domingo, 6 de fevereiro de 2011

FELICIDADE FABRICADA

Chegou o verão. Ninguém, minimamente equilibrado, deixa de festejar a chegada da estação do sol. Embora, no sudeste e no sul, a água tenha sido a protagonista principal, ceifando vidas, mudando a geografia e apagando a memória das familias pela destruição de suas casas, deixando rastros fragmentados de passado. A natureza em fúria cobrando sua fatura. A Bahia, especificamente, Salvador, é poupada da força destruidora das águas e ai de quem não ficar eufórico, não estiver bronzeado pelos raios solares, com qualquer teor de malignidade para a saúde, ou de quem não tiver um bom motivo que consiga superar a euforia contagiante do carnaval e das festas que o precedem.

Os que não se inserem no “Bloco do prazer” são os sacrílegos. Os eremitas, os anti-sociais, os que deixam a vida passar. São os que não valorizam a alegria e desconhecem as inúmeras formas de reverenciá-la. Assim como os que não adotam os parâmetros oficialmente reconhecidos de como é o “jeito certo de ser feliz” e como "saber divertir-se", rotulam os que vivem suas vidas de forma independente, pessoal, mais crítica ou reflexiva, como “pessoas de mal com a vida”. Inferências impregnadas de preconceito, ignorância e falta de consciência do quanto as diferenças entre os seres são necessárias.

A qualquer desatenção, a diversão vira uma regra pétrea. Enquanto a normalidade, a rotina apaziguadora do sentar-se à mesa com a família e compartilhar um prato de sopa ou diante do computador e enviar mensagens aos amigos, o fechar a porta do quarto e ir mais cedo para o aconchego de suas camas, tornam-se ações carregadas com o peso da obrigação, com o gosto amargo dos remédios, com o cheiro do tédio que mofa as coisas que achamos, equivocadamente, podem ser substituídas pelas “novidades”.

Certamente, alguém está mentindo e muitos outros sendo cruéis ao desconhecer que a vida de todos é feita de altos e baixos e há uma dissonância entre as emoções dos que convivem e interagem. É o que comemoram os balanços da Industria Farmacêutica e gritam as estatísticas policiais, apontando para um consumo desenfreado de antidepressivos, ansiolíticos e outras drogas, lícitas e ilícitas, que facilitam a fuga da realidade.

É difícil um equilíbrio entre alegria e tristeza determinado pelas nossas insatisfações e pelas circunstâncias que a vida nos impõe. Mais difícil ainda, não ser seduzido pela indústria do prazer e pelo aconchego das correntes de calmaria “química” ou, se nos sentimos infelizes, nos entregar às nossas angustias.

Como a minha, a sua e de uma grande maioria de vidas é feita de coisas normais. Ninguém suportaria viver só de festas e excitação. O que achamos seja a felicidade do outro, inseguros que somos e sempre a ponto de levantar nossas âncoras para aquele estilo de vida que nos fascina poderia nos roubar o equilíbrio.

Esquecem-se os frenéticos, que a vida também desvia seu curso para nos pregar peças desagradáveis e aquela rotina que demonizamos, pode virar o sonho dourado. A calma e o silêncio da casa do vizinho começam a penetrar nossos ouvidos com a força de uma sinfonia de Beethoven ou como uma possibilidade de paz e normalidade. Ao tempo em que sua grama começa a possuir o viço da nossa, na primavera, suas flores desabrocham com a vitalidade e beleza semelhantes as que habitam nossos jardins.


ALICE ROSSINI

7 comentários:

GLORIA disse...

ALICE. GOSTEI MUITO DA SUA COLOCAÇAO SOBRE FELICIDADE. NA REALIDADE A FELICIDADE DEPENDE UNICAMENTE DE NOS MESMOS, DO QUE GOSTAMOS E NOS SENTIMOS BEM. FELICIDADE NAO E UMA REGRA IMPOSTA
PELA VIDA E UMA ESCOLHA PESSOAL.
PARABENS. GLORIA

Penha Castro disse...

Voce tem toda razão. Escreveu o que sinto e teho até vergonha de falar. As pessoas não entendem que o fato de voce não entrar no tal "bloco" não significa que voce não encontra outros prazeres. Hoje, até o prazer é massificado, tem que ser igual ao de todo mundo. Conheço muitas pessoas que são felizes com seus livros, indo a peças de teatro, museus, comprando obras de arte e ouvindo as musicas que gosta, como conheço muitos infelizes que vivem na balada nem perdem um evento.
Ser feliz é ter liberdade de fazer o que gosta.

Luiz Augusto Vaz disse...

Minha Querida Alice.

Chamar o período carnavalesco de hoje no Brasil de alegria,diversão,é incompetência de avaliação e estar desligado da Realidade.O que vemos nos referidos festejos são cenas degradantes de orgia e sexo em via pública,com o beneplácito da sociedade,e liberação de drogas,bebidas,desajustados livremente fazendo o que lhes vem à cabeça.Sodoma,Gomorra e cidades do império romano seriam conventos se podessem retornar com suas orgias

Beijão.

Anônimo disse...

Eu imprimi seu texto e pretendo passar na cara de um monte de pessoas que estão mergulhadas em problemas e fogem deles "fazendo de conta" que estão felizes. Vivem o dia todo fazendo teatro e o papel de Poliana.
Obrigada pela chance que me deu de poder explicar a elas as diversas formas de prazer e como eles são sentidos pelas pessoas
Parabéns pelo texto. Leio todos

RICARDO FARIAS disse...

ENTENDO O QUE VOCE QUIS DIZER NA SUA CRÔNICA. MAS, ALÉM DAS PESSOAS SE ENTREGAREM À PRAZERES PARA ACOMPANHAR A ONDA, NAO SE SENTIREM DIFERENTES, EXISTE, TAMBÉM, UMA CULTURA QUE É DA BAHIA, ONDE FAZER FESTA ESTÁ IMPREGNADA NO COMPORTAMENTO DAS PESSOAS. SÓ QUEM É MUITO MADURO E ESCLARECIDO CONSEGUE FAZER O QUE GOSTA.
VOCE DISSE O QUE QUIS, COMO SEMPRE, DA MELHOR FORMA POSSÍVEL.

Anônimo disse...

Sinto tudo o que voce escreveu mas não posso falar nada.Todo final de semana é um evento. Camarote já compraram e eu que diga que preferia ir passar o carnaval numa praia ou até aqui, que fica mais tranquilo.Estraga prazeres é o minimo de que me acusam.
Vivo sendo acusada de inimiga da alegria e querem que me compare com os doentes que não podem participar de nada. Um horror!
É bom saber que tem alguem que compreende que para se divertir, basta fazer o que quer, ou não fazer o que não quer(risos)
Adorei!

Aparecida Matos disse...

É impressionante como a maioria das pessoas que conheço são usuárias de antidepressivos e outras drogas.Ninguem quer se dizer infeliz porque hoje significa fraqueza e unsucesso. E o mundo está todo organizado para so absorver os alegres, saudáveis e bem humorados.Como se a vida de todo mundo fosse um mar de rosas.
Seu texto chama atenção para um problema que já é umaa bola de neve.Muita gente infeliz sustentada pela quimica.