segunda-feira, 6 de abril de 2009

RETROCESSO


A brilhante jornalista Mirian Leitão desviou o foco da sua especialidade – Economia – para fazer um balanço sangrento do mês de março, quando “comemoramos” o Dia Internacional da Mulher. Seu brilhante texto comenta e oferece dados de um verdadeiro “serial killer” que vitimou mulheres, de todas as idades, em todo o Planeta.

“Mas, se é fácil discutir políticas públicas para vencer o poderoso inimigo da desigualdade, é paralisante o tema dessa vasta violência praticada em todos os países, em todas as culturas, em tantas casas contra meninas e mulheres que não conseguem se defender”

O que mais me chamou atenção num parágrafo do texto transcrito acima foi o termo “paralisante”. Esta palavra me deu a dimensão da tragédia existencial em que vivemos mulheres e homens.

O que é relatado pela imprensa, o que é denunciado nas delegacias e em todo o mundo, para mim, é apenas a ponta de um iceberg. Gélido como é da sua natureza, mas, manchado, não só de sangue como também com as nódoas da angústia, do medo, das pressões, das torturas psicológicas e, principalmente, do silêncio das vítimas.

O que me preocupa nos sofrimentos infligidos às mulheres, são os que se abrigam na sombra do seu cotidiano. É o que acontece nos bastidores, entre as quatro paredes dos seus mundos, colocando-as como reféns de sua própria vergonha, da sua covardia, do seu comodismo, dos seus medos, das suas impossibilidades econômicas, da sua maternidade ou do percurso da sua história através dos tempos.

Sabemos que muitas de nós sofrem porque quer (?!). Está bem, somos neuróticas e dependentes e quando instruídas e informadas, talvez também oportunistas. Se nos deixamos oprimir isto agrava o quadro e perpetua o sintoma, pois, independente do nível sóciocultural, permitimos a opressão. Temos uma lei específica que nos protege - viva Maria da Penha! - mas, não raro, voltamos às delegacias e, ainda marcadas pela violência recente, retiramos queixas e retrocedemos para nosso calvário.

Outro aspecto tão importante quanto grave é a natureza camaleônica da violência ao camuflar-se de formas sutis, sub-reptícias, muitas vezes mascaradas de cuidados, conforto, “segurança”, chantagens emocionais, modelos estereotipados de família e conceitos equivocados de felicidade.

É uma luta desigual e paralisante, como tão bem adjetivou a Mirian Leitão, porque e principalmente, o inimigo infiltra-se entre vitimas e algozes. Está impregnado em nossa cultura, seja ela de que origem for. Sempre haverá um atalho que nos vitime.

Incorporamos o estigma de que desconhecemos nossos próprios desejos, como se fossem monopólio do universo feminino, as indefinições, as buscas de interesses e os sentidos de existir, a subjetividade. É neste pilar preconceituoso e equivocado, que os homens ancoram argumentos que tornam distantes qualquer previsão de entendimento e abissal a profundidade das nossas diferenças.

No mundo atual, onde o que é diferente não é tolerado, a “lei do mais forte” que no mundo dos animais irracionais é usado em pró da sobrevivência, nós racionais, usamos para destruir-nos.

A violência contra a mulher, da mesma forma que atravessou os séculos, com igual fúria, invadiu os primeiros dias de abril que continuaram igualmente sangrentos e “esquizofrênicos”

O pior de tudo é que, independente da dramaticidade da estatística agravar-se a cada dia, perdemos todos. Não acredito, salvo raros casos de psicopatia comprovada, pois quem domina, tortura, mata, pressiona, chantageia, encarcera, desrespeita, seja feliz, saudável ou acredite seja esta a melhor forma de viver.

Há alguma coisa errada com a saúde mental da humanidade. Não! Esta conclusão nem é obvia nem é um clichê! Viemos ao mundo para ser felizes, independente da consciência da inevitabilidade do sofrimento. Temos ainda a nosso favor, o desejo atávico de perpetuar-nos. Por que insistimos em retroceder? Por que não nos aliarmos em vez de nos exilarmos uns dos outros? Tanto homens quanto mulheres vivem presos a modelos que os emparedam e os aprisionam nas suas próprias infelicidades. Quanto mais nos fragilizamos mais embrutecemos quem nos fragiliza. Ser rude, irracional e solitário não é próprio da condição política do homem.

Nem pretendo ser conclusiva, muito menos, tenho respostas para as perguntas que me ocorreram fazer neste momento. Minha única e humilde intenção é, como a Mirian Leitão, considerar-me derrotada. Ela, por se ver obrigada a deixar de falar do assunto que transita com brilhantismo para constatar a triste realidade das companheiras de gênero e eu, na difícil, espinhosa e pretensiosa missão, de aliar-me a seu grito de horror.

p.s. a cônica de Mirian Leitão que motivou este texto, intitula-se Derrotas de Março


ALICE ROSSINI

4 comentários:

Vitória Régia disse...

Alice, fiz um comentário do seu texto hoje pela manhã mas, parece que não foi salvo. Muito bom, como todos os outros. Identifiquei-me na trágica atualidade do tema - violencia contra a mulher - pois ha algum tempo esta estatistica tem me incomodado muito. Reconhecer nossa parcela de culpa e generalizar a patologia, foi muito lucido da sua parte.
Parabens!

Anônimo disse...

SOU HOMEM E CONCORDO QUE ESTAMOS TODOS DOENTES! ADOREI O TEXTO E OS ASPÉCTOS QUE ABORDOU. AINDA NÃO TINHA PENSADO "POR AÍ". MAIS UMA VEZ, PARABENS. ALIÁS, NÃO É MAIS SURPRESA SUA CLAREZA E LUCIDEZ.

Thiago Rossi disse...

Tia Alice,

Adorei seu texto. Concordo com tudo e acho que não adiantam leis protecionistas se as mulheres não forem firmes em manter suas denuncias e se darem o valor intrinseco ao seu papel na evolução da humanidade

Ricardo Barreto disse...

Alice


Parece-me que as violências retratam o desespero da nossa espécie diante de suas próprias fragilidades... logo nós que, segundo Nietzsche, aprendemos tão bem a nos esconder atrás da dissimulação do intelecto! Só seres frágeis poderiam se pensar poderosos através da dissimulação e, quando essa falha, tentamos lutar com os chifres e garras inexistentes. Haja desespero!