domingo, 4 de outubro de 2009

A PADARIA E A CORTESIA

Fim de tarde na padaria.
Depois de escolher os pães e colocar na cesta, eu me dirigi ao balcão para a atendente ensacar e pesar.
Logo após encostar-me no balcão, outro senhor chegou com a sua cesta.
As atendentes estavam despachando outros clientes e não poderiam mesmo saber qual de nós dois havia chegado primeiro.
Uma das atendentes da padaria veio e dirigiu-se primeiro ao senhor que havia chegado depois.
Ele, incontinenti, disse para ela:
- Esse senhor chegou primeiro – disse meneando a cabeça para mim.
- Ora, que nada – respondi eu – pode atender a ele, não estou com pressa.
O senhor disse dirigindo-se à moça:
- Não, por favor, atenda primeiro a ele.
Dito e feito, a moça começou a ensacar e a pesar os meus pães.
Enquanto realizava a tarefa, comentei com a pessoa:
- O que o senhor acaba de fazer é algo cada vez mais raro e eu lhe agradeço a gentileza e a consideração.
- Ora, não há de que, afinal o senhor chegou primeiro...
- Pois é, mas hoje em dia, infelizmente, o seu comportamento é algo cada vez mais raro...
- Pois é, o mundo está assim!
- Ninguém respeita nada e a ninguém! – completei.
Pães pesados e ensacados, cumprimentei aquele homem gentil e fui ao caixa pagar, feliz por haver experimentado alguns segundos de civilidade e educação coletiva, embora tão coloquiais.
Logo depois, ao chegar ao estacionamento da padaria, os meus sonhos de cortesia se desvaneceram.
O estacionamento estava praticamente vazio, com vagas à vontade, mas outro cliente havia estacionado o seu carro ao lado do meu de uma forma que tornava impossível, a mim, entrar pela porta do motorista.
Ou seja, o condutor do outro carro não se incomodou em parar de forma que me prejudicava. Da maneira que o (ou a) “sacaneta” estacionou, ele pôde desembarcar confortavelmente, enquanto eu não podia entrar corretamente no meu veículo.
Fui obrigado, então, a entrar pelo outro lado e realizar aquela incômoda manobra de sentar no banco do carona, erguer as pernas por sobre o console central, e sobre a manivela de controle do câmbio, para poder me acomodar no banco do motorista.
Fiz isso pensando sobre o que havia levado aquela pessoa, com tantas opções de local para estacionar o seu carro, a escolher exatamente a vaga contígua à minha, estacionar tão mal e me espremer daquele jeito...
Ainda bem que eu estava de bermudas e não de calças.
Quando afinal me acomodei para dar a partida, ocorreu-me um sobressalto:
- Será que esse carro é daquele senhor gentil lá do interior da padaria?
Havia poucas pessoas no interior da loja e talvez fosse dele.
Resolvi esperar para ver, desliguei o motor e aguardei, não só ansioso, mas mesmo esperançoso de que não fosse.
Fiquei ali torcendo para não ser.
Um minuto depois ele entrou no estacionamento e dirigiu-se para um veículo parado em outro local.
Fui para casa com a alma leve e aliviada.
Se o carro fosse o dele, carregaria uma solitária decepção.
Pensei comigo mesmo, enquanto dava a partida:
- O mundo não está inteiramente perdido.


Sérgio Gomes é jornalista

7 comentários:

Alice disse...

Muito oportuno seu texto. É através dos simples gestos que, além de fazermos a diferença, ainda educamos quem está proximo.

Ser gentil com estranhos é sintoma de civilidade. É a educação no seu sentido mais amplo.

Parabéns!

Penha Castro disse...

São estas pequenas regras de educação que são desconhecidas, principalmente na Banhia, que tanto me incomodam e que denunciam a nosso baixo indice de desenvolvimento e civilidade. Este texto retrata o que poderíamos ser e não somos

Excelente

Mariana disse...

Adorei o texto porque vivencio o inverso destas cortesias todos os dia s. Quando o comportamento é igual ao descrito no texto é, realmente, digno de registro.

Muito bom!

Ricardo disse...

Éisso aí amigo! São nestas pequenas coisas que demonstramos o quanto somos civilizados. Infelizmente, atitudes como a da passoa da padaria são raras. Ainda estamos longe de sermos um povo educado e capaz de gentilezas cotidianas.

Paulo Fonseca Filho disse...

Muito bom e pedagógico. Parabens amigo. Ontem que a Alice me deu o endreço do BLOG que, por sinal, achei excelente.

Vitória Régia disse...

Sérgio,

Voce conseguiu diagnosticar nesta história um dos maiores problemas da nossa cultura. Falta de respeito e um minimo de cortesia de delicadeza, principalmente com os estranhos. Afinal, convivemos com eles grande parte do nosso dia

Amanda disse...

Excelente texto. Todos passamos por situações semelhantes e muitas vezes achamos "normal" o comportamento mal educadoe e desprovido de civilidade das pessoas. E, olha, isto acontece em todas as camadas sociais!