domingo, 16 de agosto de 2009

POR QUE NÃO ¨FUI¨ À WOODSTOCK ?

Está fazendo 40 anos que a humanidade, tais quais as explosões solares, através da arte e sob o comando da juventude, protagonizou o maior movimento pacífico do Planeta. O que foi planejado para ser mais um festival de música, onde um grupo de empresários ganharia “rios” de dinheiro, o impulso humano pela liberdade, derrubou cercas tornando o festival gratuito. Cerca de 500 000 pessoas fizeram de Woodstock um marco, uma firme sinalização para um mundo conturbado pela violência da guerra e imerso numa crise de valores.

Embora a qualidade musical do evento seja considerada altíssima, o festival, cujo slogan, “Três dias de paz e música” foi considerado emblemático e se destacou pela atitude harmônica em que, meio milhão de jovens presentes imprimiu ao encontro. Em três dias de liberdade total, onde drogas, sexo e rock´n roll não tiveram limites, morreram duas pessoas de "overdose" e três crianças vieram ao mundo sob o signo de uma verdadeira manifestação da Era de Aquário.

“Tente
E não diga que a vitória está perdida,
Se é de detalhes que se vive a vida
Han!
Tente outra vez!...”

A década de 60 foi a mais conturbada do século passado. A águia americana cravava suas garras no Vietnã, a despeito da indignação da humanidade. E, para orgulho desta mesma humanidade, deixava também marcas na Lua. A Europa emprestava seus belos e históricos cenários para manifestações de protestos e na América Latina o breu das ditaduras calava bocas, tornava mães órfãs de filhos, torturava culpados e inocentes, transformava cidadãos em apátridas. Entretanto, algumas consciências resistiam incólumes ao inferno do medo.

“É voce olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
E só usa dez por cento
De sua cabeça animal”

Enquanto escrevo este texto, tento rever-me em 1969: “Ela só quer, só pensa em namorar”. Completa e naturalmente alienada, "desconhecia" que, no ventre do mundo, estavam sendo gestadas as contradições das quais a humanidade jamais conseguiria libertar-se. Quanta riqueza!

Se de um lado o Mal incendiava uma guerra que se dizia “fria”, do outro a contracultura, forças do Bem diziam não insistindo em mostrar que a paz, não só era possível, mas direito de todos e uma necessidade de cada um.

“Eu sou o medo do fraco
A força da imaginação
O blefe do jogador
Eu sou, eu vim, eu vou”

No raiar do dia 18 de agosto de 1969, em Woodstock, sobe ao palco Jimi Hendrix. Saúda a coragem e a persistência do público ainda presente e, da sua sagrada guitarra, arranca "estranhos" sons de explosões de bombas, granadas e rajadas de metralhadoras. A forma de a arte dizer não à morte do homem pelo seu semelhante. Interpreta então, o Hino Nacional dos Estados Unidos da América.

“Se hoje sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã eu tenho amor”

Ainda escrevendo este texto, experimento sentimentos antagônicos. Se, de um lado, vivi as emoções, hoje, sei manipuladas e aviltadas, da conquista da copa no México, quando nos firmamos como país do futebol e da seqüestrada taça Jules Rimet, por outro, tenho a sensação de que, eu e o mundo somos credores um do outro.

“Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual”

Culpa da força do comodismo? Do conforto da normalidade? Sei que não estaria em Woodstock, mas sonegar-me viver as emoções de tanta ebulição nos intestinos e na cabeça da humanidade me faz sentir como Carolina que viu a História acontecer do conforto da janela de seus projetos pessoais, que só mais tarde os reconheci grandes.

Por que o mundo não veio até mim? É a menina de 15 anos que ainda pergunta. Havia censura, hoje eu sei. Mas, quantos tiveram coragem e conseguiram pular os muros, olhar pelas frestas? Muito mais tarde, com o fim do maniqueísmo, o “Super Homem” de Nietzsche, que existe em cada ser humano, até os derrubaram. Agora, lembrando-me destes fatos, tomada pela emoção, desculpo-me e debito à imaturidade e à ignorância, a falta de envolvimento, naqueles decisivos momentos.

“E esse caminho
Que eu mesmo escolhi
É tão fácil de seguir
Por não ter onde ir...”

Que cada um escreve sua história é frase, além de óbvia, um enorme jargão. Mas olhar para trás, computar omissões e ausências impossíveis de serem preenchidas e revê-las, com alguma lucidez e certa compaixão, conseguem fazer de mim um ser consciente da sua massacrante e perigosa humanidade. Mas, humilde, por achar justo não ter estado presente em todos os gloriosos momentos da história do mundo, até porque vivia a minha. Então...

“Das telhas eu sou o telhado
A pressa do pensador
A letra “A” tem meu nome
Dos sonhos eu sou o amor...”

* Os textos entre aspas foram retirados de letras de autoria de Raul Seixas

ALICE ROSSINI

9 comentários:

Orlandinho disse...

PARABENS ALICE,
JA TA NA HORA DE ESCREVER UM LIVRO.

ORLANDINHO

Sérgio Gomes disse...

E a era de Aquários que preconizava afinal um mundo harmonioso e em paz - o que aconteceu? Continuamos vivendo uma overdose de guerras, conflitos, violências urbanas, maracutaias e desgovernos. Um dos sucessos daquela época, embora não tenha tocado em Woodstock, acho eu, era a música "The Impossible Dream", do conjunto The Quest, que ganhou essa versão nacional de Chico Buarque e Ruy Guerra, "Sonho Impossível", que acabou gravada por Deus e o mundo:

"Sonhar, mais um sonho impossível
Lutar, quando é fácil ceder,
Vencer, o inimigo invencível
Negar, quando a regra é vender...
Sofrer, a tortura implacável
Romper, incabível prisão
Voar, no limite provável
Tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo,
Cravar esse chão,
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas garras terei que vencer
Por um pouco de paz...

E amanhã, esse chão que beijei
Por meu leito e perdão
Por saber que valeu delirar
E morrer de paixão...

E assim, seja lá como for
Vai ter fim, a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão."

Abraços,
Sergio

Fernando Trovador disse...

Alice Linda.

Estou de volta! E, ao abrir seu blog vejo essa maravilha. Chorei menina. Chorei porque eu tinha a grana economizada das semanadas e bicos que fazia, tinha porte, tinha companhia, dois pares de blue jeans e algumas camisetas, junto com uma jaqueta do exército. Tinha tudo isso mas só tinha 15 anos e papai disse não.
Me lembro como se fosse hoje, que no dia que Joan Baez cantaria, enquanto as lágrimas me corriam face abaixo de raiva e impotência, eu sentado no chão da varanda, tentava aprender a tocar You’ve Got a Friend de James Taylor e que a propria Baez interpretou em Woodstock. Eu me achava o verdadeiro trovador e até tinha uma bandinha que tocava músicas do Crosby Still Nash & Young. Foi um duro golpe nos meus sonhos e na minha fantasia. Papai vamais me deixaria sair de casa e ir para os Estados Unidos com um grupo de carinhas todos entre 15 e 18 anos. Alguns deles foram e um nunca mais voltou. Era o Adolfo, um cara que compartia a sala de aula comigo. Alguns anos depois, Adolfo retornou casado com uma menina índia Cherokee e já com 2 filhos. Ia a caminho da Africa do Sul participar de uma frente de luta pacífica contra o apartheid. Nunca mais soube nada deles.
A única chama dessa época que ainda me acompanha, é a minha esposa, as minhas recordações de uma época ìrrepetivel, e agora, voçe com essa joia de texto, iluminou-as ainda mais. Com as suas palavras me dou conta de que naquela época as cores eram mais vivas, o céu era mais azul, os risos eram mais francos, o amor era mais puro, o pão mais rapartido, e, o futuro parecia mais brilhante. Agora já nem sei!
Nunca houve nem haverá uma época como essa, e nós, tivemos a sorte de estarmos vivos para testemunha-la.
Um dia o bem prevalecera!

Fernando Trovador .

Alice Rossini disse...

Nando! Sempre achei que a principal função da arte, seja ela qual for, seja mobilizar a emoção das pessoas. Voce me emocionou ao saber-me capaz de lhe emocionar. Na verdade, este texto é uma penitência, pela minha ignorância e imaturidade que toldaram minha compreensão para o que estava acontecendo no mundo naquela época. Mas sempre ha tempo para tudo. Hoje vejo a história em perspectiva e talvez o tempo tenha me propocionado a capacidade de entender a grandiosidade ou a dramaticidade de determinados momentos.

Muito obrigada pela generosidade das suas palavras. Confesso-me humildemente envaidecida

beijoss

Alice

IZABEL disse...

ALICE,

Que texto lindo!
Além de fazer um flash back na histórica, você faz uma análise madura do seu posicionamento.
Sim, há tempo pra tudo e cada pessoa tem o seu tempo que deve ser respeitado.

O mundo estaria diferente se todos se “penitenciassem” desta forma, heim!

Bjss,
Bel

Selene May disse...

Beleza, meu bem!!!
eu sou geração woodstock!!!
e viva raul seixas!!!
good morning, people!!!
é o grito woodstock!!!
mts bjsss!!!

Anônimo disse...

QUANTA CRIATIVIDADE PARA CONFESSAR O QUE NÃO FEZ! INTELIGENTE E LUCIDA A AUTO AVALIAÇÃO. PELO QUE SEI, SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A MELHORIA DO MUNDO, VOCE CUMPRIU, CRIANDO BEM SEUS FILHOS. SE TODOS CUMPRISSEM ESTA TAREFA BEM, O MUNDO ESTARIA MELHOR.

Vitória Régia disse...

Menina, voce está ligada heim? Que texto! Comemorou os 40 anos de WOODSTOCK e ainda homenageou Raul Seixas. Muito bem bolado e criativo. Fuquei tocada!

bjs

SABACK disse...

Alice,

Achei o texto bem escrito, bom de ler, com registros interessantes, mesclados com trechos de músicas do Raul Seixas, que deu uma dinâmica muito interessante ao texto.

Você é literalmente uma escritora/poeta de mão cheia.

Abraços,
Jairo Saback