segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O TETO DO MEU QUARTO

O teto do meu quarto é um verdadeiro telão. Nele, assisto a espetáculos, cujos roteiros, ou nascem do infinito dos meus desejos ou da penumbra de esconderijos, onde poeiras providenciais cobrem alguns fatos com as nuvens do esquecimento. Os motivam ainda, a realidade imprevisível dos meus dias.

Não existe uma imagem ou um roteiro que não guarde a veracidade das vivências ou a virtualidade dos sonhos. As personagens, reais. Muitas, amadas. Poucas, indiferentes. Mas todas importantes.

Desta mistura de cenas que muitas vezes parecem oníricas ou vindas de nichos nunca d’antes visitados, percebo o quanto a vida é rica e pode ser desafiadora. Porque no quadrado cinematográfico em que se transforma meu teto não existe censura. Todos os meus demônios têm pleno direito de atuarem como coadjuvantes, personagens principais, diretores e roteiristas de histórias que só são vividas no libertino telão.

No meu cinema particular e imaginário não existe nem o bem nem o mal. Nem certo nem errado. Neste espaço quadrado e limitado por paredes, paradoxalmente, a liberdade é total. Nele a vida acontece, simples e naturalmente.

Nele tudo é possível; como voar sobre campos, cidades e oceanos, até poder pousar junto a pessoas que estão, por alguma circunstância, distantes. Visitar lugares onde o desconhecido me instiga e o exótico me atrai. Voltar a cenários onde senti que a felicidade era um sentimento permanente e eterno.

Entretanto, muitas vezes, a vontade, ainda que estranha, é a de rastejar. Porque nem sempre voar é o desejo, muito menos a necessidade. Rastejar é preciso. Enxergar a vida de perspectivas outras. Degustar e sentir o gosto amargo das camadas mais inferiores e mesquinhas dos sentimentos humanos. Para alguns, experiência humilhante, para outros, instigante, necessária, transformadora e libertária. Compartilhar do cálice transbordante da angústia dos que sofrem e choram, muitas vezes dão ao nosso riso a razão que precisam para perderem o egoísmo da indiferença.

Ah! Quantas vezes o impulso do arrependimento me flagra desprevenida, querendo que cenas reais tivessem sido escritas de forma diferente. Logo me dou conta da inutilidade do desejo. Fossem os escritos diferentes, os personagens seriam outros, a história seria outra, eu seria outra. E a outra que eu seria, nem conheço. Portanto, mais um desejo, além de inútil, perigoso.

A taquicardia, a excitação, as faíscas que teimem em brilhar nos meus olhos sonolentos, lembram-me que tetos de quartos, além de proteger tem a missão de nos ensinar que sonhar, mais que um dever, é uma necessidade. Que mantenhamos a crença que milagres acontecem que ousadia é virtude e que o sentido de viver é, somente, o viver.

E, nas florestas imaginárias dos nossos sonhos existem gnomos, duendes e todos os seres encantados que se escondem na mata.

E eu preciso acreditar neles!

ALICE ROSSINI

10 comentários:

Marco Rossini disse...

a vantagem de ser o teto do seu quarto é que quando voce aterriza me encontra no final da pista, ali, juntinho de voce.

Alice Rossini disse...

Saber que está sempre ali, juntinho de mim, me dá asas para voar cada vez mais alto...rsrs

beijosssssss

Marco Rossini disse...

errata:
voce pode até aterrizar mas é melhor aterrissar. errei o verbete

Ricardo Farias disse...

VOCE É REALMENTE UMA PESSOA MUITO ESPECIAL. ESTA CONSTATAÇÃO NÃO É "CONFETE". É UMA CONSTATAÇÃO OBJETIVA. ALGUEM QUE FAZ DO TETO DO PRÓPRIO QUARTO UMA CRÔNICA TÃO BONITA E VERDADEIRA É CAPAZ DE MOVER MONTANHAS COM A CEBEÇA.

FIQUEI IMPRESSIONADÍSSIMO!

IZABEL disse...

Alice,
Este seu texto, além de ser lindo, com utilização de belas e profundas metáforas, é de uma riqueza fantástica. Poderia ser usado como “disparador” em estudos acadêmicos, onde seriam discutidos e estudados muitos conceitos da psicologia Junguiana, começando com os “símbolos”.

Os símbolos são expressões pictóricas, são retratos indistintos, metafóricos e enigmáticos da realidade psíquica. São vistos como uma “invenção” do inconsciente em resposta a uma problemática consciente, daí o seu significado estar longe do óbvio, pois só mediante análise, reflexão e estabelecimento de conexões, eles ganham significados.

Fui lendo o texto e viajando nos seus símbolos, daí pude confirmar a importância de continuarmos sonhando.

Beijinhos,
Bel

Penha Castro disse...

Alice,

Buscar no teto do quarto a justificativa e a motivação de sonhar, mais que uma metáfora é uma forma criativa, poética e de uma profundidade desconcertante.

Num mundo tão voltado para o prático e o útil, pessoas como voce são necessárias, pois nos tiram da mesquinhez que, muitas vezes, envolve nosso cotidiano.

Cada dia mais, me torno sua fã.

beijos

Fernando Trovador disse...

Alice

Amiga; Todo o mundo escrevendo lindo para lhe parabenizar...
Eu vou no popular mesmo:
Voce e FODA.
Vai escrever bem assim la na casa do Luis Vaz de Camoes!
Feliz Solesticio de Verao
Beijinhos

Mariana disse...

Muito bem dito Fernando, ela é F... mesmo. Tanto que hoje, olharei o teto do meu quarto como uma tela cheia de possibilidades.

Alice, voce está cada dia melhor!

Parabéns!

Amanda disse...

Adorei! Criativo, verdadeiro (todo mundo olha para o teto do quarto e imagina n coisas) e comovente.

Parabéns!

Rozie Baiana disse...

Belo texto.
Belo também o do Fernando.
O blog tá ficando, cada dia melhor, e mais ainda: se mantém republicano e democrático.

beijos e bom Natal!