quinta-feira, 30 de julho de 2009

A IMPORTÂNCIA DO "NÃO"

Dizer que mulher é “sexo frágil” virou clichê. Além de defasado, inverídico.

Desde os primórdios da humanidade, quando uma das suas tarefas era cuidar da cria e defender seu “território,” enquanto o macho buscava o alimento, desenvolveu uma enorme capacidade de desempenhar várias atividades simultaneamente. Tornou-se uma privilegiada observadora de todas as fases do desenvolvimento físico e psicológico do ser humano, através da proximidade dos filhos.

Sentimentos humanos e suas variações tornaram-se uma “especialidade” feminina, inclusive a análise e a consciência dos inerentes à sua condição de mulher.

Nem por isso, teve um papel privilegiado na história da humanidade e muito teve que lutar para ter acesso a direitos elementares. Quanto a isto muito já foi dito. Por estes direitos e, em nome da luta, alguns equívocos foram cometidos e o saldo positivo depositou em nossos colos uma enorme responsabilidade de não permitirmos nenhum retrocesso.

Hoje, ao mesmo tempo em que conquistamos uma legislação que protege, fatos nos dão a lucidez de reconhecer que a frieza da lei, por mais severa que seja, não é capaz de mudar comportamentos atávicos, arraigados em todas as culturas, que usurpam da mulher a autonomia capaz de torná-la totalmente livre.

As mais cruéis seqüelas sofridas pelo ser humano, oriundas da sua trajetória histórica e cultural, tiveram origem na incapacidade masculina de lidar com reversão de expectativas, de elaborar de forma positiva sentimentos de rejeição, de reconhecer como natural o processo de envelhecimento, de se sentir dono perpétuo de tudo que conquista e cria, de ser refém de um pragmatismo que exacerba e o torna, muitas vezes, um ser frio e distante, até dos próprios sentimentos. Embora nunca desista e lute com tenacidade por maiores parcelas de liberdade, não a reconhece como um direito de todos e, neste universo, incluem as mulheres.

Fatos frequentemente divulgados pela mídia, em todas as épocas, atestam que o homem não reconhece na mulher o direito de dizer um simples NÃO.

Refiro-me aqui ao que ocorre entre as quatro paredes da sua vida, pois certamente, o que transborda para o público é reflexo dos bastidores em que vive e. não raro, apenas sobrevive.

São pequenos, mas decisivos, os detalhes que determinam esta distorção. Nossa anacrônica submissão nos faz presas fáceis de um assentimento incondicional a todas as demandas dos nossos parceiros. Não estou generalizando, mas sabemos que muitas de nós, independente de nível sócioeconômico e cultural, com a intenção de manter o “equilíbrio” e a harmonia familiar, pelos quais nos colocamos como únicas responsáveis cedem nas questões acidentais, com o mesmo desamor por nós mesmas como fazemos no que é essencial e fundamental.

O resultado disso são relações patológicas de dominação, onde a violência assume sutilezas infinitas que vão da manipulação psicológica à agressão física.

Quando extrapolam os limites da “civilidade” a imprensa divulga, a polícia prende, as famílias revoltam-se, muitas mortes e mutilações físicas e psicológicas perpetuam-se. Mas algumas perguntas ficam no ar: Qual o caminho percorrido por aquela mulher para ser vítima de tanta violência com requintes de perversidade? Quantas concessões devem ter sido feitas que derrubassem barreiras, extrapolassem limites e cedessem lugar a tanta brutalidade? Quantos “sim’s” violentaram “não’s” que legitimavam direitos, vontades, desejos, medos, inseguranças tão humanas quanto recorrentes?

Não se passa pelo calvário sem tropeçar em todas as suas pedras e sem conhecer ou sentir o peso da cruz.

Nossa dificuldade cultural de dizer não, associada à dificuldade do outro de ouví-lo, nos aprisiona. Nossa incompetência de sermos donas dos nossos destinos tem raízes históricas, embora as chaves das prisões que nos encarceram, sabemos onde encontrá-las. Mas a covardia, o comodismo e, muitas vezes, o oportunismo que reside em algumas de nós, faz com que escolhamos ser segregadas das nossas próprias essências e do amor que deveríamos sentir por nós mesmas.

Preço alto demais por tão pouco ou quase nada.

ALICE ROSSINI

11 comentários:

Mariana disse...

Nós mulheres, ao longo das nossas vidas, fomos condicionadas e obedecer, a sermos cordatas e dizer sim, mesmo quendo estamos destroçadas pelas imposições da situação.

Muito bem colocado e o contexto atual favorece.

Rosângela farias disse...

É revoltante o que ficamos sabendo pela imprensa. Imagine se soubermos o que acontece sem que um grito de socorro seja ouvido.

Não tem LEI MARIA DA PENHA que de jeito em que não te auto estima

Vitória Régia disse...

Oportuno, (infelizmente será sempre), este texto ainda tem o mérito de "denunciar" o que está por tras dos bastidores da vida de milhares de mulheres que vemos sorrindo feito hienas mas são tratadas como animais acuados e sem direitos.

Depois de tudo que ouvimos e ouviremoas ainda. continuará sempre atual, para nossa infelicidade.

Com pesar, muito bem escrito

Penha Castro disse...

É com pesar e até uma certa vergonha que assumo por muitas mulheres, letradas, engajadas, politizadas, "modernas" este tal de "oportunismo" e covardia que voce se refere no seu texto. Não adiantam Leis, consciência, educação, que na hora de qualquer confronto entre os sexos, seja de que natureza for, jogamos a toalha.

Digo isto com muita tristeza. Em vez de tomarmos coragem e assumirmos nossa força como fêmeas, suncmbimos como machos covardes e medrosos.

A esta altura da história, textos como estes deveriam ser densecessários

Rita de Cássia disse...

É isso ai! Tem que gritar e espernear! Que horror! Ainda hoje mulher sendo torturada? Em que mundo estamos?

Ana Rosa Viana disse...

Sacanagem! Desculpa mas o termo é este! Não adianta lei contra homem que bate em mulher. Adianta mulher que tenha vergonha na cara!

Paulo Maia disse...

Embora não tenha tomado a capuça, pois em mulher não "bato nem com uma flor" (risos), acho que voce tem razão em alguns aspectos. Mas, voce sabe que tem mulheres que se submetem a muita coisa porque querem!
Excelente texto!

Tiagão disse...

É isso ai! Alguem tem que escrever! pensei que protestar estava fora de moda. Estão pegando pesado com as mulheres!

Ana Clara disse...

Tia, eu esbocei muitos comentários, e acabei apagando todos. Você sintetiza muita coisa nesse texto e acho que seria repetitiva.

E é uma conversa a se ter - que até me lembrou da nossa hoje.

Como pesa ser mulher!!
Amamos demais, doamos demais, acolhemos demais... E não conseguimos negar - por amor!

Fique sabendo que esse é mais um dos seus textos - desabafos - que eu vou me lembrar sempre.
Beijo,

Ninha.

Alice Rossini disse...

Ninha,

Voce não imagina como fico gratificada por um texto meu, sobre tema tão complexo quanto comum, repercuta numa mulher\menina, para mim, sempre criança, de forma tão profunda.

Deixe que além de marcante seja libertário

Te amo

tia Alice

Anônimo disse...

Esse texto dispensa comentários...
Muito bem escrito, não apela somente à violência para lembrar quantas de nós, mulheres pseudo-esclarecidas, nos permitimos violentar em nome do "sim" ao amor - que mais pode se confundir com covardia. Penha Castro tem razão, devemos sentir vergonha da apatia e comodismo que nos leva a fundo de poços sem que tenhamos atitude suficiente para reagir - e emergir, acima de nós mesmas.
Infelizmente esse discurso será atualíssimo ainda por um tempo; talvez as novas gerações de mulheres assimile, através da nossa fala (ainda não ultrapassada), a capacidade de se revelar por inteiro, sem medo de ser feliz...