terça-feira, 20 de agosto de 2013

POR QUE, NÃO?


Vi pela televisão uma reportagem, que falava de um artista que mudou a fachada das casas da rua onde mora, em Buenos Ayres. Começou revestindo a sua com mosaicos, cujo caminho estético evidencia sua privilegiada intuição. A princípio os vizinhos estranharam a atitude, e nela, a ousada combinação das cores e a liberdade dos traços que brotaram, livremente, da cabeça do seu morador. A fuga dos padrões gerou respostas positivas, ao tempo em que causou estranheza, provocando emoções controversas.

Seria esta a função da arte, inquietar, a ponto de ser negada ou aceita? Também. Não raro, entre a primeira e a segunda postura acontece a polêmica, a discussão, a reflexão, estas, sim, mais úteis, construtivas e libertárias que a unanimidade, comodamente instalada na polaridade de posições, onde pode aninhar-se a liberdade de quem a contempla. Há que deliciar-se da generosa e santa vaidade do artista que expõe o que, dentro de si, não se contém e transborda.

Pergunto-me em circunstâncias diversas, o que seria do mundo sem a arte, vazio destas pessoas que dedicam suas vidas a perguntarem “por que não?”. Certamente monótono, insípido, incolor, já que movimento e cor são inerentes a tudo que vive. Embora existam pessoas desatentas ou desinteressadas, estas características subjazem ao simples fato de existir, fazendo-se notar em tantos níveis quanto às diversas formas de enxergar.

A loucura contida neste eterno perguntar-se está presente em todo ser humano. Entretanto, as diferenças, os contextos onde histórias pessoais foram vivenciadas, potencializam ou neutralizam esta característica, levando algumas pessoas a fazerem o que acham que deve ser feito, outras sentirem-se obrigadas a fazer o que os outros acham o que devem fazer, e algumas, que nem acham nem fazem.

As primeiras, livres, fazem das suas vidas um eterno modificar-se. Modificando-as, modificam o mundo para melhor ou para pior. Emprestam-se aos sacrifícios da ansiedade de viver, sabendo o quanto cada momento é tão fundamental quanto fugaz. A impermanência, imanente ao Todo, tudo modifica a cada milionésimo de segundo, se considerada a medida convencional do tempo.

As segundas engessam a si e acham que têm direito de imobilizar o outro. O preço a pagar, pode ser alto, para os que tiverem a ousadia de arrebentar as correntes que as aprisionam.

As últimas nada fazem. E nada fazendo, tornam suas vidas uma rotina de obviedades, incomodadas com a ousadia das que não temem o “por que não?”.

Não precisa ser artista, visionário ou insano para modificar o cotidiano, reinventando-o e entregando-o à sua própria dinâmica. No “sim” ou no “não” permitimos ou sufocamos, não necessariamente nesta ordem, o “consagrado” pelas convenções. Sua simples pronúncia modifica o que pensamos, falamos e fazemos e, até como escolhemos onde e como vivemos.

As cores com que pintamos nossas casas ou as que cobrimos nossos corpos podem refletir tanto a calmaria do comodismo, como espelhar o caos, embrião de uma comunhão com o conceito humano de equilíbrio com o Universo, e tudo que dele faz parte: dos mistérios do Infinito à importância que damos a cada Molécula que compõe os seres. A busca vã do equilíbrio é, também, a negação da expansão da vida, que sobrevive da interferência do seu contraditório, o desequilíbrio.

Diante de tantas catástrofes naturais, sabendo que nosso planeta é representado como um pequeno ponto, se comparado a outros que gravitam no sistema solar vive à mercê de uma possível, embora improvável instabilidade, que poderia provocar um choque contra o sol e nos destruir, calcinados, leva à reflexão sobre nossas insignificantes preocupações. Penso, então, na possibilidade do caos estar fora e dentro de nós. A realidade sinaliza que sim.

A sabedoria da vida é fazer deste caos interno um caminho. Onde a luta entre equilíbrio e desequilíbrio, a constante desconstrução do que hoje é certo, amanhã, mais um equívoco, o natural estado de busca, a aceitação de que a inquietação tem poder de abalar inúteis paradigmas, onde acomodamos o conforto do estável.

Exercitemos a liberdade e o despojamento de perguntar-nos “por que não?”, sempre que a vontade acontecer.

Alice Rossini

12 comentários:

Aparecida Matos disse...

Quanta sensibilidade! Isto que diferencia o escritor das outras pessoas, a atenção à tudo que o rodeia. Qualquer fato ou noticia pode se transformar numa reflexão bonita e tão profunda.
Parabéns!

RICARDO disse...

MUITO BOM SEU TEXTO. FÁCIL DE LER MAS DIFICIL DE COMENTAR. SÓ SEI DIZER QUE LI NUM NUM "BATE-PRONTO"

Karina disse...

Muito boa sua análise do que acontece no mundo de hoje. A ditadura de uma maioria medíocre, sem criatividade, sem coragem para ousar, criticando quem tem, excluindo-os como se fossem loucos, "exóticos"ou, pejorativamente "artistas".

É bom saber que existe gente atenta para estas pessoas, cujas vidas, são iguais a de todo mundo.

Anônimo disse...

Mais um texto excelente

Penha disse...

Super interessante o ponto de partida do seu texto:um artista que modifica a cara da sua casa, e esta simples atitude contagia os vizinhos.

Tem razão quando dá à Arte o poder de levar o homem além dos seus limites, a ser livre e não ter medo do desconhecido.

Este texto é para ser lido várias vezes porque, embora tenha uma unidade, cada parágrafo contém vários aspéctos que podem servir para muitas relexões. Como sempre, aliás(risos)

Rose disse...

O inicio do texto é uma surpresa quanto aos rumos que ele toma. O final é excelente e o conjunto uma otima relexão sobre nossa relação com as nossas vontades.
Excelente. Achei um pouco longo, mas entendo que foi necessário

Maria Amélia disse...

Este BLOG foi uma grande "dica"! Os textos sao interessantes, atuais, profundos e com linguagem acessível à qualquer pessoa. Este, além de original, fala que a Arte tem a capacidade de levar as pessoas a ousarem nas suas atitudes,além de destruir preconceitos e terem coragem para assumirem sua individualidade.
Parabéns, estou lendo os outros textos e estou adorando!

Izabel disse...

Irmã,
Estes seus textos são um alento... Um bálsamo... Uma trégua no meu cotidiano...

Cada vez mais reforço a minha crença de que a DIVERSIDADE (não as diferenças) contribui para o diálogo entre pessoas – ampliando convergências e aproximando relações.

Amo-te muito.

Beijos,
Bel

ZEUS disse...

Assisti a reportagem que voce comenta.Mais uma vez voce consegue mostrar os problemas do mundo, através de fatos simples, que para outras pessoas, passam sem nenhuma importância. BLOG`S como o seu fazem a diferença.
Parabéns

Ana Lucia disse...

Muito bom texto, claro e atemporal, já que o ser humano é preconceituoso, tem medo do novo e exclui o diferente, ainda que esta diferença tenha a Arte como resultado.
Equanto formos assim, vamos valorizar as coisas, cujo valor, esteja sempre ligado ao dinheiro e ao poder.
Ser simples e criativo é ser diferente. Ser diferente é "pecado"

Patricia Bahia disse...

Você vê coisas e diz:
"Por que?" Mas eu sonho
coisas que nunca
existiram e digo:"Por que,não?"

Anônimo disse...

ERRATA: A mensagem acima, enviada por Patricia Bahia, é de autoria de
Robert Kennedy