quinta-feira, 29 de outubro de 2009

FILHINHO DE PAPAI

Um dia destes, dentro de um taxi em São Paulo, escutando uma rádio local, ouvi uma reportagem sobre algumas "traquinices" perigosas feitas por um grupo de garotos. Se tratava dos famosos "pegas" de carros e coisas de porte suficiente para pôr em risco, não só a vida deles como a vida de quem não tem nada a ver com isso. Tudo bem, isso é errado e alguem, com responsabilidade, tem que acionar um sistema de segurança que anule qualquer possibilidade para esses garotos, e os nem tanto, não terem opção para exercerem tal atividade.

Mas, o caso nao é esse. Nao estou aqui para tentar persuadir pessoas a não fazerem o que não devem em detrimento de sua própria vida ou segurança, ou até mesmo, da de outros. O fato é que havia um vereador “progressista” da Câmara de São Paulo sendo entrevistado e, contínuamente, usava a expressão “filhinhos de papai” de uma forma intensa, inutilmente repetitiva no contexto da entrevista e pejorativa. Sempre em função de outras expressões tais como: “povo”, “excluídos”, “revolução de classes”, “os pobres e os ricos”, “reacionários”, e algumas mais que nem vale a pena mencionar.

Que tem de tão grave para um indivíduo ser criado como o filhinho de papai ou mamãe? Por acaso esse não é o ideal de toda sociedade evoluída: que cada criança nasça, cresça, se desenvolva, viva e se divirta tendo um pai e uma mãe ao seu lado, que os atenda, os ame, os vigie, os apoie em suas escolhas, cuidando-os e educando-os?

Que querem dizer com isso de "serem filhos de papai e mamãe", pronunciado num tom critico e jocoso como que antecipando uma desgraça? Será uma maneira de (des)classificar essas familias estáveis, amorosas e trabalhadoras? Acaso os garotos(as), ricos, meio ricos, meio pobres e pobres em geral que têm a sorte de ter um pai e uma mãe juntos, ou um pai separado da mãe, prósperos, estáveis, responsáveis e que os cuidam porque os amam e são responsáveis, têm que baixar a cabeça envergonhados, como se, na realidade, fossem filhos de proscritos pela sociedade?

Ou esta nova sociedade renovada, a que muitos chamam de nova realidade social brasileira, prescreve o amor, a prosperidade, a estabilidade e a responsabilidade? Ou, somente se é filho de papai quando as rendas familiares excedem uma certa cifra? “O meu filho não é filhinho de papai porque anda de metro ou ônibus e tem um empreguinho para pagar as suas coisinhas”! Se é assím, de quem esse garoto(a) é filho(a)? Quem o(a) criou?
Temos que esperar um artígo na Constitução fruto da nova verdade social apregoada aos quatro cantos do País que diga: "Nenhuma criança tem o direito, sob nenhum conceito capitalista, a ter pai, mãe nem ninguém responsável que exerça essa reacionaria função de velar pelo seu bem-estar"? Se considerará reacionário e capitalista ter um lar feliz e próspero? E, me perdoem que insista com a tal "prosperidade" mas, é que me dá a impressão de que tudo o que cheire a melhoría social individual, ao atual governo, lhe dá "formigueiro" na barriga.

Será que, para “a nova realidade social” brasileira, pais que ofereçam aos seus filhos educação completa e diversificada, alimentação, teto (com suas quatro paredes, banheiro e chão de alvenaria), amor, proteção e diversão, são da oposição? Ou pior ainda, será que são desestabilizadores da nova realidade social, cujo principal propósito é levar a toda a população à vivenciar um "maravilhoso" estado de pobreza ou a indigência coletiva, afectiva e intelectual? Ou, ao contrário, que ninguém possa aspirar a uma solução habitacional, trocar o ônibus por um carrinho em segunda mão? Ou, ainda, jamais viajar nas férias porque ser rico ou remediado é mau e, em consequência, ser pobre não só é ser socialmente correto como também nos define como “progressistas”!

Será que é por isso que se faz "vista grossa" á criminalidade? Para que, com a expansão da mesma, se permita aos PODRES de todo o tipo, se assenhorarem da sociedade em geral, mascarando-a assim, de uma revolução de classes?

FERNANDO TROVADOR

domingo, 25 de outubro de 2009

A ARTE SALVA

Sempre ouvi falar em projetos de inclusão social e vejo, com especial interesse, alguns maravilhosos exemplos, através da televisão e relatos de pessoas que deles participam. Admiro todos e, mais ainda, quem os executa. Aliás, invejo-as pela generosidade de saírem das bolhas dos seus mundinhos pessoais e irem ao encontro de tantos quantos precisem do seu auxílio.

Recentemente, tive a felicidade de assistir, na celebração pelos 40 anos da Tribuna da Bahia, uma orquestra formada por crianças entre 5 a 17 anos que viviam em risco social, num bairro popular de Salvador. Mais uma iniciativa vitoriosa de abnegados cidadãos, que colocam seu saber, seus dons e suas habilidades a serviço da sociedade.

Mais ou menos vinte e cinco violinos, acompanhados por um instrumento de percussão, um órgão e alguns violoncelos foram suficientes para que as estrelas que compunham o nome do grupo musical enfeitassem a Ode à Alegria, de Bach e auxiliasse a Asa Banca, de Luis Gonzaga, a voar para mais além.

O som angelical e onírico ecoava na sala e preenchia, de sentimentos vários, todos os corações que lá pulsavam. Estava à disposição, para quem receptivo estivesse, um das mais carinhosas e poderosas formas de transformar o banal em raro, a euforia em felicidade, a apatia em esperança, a tristeza em melancolia, a revolta em ação ou a saudade em mais saudade.

A arte além de ter o dom de encantar tem, também, e, sobretudo, o poder de salvar o homem da mediocridade do cotidiano, dos seus sofrimentos, das suas perplexidades. Possibilitando a transcendência, burila a sensibilidade. Sensibilizado, aguça a vocação para a justiça e para a fraternidade.

E a música, com as infinitas possibilidades de seus sons, dos seus ritmos, com suas fusas, semifusas, colcheias, sustenidos que dançam em pautas lideradas por claves, até com nome de Sol, consegue, com tudo que vibra no universo, formar uma sinfonia que tanto nos liberta, quanto nos aprisiona e nos acorrenta, ao amor e à beleza

A música salva, mas pode empurrar-nos para os abismos dos nossos tormentos, emaranhar-nos em nossas emoções. Acordes impregnados de poderosa magia nos transportam para um mundo de infinitas possibilidades.

Assim, como aquelas crianças descobriram, para suas vidas, caminhos novos, nós, seus privilegiados ouvintes, poderíamos pegar carona nas asas do possível que só a arte, com seu despudor inocente escancara, mudar rumos, rever desejos, reencontrar a coragem e só assim não nos tornarmos reféns das nossas pequenezas diárias.

­ALICE ROSSINI

domingo, 18 de outubro de 2009

BERGGASSE,19


Quando escrevi este texto, a personagem que o inspirou já não estava comigo. Se estivesse, certamente o teria escrito numa posição mais confortável, pois, ela faz parte de uma estirpe de gente, que demonstra o amor no varejo. Nos pequenos detalhes, nos simples, mas determinantes gestos que podem tornar a vida mais leve e mais amena: a acomodação de um travesseiro, um pedacinho de chocolate na boca, o cuidado com sua segurança, a preocupação com seu cansaço ou o porquê do seu desânimo.

Foi assim, cercada pela generosidade de outra mulher, que o destino quis que realizasse um dos grandes sonhos da minha vida; conhecer onde viveu grande parte da sua profícua existência, um dos homens que mais refletiu sobre a condição humana e influenciou na sua forma de percebê-la: o austríaco judeu, Sigmund Freud.

Gostaria muito que ele soubesse que foi a persistência e a determinação de uma representação das suas maiores preocupações, que permitiu que chegasse até o sobrado da Berggasse n.19, Viena, lugar onde viveu 49 anos até que, obrigado pelo terror do nazismo, se refugiasse em Londres.

Apesar de não termos tido o tempo necessário para que visitássemos o museu, hoje dedicado ao pai da Psicanálise, andar por aquela rua que parecia compreender a grandiosa missão que cumpria para a história do conhecimento, entrar pela pesada e bem talhada porta de madeira que antecede uma ante-sala, preservada por janelas de vidro ornadas com flores jateadas, que permitem que o sol a ilumine, foi tão emocionante quanto sentir a cumplicidade e a adoção do meu sonho por minha amiga que, não por acaso, chama-se Margarida. Uma flor singela, que floresce em generosa profusão, iluminando e alegrando onde quer que esteja.

Não vou ter a pretensão de, aqui, tecer algum comentário sobre o legado freudiano. O que registrarei, na condição de leiga, a humanidade se beneficia e a ciência já reconheceu a importância.

Ter anunciado que o homem age conforme os comandos do inconsciente, que os filhos machos sentem-se atraídos pelas mães, ter falado em sexualidade infantil e em orgasmo feminino na Viena do século dezenove, já o tornaram um homem à frente do seu tempo e um cientista, cuja contribuição, atravessou séculos sempre de forma controversa e instigante. Ao referir-se ao atávico mal estar do ser humano, devolveu-o a possibilidade de reconhecer-se.

Portanto, meu esforço em visitar o que Viena preservou da sua memória, foi uma humilde homenagem e uma singela manifestação de gratidão ao que, ainda representa.

Se Doutor Freud imaginasse quanto nós mulheres lutamos e o quanto ainda falta para sermos livres! Que todos, homens e mulheres ainda vivemos angustiados e insatisfeitos, enquanto a indústria farmacêutica esforça-se para, quimicamente, descobrir a “pílula da felicidade” que minore nossa insatisfação, cujas raízes foram por ele expostas e apontadas para nossa condição de seres finitos...

Apesar de ter passado a maior parte do seu tempo tentando, em vão, desvendar nossos mistérios, pessoal e ousadamente, penso que muitas das suas teorias teriam sido, por ele, desconstruídas, tal a consistência do seu rigor científico e, muito teria ratificado, pois tudo que foi dito a respeito, o teve como referência.

Entretanto, ao reconhecer as especificidades inerentes à nossa condição feminina, equiparou-se à limitada compreensão humana sobre si mesmo, dizendo-se também, incapaz de entender-nos.

Só não imaginou, até porque o mundo àquela época não permitia, do quanto seríamos capazes se nos uníssemos.

Que poderíamos mudá-lo para melhor com as mesmas dificuldades, a mesma cumplicidade e a mesma persistência com que descobrimos, entre todas as ruas de Viena, onde fica o sobrado n. 19 da Berggasse.


ALICE ROSSINI

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

EU, LUCAS E CLARICE

Pouco me passou pela cabeça a idéia de escrever sobre meu neto. Já há diários demais, blogs e vidas expostas em quantidade suficiente. Já tinha até desistido não só de escrever como também de ser avó, quando Lucas, que poderia ser Mateus ou Thiago -- meu nome preferido por acreditar mais forte --, disse olá na minha vida.

Desde que soube que viria, fiquei quietinha, com medo de, ao externar alegria, atrair alguma malasorte (como dizia minha sertaneja mãe, que também insistia em chamar rosbife de malassada ), palavra que o Word logo tinge de vermelho em desaceitação. Alguns contratempos pareciam confirmar a tese de que ele era seria sempre apenas uma ficção, um personagem do livro que jamais escreveria.

Mas ele apareceu, apesar de e por sobre os meus medos. E é um bom menino. É fácil amá-lo. Embora não seja lá muito bem- humorado. O que para qualquer criança é coisa engraçada, de rolar de rir, nele vira apenas um tema de curiosa reflexão e de franzir de testa, como se pensasse: “que diabos ela pensa que está fazendo?”. Escolhe do que rir, como quer, a hora em que quer, e, muitas vezes, faz isso retribuindo o sorriso do outro, daquele que não sou eu, -- na maioria das vezes, seres absolutamente inanimados: plantas que o vento balança, ventiladores de teto, fotos antigas, cores, luzes, meu pai e minha mãe em foto desde que o mundo é mundo.

Mas o que escrevo aqui, penso eu, é menos sobre netos e mais sobre o que eles refletem. É sobre aonde ele me arremessa: ao que fui. Com ele, por exemplo, voltei a viver um tempo inenarravelmente lento, como só os domingos sabem ser. Acho os três meses que fará em 18 de outubro uma eternidade. É o tempo que achava que durava o ano até o chegar o carnaval, quando era menina e acreditava mais em Deus. Ou o Natal, o que dá no mesmo, porque o essencial aqui é a espera de alguma coisa boa.

Lucas é também o único traço a mostrar estive aqui, embora só para alguns, que andei por essas ruas e, mais do que por aqui, caminhei por Salvador, embora não diga mais nada de mim -- de quem fui, como pude e o que restou, ao fim. É também a única testemunha de como mudei, porque os outros mal viram como me encolhi igual a uma concha.

Pensar que andarei por aqui quando não mais estiver, mesmo que não seja exatamente eu, consola e alivia as dores de um tempo em que pessoas não importam. Quiçá, mas isso já seria de uma sorte inacreditável, sonhe os sonhos que não me foram possível.

Em pessoas como eu um neto não convida só ao brincar e a contar peraltices. Obriga à reflexão sobre a velhice e a desistência de ser o que se foi.

Que memória terá o meu neto de mim? Que Deus me ajude a ser só uma pequena parte de quem sou hoje. Não sou nem a sombra do que fui – e nem sei é bom, aliás, creio que de todo não. Hoje sou gentil e cumprimento até a quem não gosto. Mas engulo sapos que coaxiam nas madrugadas de minha alma. Não grito mais que é crime o que andam fazendo com o Velho Chico, meu São Francisco, que vai inundar as terras dos que já têm tudo até água e secar a sua própria e generosa fonte. E o povo nordestino continuará a ser aquele que acha que Dilma, em quem diz que vai votar, é a "esposa" do presidente. Aquele que não só ler sem entender, como também ouve sem pensar (já que as TVs falam dela sempre

Analfabetos funcionais de olhos e ouvidos.

Mas, pensando bem, talvez seja bom que testemunhe o que "pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma". É o que disse Clarice, a Lispector, numa carta as irmãs. "Não pensem que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro" ...

Ela diz mais e melhor do que eu: " Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu…Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força".

Que seja passageiro.esse estado de andar na vida só por ver os outros andarem.

ROZIE BAHIANA, jornalista

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

OBSERVATÓRIO ESPACIAL

Do meu "Observtório Espacial" não vejo a Terra Azul, como foi a visão do astronauta russo. Infelizmente, é preciso reconhecer os fatos e pessoas que compõem meu cotidiano, quando cedo me levanto.

É certo que reparo o mar com suas ondas, as nuvens que passeiam pelo céu, o bando de pássaros que voam, numa sincronicidade maravilhosa. Os pombos que pairam sobre fios elétricos, como equilibristas do grande circo.

De repente, visualizo homens e mulheres, catando o lixo, que os mal-educados jogam na rua. Crianças que andam descalças, sem camisa, acompanhadas de um cão sujo. Os dormitórios das varandas dos restaurantes ou toldos, sob os quais homens e mulheres dormem cobertos por papelão. Usam sacos plásticos como mictórios e saem cambaleando, em direção à orla.

Esta visão triste e inaceitável é contrabalançada pelo operário que passa todos os dias, empurrando um carro com material de construção; o rapaz jovem que corre, olhando o relógio;


a moça que passa todos os dias como se fosse cumprir uma tarefa. Começam a chegar os clientes de duas clínicas e os pontuais frequentadores de uma Academia. Pessoas que passam com seus cães. Algumas, muito poucas, trazem sacos e apanham as fezes. Homens altos e de roupa preta, com aspecto de seguranças..."o hábito faz o monge"? Os corredores que se dirigem à orla.

A alegria vai chegando, com crianças e adolescentes que se dirigem às escolas puxando carrinhos; outras carregadas por pais, avós e babás... Algumas choram, mas é melhor chorar porque vão à escola do que chorar de fome ou fazer malabarismos circenses nas sinaleiras.

Há muitas coisas positivas, mas ainda não posso dizer como Yuri Gagarin: "A Terra é azul"!


Lúcia Araújo, psicóloga

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

OS PENSAMENTOS TÊM VERDADE E VIDA

Eu tenho um hábito de sempre fazer listas que expressam as minhas vontades no que se referem a metas, objetivos, planos e propósitos a realizar. Esta manhã, quando iniciei meu período de trabalho, liguei o meu computador e comecei a delinear tudo o que tinha que fazer durante o dia e talvez, nos dias a seguir que antecedem minha tão aguardada folga.

Enquanto pensava medindo o nível de prioridades, desviei meus olhos para uma frase de Arthur Schopenhauer que eu mesmo havia escrito num pedaçinho de papel: “Os pensamentos próprios tem verdade e vida”.

Isto imediatamente me deteve nas minhas tarefas e retrocedeu minha mente até o mês de Junho quando meu filho perdeu seu melhor amigo de forma abrupta, repentina e inexplicável.

Esta notícia, à idade de 31 anos, sempre movimenta as bases de sustentação de qualquer ser humano, mas de imediato, serviu para reforçar a solidariedade entre amigos e familiares.

Apesar da tristeza que a morte prematura deste jovem provocou no seio da sua família e o impacto que provocou dentro do círculo de amigos mais chegados, foi gratificante ver as reações do meu filho diante da tragédia. A tristeza e a sensação de perda foram tão claras e tão fortes que se tornaram nos dias que se seguiram uma advertência, anunciando que os bons dias de juventude já se haviam acabado. Desdobrou-se em solidariedade com família, e "tomou com os dentes" o papel que cabe realmente a um melhor amigo, numa situação como esta.

Era óbvio que aquela amizade havia contribuído, e muito, para a felicidade dele. Segundo Aristóteles, "A amizade tem como base a busca do bem do amigo, porque esta disposição é essencial, não acidental".

Um amigo é uma pessoa que está sempre ao nosso lado, nos bons e nos maus momentos. Os amigos compartem a alma, se conhecem, se apreciam e se querem. Também se desculpam se ajudam e se unem diante de qualquer adversidade.

Se tivéssemos isto presente, sem dúvida alguma, teríamos um mundo melhor.

Não é fácil tomar decisões na vida onde renunciamos ao nosso próprio querer, e meu filho, afortunadamente nada habituado a estas lides que incluem perdas de pessoas que nos são queridas, me surpreendeu quando, de uma forma inédita, tomou as rédeas da organização do cerimonial que estes acontecimentos carecem.

Muitas vezes questiono e busco um verdadeiro significado para a palavra AMOR e, sem dúvida, sem dar muitas voltas e recorrer às mais variadas Encíclicas, nomeadamente a do papa Benedicto XVI (cuja leitura recomendo a todos), amor é sinônimo de entrega, de doação, de esquecimento de si mesmo.

Quando decidimos nos entregar sem condições ao amado, somos felizes. Se nos perguntarmos, sinceramente, o que nos faz mais feliz, se dar ou receber, creio que todos chegamos à mesma conclusão. Nossa essência humana busca fazer feliz as pessoas que amamos. Verdade gravada em nosso coração desde que nascemos.

A prova disto se encontra na lei natural que não é mais que a verdade gravada no coração de todo o ser humano. "A lei natural, que é uma lei prévia ao Homem e como tal, universal e imutável, e que todos possuímos". Já dizia Tomás de Aquino.

Se refletirmos sobre estes temas tão próximos e simultaneamente tão distantes, tenho certeza que extrairemos conclusões maravilhosas para nossas vidas e converteremos os pensamentos em algo vivo que repercutirá no nosso cotidiano.

Sem dúvida, é importante que nos proponhamos metas e objetivos dentro das nossas profissões. Escrevo no plural porque todos nós temos de ordinário, profissões duplas: a profissional e a familiar. Mas, por um momento, deixemos de parte estas considerações e pensemos em quatro dos pensamentos essenciais descritos acima: solidariedade, amizade, amor e lei natural.

Translademo-nos ao mais profundo de nossas almas e façamos uma escala de valores e virtudes, com a finalidade de sermos melhores e podermos preparar as nossas famílias, o nosso bairro, a nossa cidade, e assim, o Brasil que tanto sonhamos.

Um Brasil onde todos estejam incluídos, compreendidos, dignificados e considerados. Um Brasil verdadeiramente democrático, justo, seja qual for governo que escolhamos, se essa for a vontade da maioria e o melhor caminho para alcançar mais liberdade e a mais felicidade.

Fernando Trovador

domingo, 4 de outubro de 2009

A PADARIA E A CORTESIA

Fim de tarde na padaria.
Depois de escolher os pães e colocar na cesta, eu me dirigi ao balcão para a atendente ensacar e pesar.
Logo após encostar-me no balcão, outro senhor chegou com a sua cesta.
As atendentes estavam despachando outros clientes e não poderiam mesmo saber qual de nós dois havia chegado primeiro.
Uma das atendentes da padaria veio e dirigiu-se primeiro ao senhor que havia chegado depois.
Ele, incontinenti, disse para ela:
- Esse senhor chegou primeiro – disse meneando a cabeça para mim.
- Ora, que nada – respondi eu – pode atender a ele, não estou com pressa.
O senhor disse dirigindo-se à moça:
- Não, por favor, atenda primeiro a ele.
Dito e feito, a moça começou a ensacar e a pesar os meus pães.
Enquanto realizava a tarefa, comentei com a pessoa:
- O que o senhor acaba de fazer é algo cada vez mais raro e eu lhe agradeço a gentileza e a consideração.
- Ora, não há de que, afinal o senhor chegou primeiro...
- Pois é, mas hoje em dia, infelizmente, o seu comportamento é algo cada vez mais raro...
- Pois é, o mundo está assim!
- Ninguém respeita nada e a ninguém! – completei.
Pães pesados e ensacados, cumprimentei aquele homem gentil e fui ao caixa pagar, feliz por haver experimentado alguns segundos de civilidade e educação coletiva, embora tão coloquiais.
Logo depois, ao chegar ao estacionamento da padaria, os meus sonhos de cortesia se desvaneceram.
O estacionamento estava praticamente vazio, com vagas à vontade, mas outro cliente havia estacionado o seu carro ao lado do meu de uma forma que tornava impossível, a mim, entrar pela porta do motorista.
Ou seja, o condutor do outro carro não se incomodou em parar de forma que me prejudicava. Da maneira que o (ou a) “sacaneta” estacionou, ele pôde desembarcar confortavelmente, enquanto eu não podia entrar corretamente no meu veículo.
Fui obrigado, então, a entrar pelo outro lado e realizar aquela incômoda manobra de sentar no banco do carona, erguer as pernas por sobre o console central, e sobre a manivela de controle do câmbio, para poder me acomodar no banco do motorista.
Fiz isso pensando sobre o que havia levado aquela pessoa, com tantas opções de local para estacionar o seu carro, a escolher exatamente a vaga contígua à minha, estacionar tão mal e me espremer daquele jeito...
Ainda bem que eu estava de bermudas e não de calças.
Quando afinal me acomodei para dar a partida, ocorreu-me um sobressalto:
- Será que esse carro é daquele senhor gentil lá do interior da padaria?
Havia poucas pessoas no interior da loja e talvez fosse dele.
Resolvi esperar para ver, desliguei o motor e aguardei, não só ansioso, mas mesmo esperançoso de que não fosse.
Fiquei ali torcendo para não ser.
Um minuto depois ele entrou no estacionamento e dirigiu-se para um veículo parado em outro local.
Fui para casa com a alma leve e aliviada.
Se o carro fosse o dele, carregaria uma solitária decepção.
Pensei comigo mesmo, enquanto dava a partida:
- O mundo não está inteiramente perdido.


Sérgio Gomes é jornalista