quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A FAXINA

Ela rasgava aqueles papéis como se fossem a última coisa que ela gostaria de ver na vida. Jogava aquelas caixas cheias de coisas no lixo do mesmo jeito que uma pessoa vomita o jantar do dia anterior. E aquelas bugigangas eram todas estraçalhadas antes de serem entulhadas no grande saco plástico. Minha tia sabia que se ela não deixasse todas aquelas coisas num estado deplorável, eu iria catá-las de volta quando estivessem na porta da casa esperando pelo caminhão do lixo. Por isso, havia a necessidade de destruí-las por completo antes de mandá-las para o esquecimento Mas aquelas não eram coisas que mereciam ser rasgadas, amassadas, partidas, quebradas nem esquecidas. Aqueles eram os vestígios de minha infância. O que incluía fotos, rabiscos, brinquedos, roupas temáticas, adesivos, papeis de bala, revistinhas e qualquer outra coisa que já estivesse mofada o suficiente para, segundo a minha tia, não servir mais.

É óbvio que ninguém gostaria de guardar a nota fiscal de uma compra feita há anos atrás ou um trabalho escolar da época em que os professores ainda castigavam os alunos com palmadas. Mas, mesmo que tudo aquilo fosse considerado um monte de tralha inútil, eram os meus registros do passado e tinham o seu valor. Não mereciam ser jogados no lixo como se fossem uma fralda suja... Por mais que tudo já fosse tão antigo que o próprio tempo já os havia dilacerado, estavam ali as minhas memórias. Uma manchinha numa foto trazia um recordação, uma página rasgada de um livro fazia-me relembrar de algum fato e um brinquedo cujas lembranças me faziam pensar em como era boa aquela época

Mas minha tia não tinha a menor compaixão, ela rasgava as pilhas de desenhos que fiz, quando criança, a sangue frio. Partia os brinquedos ao meio e socava tudo o que encontrava de antigo no saco de lixo. Tudo isso para que eu não tivesse chance de recolher mais tarde. Ela mais parecia um animal destruindo minhas lembranças... É, daí que eu passei a odiar faxinas.

RAFAEL NEVES, estudante, 15 anos

9 comentários:

Alice Rossini disse...

Rafa,

sempre achei que faxinas eram coisas pessoais porque muito perigosas. Como determinada pessoa vai saber que um papel velho, contendo um rabisco pode representar a decisão mais importante das nossas vidas? Também sou como voce, guardo embalagens de bombons, bilhetinhos, entradas de teatros e outras coisinhas que de insignificantes não tem nada, pois falam do que vivi.

Por isso sei o que sentiu ao ver parte da sua existência sendo tão ferozmente destruida. Mas, querido, nunca ví ninguém fazer um protesto de forma tão bonita, usando metáforas tão pertinentes e com construções tão maduras.

Seu texto confere ao meu BLOG a qualidade que espero dele, tanto em termos gramaticais quanto a missão de levar as pessoas a pensar e valorizar as coisas simples da vida.

Parbéns! Fiquei emocionadíssima!

Vitória Régia disse...

15 anos e já escreve desta maneira! Incível o texto e como se identifica com qualquer um de nós.

É esta sensação que sentimos quando jogamos coisas nossas que nos trazem recordações. Que sensibilidade! Estou encantada! Um escritor nato. Tira elementos do dia a dia, coisas que ninguem pensa e transforma num texto tão forte e emocionante!

Parabens Rafael!

Penha disse...

Muito bom ver que um adolescente ja sabe que existem objetos, cujos significados, independente do valor e utilidade, são importantes. São testemunhas silenciosas das nossas histórias, das nossas escolhas.

Imagine quantos "pedaços" de "insignificâncias" ja foram rasgadas e contariam a história das vidas de gênios da arte, de decisões politicas importantes, mudanças de destinos nossos e de pessoas que nem conhecemos e que inteferem nas nossas.

Contine assim, Rafael, atento a tudo, por mais insignificante que lhe pareça.

Belo texto, parabéns!

Marco Rossini disse...

rafa

rapaz, voce ta escrevendo como gente grande, viu? fantástico seu texto. voce tem uma percepção de pequenos detalhes digna de um futuro grande escritor.
parabens!!!!!!!!!!!!!!!!!

IZABEL disse...

Rafa,

Amei o seu texto... Faxina sempre é um momento de “mergulho”!! Mergulho nas nossas histórias... Sempre faço isto... É um momento dolorido, mas tb prazeroso...

Parabéns pelo belo e profundo texto!!!

Beijinhos e vá em frente!!

Bel

Cecília Fraga disse...

Este indo texto de uma quase criança de 15 anos, toca a todos que o lê. Fazemos faxinas de coisas e de formas de pensar. Todas duas podem ser dolorosas mas também podem cerder lugar à coisas maravilhosas.

Não se preocupe Rafael, terá muito tempo para acumular lembranças. As realmente importantes ninguem poder tirá-las de voce

Ricardo Farias disse...

RAPAZ, SE VOCE COM 15 ANOS ESCREVE DESTA MANEIRA, IMAGINE DAQUI A 10 ANOS! EXCELENTE SEU TEXTO, ADOREI. TANTO A FORMA QUANTO O CONTEUDO.

MULHERES, PRINCIPALMENTE, QUANDO RESOLVEM JOGAR COISAS FORA, NÃO IMAGINAM A IMPORTANCIA DO QUE CHAMAM DE "QUINQUILHARIAS" PARA NÓS.

RESULTADO, DESTROEM NOSSA MEMÓRIA.
MUITO BOM.

Selene May disse...

menina , q sobrinho escritor maravilhoso é este, hein?
parabéns pelo lançamento!
bjs,
seus textos estão TODOS MARAVILHOSOS !

Anônimo disse...

Rafael, li o que voce escreveu no
blog de Alice. Fiquei bastante feliz.O que voce relata e a pura verdade. Eu tambem gosto de guardar velhas lembranças com papeis e fotos amareladas, e como se estivessemos voltando ao passado.O que mais me fascinou foi esse assunto sair da cabeça de um HOMEM de apenAS 15 ANOS . Continue, filho, voce vai longe.
PARABENS. Gloria