Quando comparamos as reações humanas às suas dores e às suas conquistas sempre nos surpreendemos. A singularidade do homem lhe capacita a produzir uma gama infinita de respostas às circunstâncias da vida, que vão da destruição ao crescimento, do altruísmo à mesquinhez, da sublimação à sedimentação de “verdades” equivocadas.
Em minha opinião sofrimentos não se medem com critérios uniformes, portanto, não podemos esperar reações padronizadas a eles. O que para uns é trágico, para outros não passa de problemas que o tempo se encarrega de resolver. As variáveis que interferem nesta leitura vão desde a personalidade de cada um no contexto em que os fatos acontecem, às circunstâncias em que as vidas se desenrolam.
Fico observando o que resultou da vida de Michael Jackson, que debitava suas idiossincrasias a uma infância ceifada pela fama, sob a batuta de um pai violento, sob a indiferença de uma mãe omissa, num contexto de uma sociedade racista que o levou a distanciar-se de si mesmo a ponto de automutilar-se para negar tudo que o feria.
Claro, o que sabemos da vida do mais completo artista produzido pelos Estados Unidos é baseado em inferências de jornalistas sérios ou os que só buscam escândalos, na indiscrição de íntimos que se diziam “amigos” e nas suas entrevistas revisitadas pelos arquivos das grandes emissoras, que mostravam um ser estranho, infantilizado, que se mostrava solitário e tímido.
Foi acusado de pedófilo e nada foi provado, pois nos tribunais conseguia fazer acordos milionários com suas de suas “pretensas” vitimas. Que pais são esses que trocam uma violência desta natureza contra seus filhos por dinheiro? Excetuando a acusação de pedófilo, Michael Jackson era um ser humano digno de pena. O que é um sentimento passível de mais piedade para um artista com seu talento.
Coincidentemente, Roberto Carlos completa 50 anos de carreira. Podem achar que estou comparando laranja com banana. Mas arte se mede pela sua repercussão na emoção de quem a admira, da mesma forma que sofrimento também é visto pelo filtro pessoal e, principalmente, sob a ótica de critérios de normalidade que também se formam com base em parâmetros culturais e numa série temporal.
Portanto, nada sabemos da vida de ninguém. Roberto Carlos perdeu o que dizia “ser o amor de sua vida” e reagiu a isso num luto prolongado, permeado por uma depressão, que levou o “Rei”, como é tratado no Brasil, a procurar acompanhamnto profissional, inclusive com o objetivo de curar transtornos subjacentes. Michael Jackson tinha um séquito de médicos que, parece-me, curvava-se às suas mais loucas vontades.
Perguntamos: Quem sofreu mais, Michael Jackson com seu pai violento ou Roberto Carlos que passou sua infância sem uma perna, esmagada por um trem? Eu respondo! Os dois sofreram igualmente. Embora haja quem diga que ter um pai violento acompanhado de uma mãe omissa esgarça a personalidade de qualquer ser humano. Pessoalmente, acho uma violência maior. Mas tenho quase certeza, digo “quase” para não ser temerária, que para Roberto Carlos perder a perna foi pior já que ter um pai violento não fazia parte do seu contexto.
A vida de ninguém é fácil. Todos enfrentam perdas. Para muitos a perda atinge até a dignidade de não ter como alimentar seus filhos. Presídios, verdadeiros infernos na Terra, estão lotados, com mães, mulheres e filhos do lado de fora na desesperança de um reencontro. Hospitais estão cheios de seres sem nenhuma esperança de cura. Mães e pais perdem filhos. Pais e mães os abandonam. Enfim, ficaria aqui, eternamente, elencando todas as misérias humanas que seriam capazes de tornar qualquer um numa pessoa tão estranha ou mais, se é que isso é possível, em que se transformou Michael Jackson, apesar de toda sua arte e todo o dinheiro, com o qual tentou criar sua própria Terra, sintomaticamente chamada de Nunca – Neverland.
O enterro do astro americano foi transformado num espetáculo ao gosto de Hollywood, qual filme de ficção, com a presença de artistas e astros do esporte e de uma família que o renegou. Longe de descansar, Michael Jackson perdeu este direito. Mesmo tendo construído tantas “saídas secretas” na mansão onde morava, morreu sem saber em qual delas estava escondida a paz que tanto procurava.
Enquanto isto está marcado um espetáculo ao gosto brasileiro, no Estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, que celebrará o meio século da carreira do “nosso” Rei. Segue Roberto Carlos com sua vida, com suas dores denunciadas pelas rugas e pela tristeza sempre presentes em seu olhar, resolvidas ou não, mas com aparência serena, homenageado e aparentemente mais feliz ou menos infeliz como queiram.
Todas as vezes que tentarmos comparar os homens, diante do seu inferno ou da sua plenitude, deveríamos ficar mais tolerantes e extasiados com esta virtude da nossa humanidade de sermos únicos, mesmo fazendo parte do todo.
ALICE ROSSINI
5 comentários:
SENSACIONAL! JÁ FALARAM TANTO DE MICHAEL JACKSON, MAS ESTE PARALELO COM R.CARLOS, ALEM DE CORAJOSO, FOI ORIGINAL. DEFINITIVAMENTE, VOCE É OTIMA, INTELIGENTE E TUDO DE BOM!
PARABENS!!
Puxa Alice! Será que as pessoas precisam morrer para que nos preocupemos com elas? Também achei uma palhaçada aquele velório-show.
A comparação das circunstancias dos dois artistas foi boa. Mostra que se todo mundo que tem traumas enlouquecesse, o mundo seria um hospício.
Voce foi ao ponto com precisão cirúrgica(risos)
Muito bom.
muito bom o texto. muito atual tambem, é claro. os dois estão em evidencia por motivos opostos. realmente a dor de cada um é sempre a maior dor do mundo. a dor de uma criança que tem seu pirulito roubado por um cachorro é a mesma de um michael jackson com seus problemas e a de todos nós. Evidentemente as consequencias dessas dores é que são proporcionais a importancia de cada uma. É aquela história: o nosso problema sempre é maior que o dos outros. Portanto, na nossa ótica, nossa dor sempre será a maior de todas. Até ser substituida por uma nova dor maior.
Muito boa a reflexão, que no fundo, é sobre o que fazemos com a dores e as alegrias que a vida nos impõe. Tem gente que a vida poupou de grandes problemas e fica arrogante, indiferente. Tem gente, com a mesma sorte que quer dividí-la com os outros. Tem gente que sofre e fica amarga se vitimizando, tem gente que sofre e procura esquecer de si e olhar para o lado.
Os dois artistas são exemplos muito felizes para fazer este paralelo e como voce diz, constatar mais uma vez o quanto somos diferentes
Michael, Roberto Carlos, Madona, Pelé e outros artistas talentosos e verdadeiras celebridades. Antes de tudo, pessoas iguais a todas as outras. Cada um com sua história, cada um com seu destino.
O mundo a imaginar e a querer saber mais que devem. Preço alto demais pago por eles pelo talento.
Cada um deles sabe onde doi e porque doi.
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