domingo, 15 de março de 2009

ENIGMA ?


Há algum tempo, recebi uma mensagem de uma amiga, que narra a história de amor entre o Príncipe Charles e Camila Parker. A mensagem comenta entre outras coisas, que o amor que já existe e resiste ah 34 longos anos, foi uma “batalha” desigual entre a beleza e a feiúra, entre o proibido e o oficial, entre a emoção e a razão.

Sabemos que Charles casou-se com Diana sem amor. Ela, por mais simples e provinciana que fosse, como qualquer mulher, se não tinha consciência, poderia intuir o desamor do Príncipe. Só para resumir a história, o fato é que, tão logo foi conveniente, após a morte de Diana, Charles transpondo todas as barreiras impostas pela sua condição de futuro Rei da Inglaterra, pelos dogmas da Igreja Anglicana e pela opinião dos seus ex-futuros súditos, casou-se com sua já sexagenária Camila, o grande e único amor de sua vida.

Depois de ler e reler a emocionante historia, pus-me a pensar quais as variáveis que estão em jogo e são decisivas para que duas pessoas se amem por toda a vida, com tantos impedimentos.
Quando falo de Amor, refiro-me ao amor apaixonado, este possível, diferente da Paixão em forma, conteúdos e duração. Não quero discutir sobre os “amores” mornos, cujos parceiros permanecem juntos, por conveniências financeiras ou familiares, sobre os “amores” que já estão mortos e ninguém nem se dá ao trabalho de diagnosticar sua “causa mortis”. Tanto estes como aqueles o comodismo e o medo já justificam que seus personagens não procurem a felicidade em plagas mais arriscadas, mas, certamente, mais gratificantes.

Por questões culturais, adotamos como verdadeiro o conceito de amor apartado do sexo, que só se justifica e se legitima se carregado de conteúdos românticos. Se tiver uma boa dose de impossibilidades, mais forte poderá tornar-se. A trágica história de Romeu e Julieta tornou-se emblemática, não só pela sua densidade literária, mas também porque seu enredo identificou-se com a maneira como parte da humanidade encara o amor. A literatura é pródiga sobre a história de casais, cujo amor foi fonte de tragédia e sofrimento, tantos os impedimentos que escritores impunham-lhes para afastá-los e lhes sentenciar um trágico final. Hoje, vivemos e sofremos por culpa desta enviesada forma de pensar as relações. Principalmente nós mulheres, que sempre criamos expectativas e ansiedades, o que, não raro, nos leva ao sofrimento.

Alias, sofrimento e amor são associados não só na literatura como em todas as expressões artísticas.

O saudoso poeta Carlos Drummond, na sua sabedoria, já disse: “há vários motivos para não se amar uma pessoa e uma só para amá-la; esta prevalece”. Quando nos apaixonamos, nosso imaginário “cria” uma personagem que corresponde ao nosso ideal e nela depositamos todas nossas expectativas e justificativas para continuarmos apaixonados. Como somos inconstantes e não suportaríamos a paixão por um tempo muito longo, logo desconstruímos o que mitificávamos e aí começam as dificuldades. Como diz Carotenuto, no seu livro Eros e Pathos, Amor e sofrimento: “.....daí resultam as sensações de vida e morte, de presença e ausência, de fusão e solidão, de atração e angustia, de libertação e culpa, de respeito e instrumentalização da força, de fantasia e realidade, de luz e sombra, de ternura e violência, de diálogo e incomunicabilidade, de confiança e ciúme, de fidelidade e traição, de êxtase e abismo.....”

Não pretendo aqui decifrar o enigma que se transformou a possibilidade de duas pessoas amarem-se e viverem felizes sob o mesmo teto, sentindo-se sexual e existencialmente satisfeitas. Estudiosos, cientistas e pensadores já tentaram decifrá-lo com embasamento cientifico - filosófico e o homem, ainda consome-se com esta questão.

Atração sexual, beleza física, empatia, identificação de gostos, e interesses e objetivos comuns, e assim, estaria pronta a receita de um amor eterno. Seria tão simples se os homens fossem simples! Mas, infelizmente, não é assim que acontece. Encontros que têm tudo para dar certo, logo se transformam em fracassadas relações, e pessoas sem nenhuma identificação aparente, podem levar a vida inteira, juntas e felizes. Aqui, quando falo em felicidade, leve-se em conta a relatividade dos conceitos individuais de bem-estar.

Nosso atávico mal estar existencial aliado à nossa eterna insatisfação, como seres “desejantes” que somos, torna-nos inquietos e fadados à incompletude. Tendemos a transferir para o parceiro a responsabilidade de preencher este vazio. Vamos continuar decepcionando-nos e frustrando-nos. Cada ser humano é único e inexato, modifica-se com o tempo, age e reage de forma diferenciada.

Estas constatações “quase” que inviabilizam o tão sonhado “e foram felizes para sempre”

A questão que a mensagem suscitou em mim, percebo-a como um enigma que jamais será decifrado. O homem deveria deixar de tentar buscar a tal “felicidade” no outro e para o outro antes de buscar ser, minimamente, satisfeito e resolvido consigo mesmo. Assim como temos, muitas vezes, dificuldades em reconhecer e administrar a origem das nossas angústias, conviver com o outro com seus “mundos” a todos os momentos desvendados, é um desafio que poucos conseguem encarar com serenidade. Há que se possuir muita paciência e vontade política de “estar com” sem abdicar da possibilidade de “estar sem”.

Minha questão e minha opinião são tão individuais, quanto singulares são os modelos de cada relação. Portanto, cada qual que exerça a liberdade de escolher a vida que quer para si. Desde desistir e conviver com a solidão, a viver junto e infeliz até ser realista e tomar consciência que uma relação é um projeto sem cronograma fixo e cada etapa deve, cotidianamente, ser repactuada com o parceiro. Dá trabalho, mas, vale a pena quando o amor e a amizade justificam o empenho.

Há também, o que duvido um pouco, quem conviva com essas questões e consiga transpor suas dificuldades sem maiores traumas. Afinal, cada um tem o direito de viver no nível de profundidade que suportar.


ALICE ROSSINI

4 comentários:

Anônimo disse...

Coisa mais dificil é manter um amor,ne? Voce tem razão, é um enigma que ningueum vai,nem deve decifrar, senão fica sem graça...
Acho que a gente gosta mesmo é de sofrer...rsrs

Anônimo disse...

NOSSA! QUE TEXTO! SABIA QUE VOCE, ALÉM DE BONITA E SIMPATICA É INTELIGENTE!

Unknown disse...

Voce foi profunda, Alice! Muito razoavel essa analise. Alias, quero aproveitar para lhe parabenizar pela maravilhosa forma de escrever - vc brinca com as palavras. Obrigada por dividir conosco suas ideias. bjs

Anônimo disse...

Ninguem mais colocaria o enigma de amar e ser amado com essa "simplicidade complicada", dicotomia típica do universo feminino. Quando utiliza nossa carga cultural como âncora para um padrão de amor pautado no sofrimento, quando enfatiza nosso eterno desejar - como seres insatisfeitos que somos - e seu reflexo em nossas vidas, você lança um desafio sobre os padrões que estabelecemos para nossos relacionamentos e nos instiga a questionar aquilo que vivemos. Não é à toa que nós, mulheres, nos identificamos tanto com a sua fala! Parabens pelo delicioso texto, pelo ponto de vista racional - sem deixar de ser feminino, quando a maioria estaria "jogando pedras" no príncipe que preferiu "a sapa" à belíssima princesa, contrariando todos os contos de fadas.