas vezes não temos coragem de sair das nossas zonas de “pseudo conforto” para vivenciar as diversas possibilidades que o universo nos apresenta... É difícil?? Sim - mas não é impossível!

Adorei “sorver” o tema em duas linguagens. Linda a música!

Segue um poemeto:

Liberdade de Cada Dia

Voar é muito mais do que tirar os pés do chão - é mergulhar no oceano de si mesmo...
É ter vontade de ficar,
mas necessidade de partir.
É sentir o universo dentro de si mesmo,
e não apenas sentir-se livre,
mas fazer da liberdade
o seu supremo milagre de cada dia. Edson Pereira

Amanda disse...

Sei que voce quis chamar atenção para os autoritarismos que nos submetemos e nem nos damos conta.

Mas, estou tão indignada ao perceber que ainda hoje existem povos que não tem liberdade nem de sair dos seus países, de falarem o que pensam, que nem podem ter a imprensa como porta voz, que vivem ainda à mercê de regimes ja comprovadamente inviáveis, que me fixei na parte do seu texto onde fala que todos estes tiranos ccomeçam suas suas "pseudo revoluções" com o discurso da liberdade.

Anônimo disse...

Oi Alice, leio seu Blog e embora não o comente ele mexe muito comigo.
Às vezes me incomoda com seus textos francos, às vezes me emociona(por que não tenta escrever poesias?) mas, tudo que leio me faz refletir.
Voce conseguiu criar um espaço onde se fala tudo que não é falado nas conversas entre as pessoas mas, tenho certeza que voce cosegue atingir muita gente com suas "viagens". Seus colaboradores são ótimos! Tem um garoto que é um arraso.Com certeza será um grande jornalista ou um escritor.

Enfim, estou escrevendo para lhe dizer que lhe leio sempre e quando consigo chegar até voce, me emociono muito.

Continue

Fernando Trovador disse...

ALice

Ninguem pode presentear alguem com a Liberdade. Cabe a cada um de nos lutarmos por ela para finalmente, ganharmos as asas que necessitamos para voarmos para onde quisermos.

Nao vou mais elogiar teus textos, e este menos ainda.

Apenas aplaudo

Fernando Rodrigues