quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A FOME DA FOME

O ano começa. Alguém que tenha um grande sonho, o momento é o mais propicio para apresentá-lo. O mundo está com todos os ouvidos abertos para saber e o Universo pronto para conspirar a favor. Pode ser qualquer um. Contanto que seja transformador ou que nos faça mais humanos, mais humildes, mais seguros ou que seja tão grande, que nos provoque aquele "medinho" que sentimos ao nos aproximarmos do que achamos impossível.

Digo isto porque quase ninguém está satisfeito com o que é ou com o que tem. Na condição de humanos sempre estamos a buscar, sempre prospectando sonhos, desejos e frustrações.

A maioria pode quantificá-los, engrandecê-los ou simplificá-los - um apartamento novo, trocar de carro, viajar para um lugar ainda desconhecido, fazer uma reforma na casa para adequar às novas circunstâncias da vida, fazer aquele curso tão sonhado, e por aí vai, num sobe e desce de expectativas, cujas ondulações só se tornam visíveis quando vistas de fora (quando não nos pertecem). A variação da sua importância é proporcional ao tamanho e à profundidade das aspirações de cada um. Não há como classificá-las. São desejos, vontades e por isto legítimas, saudaveis e necessarias.

É sabê-las alcançaveis e importantes que temos força para mudar nossa realidade e assim, transformar nosso mundo e o Planeta de todos. Para alguns, não importa se as mudanças tenham efeitos para o bem ou para o mal (coisa feia, maniqueismo!), se é que tais conceitos se aplicam a sonhos. Aviso que estou circulando nos padrões da normalidade que tem lá suas variações e que tudo é uma questão de ponto de vista. Se formos entrar nestes meandros, nos perderemos na intenção deste texto que assume características de um labirinto, já que são muitos os caminhos, encruzilhadas e atalhos que nos levam ao arco Íris que esconde o pote de ouro onde podem estar guardadas nossas fantasias e desejos. Ou, não raro os caminhos são tão óbvios que não os enxergamos ou tão espinhosos que não ousamos buscá-los.

Dilema tipicamente humano, ser insensato ou ser realista.

O importante é que sua grandeza seja reconhecida por nossa vontade e pela nossa sensação de prazer e realização, pessoal ou coletiva. E nesta luta entre a real e o onírico, que os dois conceitos entrem num acordo cômodo para nosso pretenso equilíbrio.

Li uma frase de Adélia do Prado que explica muito bem o que tento transmitir neste texto. Lendo-a, logo percebi que são vagas e pessoais as fronteiras entre viver e sobreviver. Entre desejar estar vivo, existir ou apenas cumprir o calendário com conteúdos tão vários, que faz da passagem do tempo de cada homem, um caminho longo e cinzento, curto, intenso e cheio de surpresas ou, ainda, uma estrada pavimentada de "normalidades"; lágrimas sem gosto e sorrisos previsíveis.

A frase a que me refiro alertou-me para o fato de que viver exige garra, vontade e coragem para sonhar. E já nem todos os sonhos são realizáveis, vê-los abortados pode nos endurecer ou nos esmerilar. De qualquer forma é preciso persistência e determinação.

Reflitamos sobre o que pensou e tentou nos instigar, a brilhante e ousada poeta: "Da vida não quero a faca nem o queijo, quero a fome.."

ALICE ROSSINI

11 comentários:

RICARDO FARIAS disse...

COMEÇOU O ANO COM O PÉ DIREITO, QUERENDO TER FOME PARA VIVER. A VITALIDADE DO SEU TEXTO NÃO NEGA SEU APETITE. CUIDADO QUE MUITA FOME DÁ CONGESTÃO!
TEXTO ASTRAL, EXCELENTE

Amanda disse...

Muito bom seu texto. Leio Adelia do Prado e acho-a, como voce diz, ousada e instigante. O saque que voce teve associando uma necessidade humana à sua frase foi perfeito.
Mais uma vez, parabéns!

Lú disse...

Nem sempre a normalidade é a vilã da história... quantos a procuram, desesperadamente, ao buscarem "a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida"??
Altos e baixos, idas e vindas, ondas do mar oscilando nossos dias dão movimento às nossas vidas, mas de vez em quando cansam nossa beleza. Garra e fome se mesclam em sentido, mas há que se ter cuidado com a medida: o que seria da fome se não fossem a faca e o queijo para satisfazê-la? Legal é alternar, ser um ou outro, ao sabor da vida (ou dos nossos hormônios), pois seria um perigo e uma lástima vivermos eternamente insatisfeitas...
Muito especiais, seu texto e sua analogia. Só você - com sua sensibilidade apurada - seria capaz!

Penha Castro disse...

Fome de viver, motivação, entusiasmo, tudo está ou não está dentro de nós. Se estão, tiramos de letra as circunstâncias, se não estão tudo fica grave, pesado. E como pesa a vida sem motivação!Mas este é um dom de cada um, fazer do limão uma limonada ou experimentar o azedume da fruta. Nós mulheres, como não somos pragmáticas, precisamos desta fome. Homens vivem famintos e por isto acham que o Mundo deve saciá-los. O jeito é o equilibrio desequilibrado (risos), porque ninguem suporta o tédio gerado pela normalidade. E seguir em frente até quando der.
Estréia brilhante!

Anônimo disse...

Adorei seu texto. Identifiquei-me porque comecei o ano num fastio horrível e preocupante. Acho que é a vida que tá cansativa pra todo mundo, mesmo.

Aparecida disse...

Que frase de Adélia do Prado! Só voce, com sua sensibilidade para fazer uma leitura do essencial da vida em apenas uma linha. Quantas vezes temos facas para cortar e muitos queijos para comer, mas nos faltam fome, coragem, motivação? Com fome, literal ou existencial vamos longe na busca das nossas realizações.
Parabéns!

Ana Maria Vieira disse...

Cada vez que ligamos a televisão, lemos jornal, conversamos com alguem mais esclarecido, sinto minha fome de viver abalada. Acho que nos deixamos contaminar pelo descuido com o Planeta, com a crença que a maioria dos homens são maus, que somos tolos se sentimos algum tipo de alegria, que são poucas, raras e alcançadas com muito sacrifício.
Haja estoque de motivação para não morrer enfastiada

ZEUS disse...

LER SEUS TEXTOS ALÉM DE ME AGRADAR ME SURPREENDE CADA VEZ MAIS. VOCE RELACIONA O QUE VÊ COM O QUE SENTE E COM O QUE TEM VONTADE DE FALAR. ISTO É MUITO RARO NAS PESSOAS. OU ELAS SENTEM E NÃO FALAM, OU ELAS VÊM E NÃO SENTEM. O ESCRITOR É UMA PESSOA DO BEM PORQUE ELA QUER DIVIDIR TUDO QUE SENTE. QUER NÃO, TEM NECESSIDADE. POR ISSO, EU, ALÉM DE ADMIRAR QUEM TEM ESTE DOM OS RESPEITO COMO SERES HUMAMOS.

VOCE FOI EM CIMA DA QUESTÃO QUE TANTO LEVA AS PESSOAS AOS PSIQUIATRAS E AS FAZEM TOMAR TONELADAS DE ANTI DEPRESSIVOS. MUITO BOM.

Mario Lucio Rossini disse...

Querida prima.
Recebi sua mensagem e visitei seu blog.
Queria postar esta mensagem no seu blog, mas, como principiante, não sei fazer isto.
Então respondo à mensagem.
Farei outras visitas principalmente para ver se suas heresias contra a ciência são heresias mesmo.
As ciências, elas mesmas comentem muitas heresias contra si mesmas.
Beijos,

Anônimo disse...

Nossa, foi como se me visse num espelho. Há algum tempo estou sem nenhuma fome de viver

Cavalo Marinho disse...

Este texto deve ter sido um soco no estômago de muita gente que vive apenas por viver. Sem fazer a diferença para ninguem, sem objetivos nem metas. Pessoalmente ja o reli algumas vezes e não consigo enxergar uma saida. A fome de viver, motivação é mais presente em pessoas que receberam "nãos" da vida. As abastadas são entediadas, insatisfeitas e depressivas. Desculpe o preconceito mas, acho que todos precisam de uma "causa": que tal o próprio crescimento? a própria sobrevivência ou a de seus "dependentes"?

Gosto de textos que inspiram perguntas. Por isto, embora não tenha feito comentários, sempre te leio